quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Um Alambique à Vácuo





 No último mês de julho a confraria de Cachaça do Copo Furado foi convidada a acompanhar algo inusitado: a primeira destilação em um equipamento à vácuo no Brasil de um caldo de cana fermentado nas instalações da cachaça “Engenho D’Ouro” na localidade da Penha, Paraty- RJ.

  Aproveitando a viagem a Paraty a Copo Furado visitou as dependências do alambique da Cachaça “Pedra Branca” onde Lúcio, seu produtor falou um pouquinho sobre sua estratégia de distribuição, a importância do turismo e da rastreabilidade no processo de produção da Cachaça.

Sendo assim pegue sua preferida  de Paraty, um bom tira-gosto e vamos destilar experiências!

Um Pouquinho de História


O  Alquimista, David Teniers the Younger Séc. XVII
A arte das destilações acompanha a história da química. Desde a antiguidade que 
muita gente procura recolher vapores oriundos da destilação de diferentes vinhos. Nessa busca a humanidade já fez destilações em equipamentos de barro, muito comuns no Brasil colônia, chaleiras adaptadas, panelas de cobre, retortas de vidro, equipamentos de aço inox e equipamentos híbridos com diferentes materiais em sua confecção.

A evolução da arte da separação das partes foi fazendo com que os alambiques fossem adquirindo diferentes geometrias. Se Inicialmente os alambiques tinham seu resfriamento no topo da panela a exemplo dos capelos, capitéis ou “trombas de elefante”, com o tempo foram adquirindo serpentinas, alongamento da coluna, pratos internos, deflegmadores, outros corpos e outras formas de se facilitar a operação aumentando o rendimento em graduação alcoólica, qualidade do destilado (densidade/ viscosidade) e seus atributos sensoriais.

Um testemunho da história das destilações é o uso do cobre como material catalisador de reações químicas indesejáveis ao sensorial (sulfetos). Dentre todos os metais o cobre se mantém na história sendo associado à produção de bebidas alcoólicas destiladas de maior qualidade sensorial.

Os Destiladores no Brasil

Destilação em modelo "Tromba de Elefante"

No Brasil ainda há uma diversidade considerável de tipos de alambique sendo que os mais tradicionais seriam os do tipo Charantês (Harmonie Schnnaps, Casa Bucco), “Tromba de Elefante”(Havana, Canarinha), os de coluna simples como os fabricados pela “Osório Equipamentos”( Da Torre e Segredo da São Benedito) além dos capelos com coluna alongada, pratos e serpentina (Séc. XVIII, Tabaroa). 

Os equipamentos de três estágios (tipo alegria) também tiveram seu auge de utilização (Magnífica, Cachoeira de Cachaça) mas assim como os demais têm sido substituídos por equipamentos com colunas maiores com pratos, deflegmadores e serpentina (hoje cada vez mais a cápsula condensadora). Há que se registrar os equipamentos de aço inox comuns nas cachaças industriais com suas imensas colunas e pratos de retificação.


Cada equipamento cobra um tipo de habilidade de seu operador e no final das contas o que se está em jogo é a eficiência no controle das fontes de calor (fogo direto/ caldeira) e resfriamento (capelo/deflegmador/serpentina) em detrimento do que se busca no destilado final em termos de sensorial e rendimento. 


A Pedra Branca

O alambique da Cachaça Pedra Branca possui instalações de fazer inveja em qualquer produtor de cachaça. A eficiência e a higiene podem ser conferidas em um destilado que em pouco tempo se destaca em um mercado cada vez mais concorrido. 

Em tempos de rankings, festivais e outras mostras, a Pedra Branca escolheu uma estratégia bem diferente para se estabelecer no mercado.

Veja um pouco do depoimento de Lúcio, seu produtor, ao confrade Thales Carneiro, falando sobre essa estratégia, rastreabilidade no processo de produção e turismo.


Aos que ainda não puderam conferir a qualidade da Pedra Branca fica a dica de ir bebê-la em seu alambique. A paixão pelo alambique e pela cachaça é certa!



A Engenho D' Ouro


Já se vão mais de dez anos desde a primeira vez que estive na Engenho D’ouro. Ela já foi tema de outra matéria  que pode ser conferida por aqui sobre Estética da cachaça.

Ainda na minha primeira visita, a Engenho D’ouro operava com um destilador de coluna simples (Osório Equipamentos) e foi inevitável observar a evolução dos destilados da Engenho D’Ouro a partir da mudança para um equipamento de destilação com mais recursos . Esta mudança foi sendo também sinalizada com rótulos cada vez mais bem acabados, um pouco o reflexo do conteúdo líquido.

 Seu produtor, Norival Carneiro, é grande entusiasta da Cachaça de Paraty e ávido na busca da melhoria de seu produto colecionando com isso as principais medalhas de festivais e concursos do setor.  

Em parceria com outro grande estudioso da área, o Engenheiro Ricardo Zaratinni, instalou um equipamento que têm como objetivo principal preservar compostos que surgem na fermentação mas que são perdidos durante o processo de elevação da temperatura durante a destilação comum.

 Resumidamente a ideia é preservar ao máximo características do vinho fermentado. A aposta de Zaratini e Norival é ter um destilado ainda mais rico sensorialmente.  

Nota:
A destilação à vácuo é comum fora do Brasil sendo bastante utilizada na elaboração do Gin.
O equipamento da engenho D’Ouro foi totalmente projetado por Ricardo Zaratini com o objetivo de ser o primeiro destilador à vácuo para destilar vinho de cana, ou seja, fazer a primeira cachaça em alambique à vácuo do Brasil.

Em um destilador comum o vinho fermentado tem o ponto de ebulição a partir dos 90° celcius (aproximadamente 92°) com suas variações de graduação alcoólica e pressão atmosférica.

No breve vídeo abaixo o leitor pode conferir o próprio Ricardo Zaratini explicando resumidamente a proposta. 


Os Alquimistas Estão Chegando

O que os confrades observaram (não pude acompanhar esta visita) foi uma destilação ocorrendo com 40° celcius de temperatura com a possibilidade de aumentar a pressão do vácuo e com isso destilar com uma temperatura ainda mais baixa. Ao se volatilizar do restante do líquido, o álcool (ou espírito como conhecido na antiguidade) é sugado  e recolhido por uma bomba à vácuo  de 5 HP.

Este destilado foi degustado duas vezes, uma ao ser alambicado e outra em uma reunião interna da Copo Furado. 

É importante ressaltar que qualquer destilado muda constantemente após a destilação e vai se “arrumando” quimicamente. Com o passar do tempo essas mudanças  se tornam mais sutis.

Através do depoimento de nossos confrades tudo é muito novo, portanto Zaratini e Norival vão aperfeiçoando sua intimidade com o processo com o tempo e procurando entender os prós e contra dessa novidade.

 A Importância da Inovação


 Ao experimentar uma nova forma de destilar cachaça, Zaratini e Norival colocam Paraty novamente no marco histórico da cachaça tudo sob o testemunho dos apaixonados confrades da Copo Furado.

E o sensorial? Fica o convite a visitar a Engenho Douro e conferir porque esta mesma cachaça alambicada em julho, hoje, certamente já está diferente.




Agradecimentos


Agradecimento a toda a equipe da Engenho D’ouro e do Alambique da Cachaça Pedra Branca.

A Norival Carneiro, Ricardo Zaratini, Lúcio(Pedra branca), Thales Carneiro, José Alberto Kede, Yansel Galindo, Maria João  Bastos Gaio, Gisela Magoulas, Rosane Aparecida e todos os confrades da Copo Furado que especialmente dividiram com este escriba os relatos e fotos acima.




  Fica o registro histórico e a lição para o futuro: A Cachaça é boa, é nossa. Se melhorar...melhor e nós bebemos. 

Unidos Beberemos Sozinhos Também!