Ouve o canto gauchesco e brasileiro
Já tem tempo que quando me
perguntam de onde vêm as melhores cachaças do Brasil titubeio. Sou carioca e o
estado do Rio de Janeiro têm despontado nos últimos concursos com cachaças de
excelência. Temos a tradição de Paraty, os alambiques do Vale do Paraíba cada
vez mais preocupados com a qualidade e o retorno de cidades como Quissamã no
norte fluminense apresentando novos horizontes para o cenário atual.
Minas está bem aqui e realmente não dá para competir quando se fala em
quantidade e qualidade (no caso da cachaça de alambique). Se você quer
enveredar pelo mundo da produção da cachaça, se verá procurando absolutamente
tudo em Minas. De um simples alcoômetro à um filtro de resina Cátion- íon (para
redução de cobre) tudo referente à cadeia produtiva vêm das Minas. É fato que o
tamanho do estado e a diversidade da produção faz com que nem tudo que vêm das
minas seja ouro em se tratando de cachaça. Isto acontece por conta da realidade
de um estado que construiu uma linda história com a cachaça e possui produtores
de todos os tipos: do milionário, ao “caseiro” (mais que artesanal).
O brejo paraibano é outra referência, principalmente para os amantes da
cachaça branca, pura e com gosto de cana, não dá para não remeter à “Volúpia”
ou “Serra Limpa”. Se continuarmos no nordeste então a questão continua
complicada pois uma cachaça como a “Serra das Almas” prata representa
brilhantemente a chapada diamantina na Bahia
e não pode ser esquecida. Ainda no nordeste cachaças como a “Engenho Água Doce”
de Vicência- PE nos mostram que tem muita coisa boa por lá que não chega por
nossas bandas (sudeste).
De todos os estados que têm retomado a sua produção de cachaça o que
mais têm chamado atenção pela qualidade e diferenciação dos produtos é o Rio
Grande do Sul. A experiência dos sulistas no ramo das bebidas remete ao vinho,
mas na cachaça o que temos percebido é que a união, organização, produção
assessorada e o uso de novas técnicas têm feito com que a cachaça adquira novas
referências gustativas e olfativas muito além da lembrança da matéria prima.
No último mês de abril tive a oportunidade de conhecer este belíssimo
estado e visitar dois alambiques que representam muito bem esta “nova cachaça”
que considero a cachaça do Rio Grande do Sul.
A Cachaça de Harmonia
Na “Harmonie Schnapps” tive um
longo bate papo com o Leandro Hilgert que nos recebeu acolhedoramente em uma
manhã de sábado de aleluia. Conversamos sobre sua história, sua relação com as
novas e antigas tecnologias que vão da utilização de leveduras selecionadas à
preservação do modelo de seu destilador (tipo Charantês). Leandro se mostrou um
defensor da agricultura familiar e um pouco desta conversa pode ser conferido nestes
vídeos que seguem:
Esta cachaça têm conquistado seu espaço no mercado graças ao empenho e
seriedade de seu produtor e da APRODECANA/ Alambiques Gaúchos. Recomendo a quem
puder a aquisição tanto da prata por suas características singulares, quanto da
envelhecida por se tratar de raro blend harmônico de quatro madeiras.
Na Casa
Bucco pudemos conversar com o Moacyr Menegotto e sua esposa. Moacyr nos contou
sua experiência no mercado de bebidas alcoólicas demonstrando total
conhecimento da área química da produção e preocupação em aplicar novos
procedimentos à produção da cachaça, dentre eles: o uso de leveduras
selecionadas.
Moacyr foi a primeira pessoa com quem conversei sobre processos fermentativos que questionou com veemência a utilização do milho. Na verdade não se trata de uma censura, mas segundo ele, o milho geraria características no flavour da cachaça, que não permitiriam perceber nuances de “acabamento”, sutilezas que vão além da referência da matéria prima e pelo que percebe-se em seu produto, o que o Moacyr quer é oferecer um diferencial que surpreenda até mesmo experientes degustadores.
Depois de sua explanação, foi surpreendente perceber notas de ananás ou abacaxi em conserva de sua cachaça branca.
Apresentadas as cachaças, feitas as explicações perguntei ao Moacyr:
Moacyr foi a primeira pessoa com quem conversei sobre processos fermentativos que questionou com veemência a utilização do milho. Na verdade não se trata de uma censura, mas segundo ele, o milho geraria características no flavour da cachaça, que não permitiriam perceber nuances de “acabamento”, sutilezas que vão além da referência da matéria prima e pelo que percebe-se em seu produto, o que o Moacyr quer é oferecer um diferencial que surpreenda até mesmo experientes degustadores.
Depois de sua explanação, foi surpreendente perceber notas de ananás ou abacaxi em conserva de sua cachaça branca.
Apresentadas as cachaças, feitas as explicações perguntei ao Moacyr:
“Moacyr, ótima sua cachaça mas será que o grande público está
procurando uma cachaça com tanta diferenciação? Uma cachaça que tenha
informações tão rebuscadas sensorialmente?”
Ao que ele responde:
“Acho que não, mas como produtor você precisa saber o que está
procurando, e eu sei.”
Muito bom poder conversar com um
especialista que demonstrou carinho e cuidado em sua produção. Chamo atenção ao
fato de também utilizar um equipamento do tipo Charantês que segundo ele cobra
oito horas para a primeira alambicada.
Moacyr Menegotto |
Destilador tipo "Charantês" |
Infelizmente não darei conta de falar da “Bento Albino” prata que é
simplesmente impressionante. Não darei conta de falar da especialíssima “Flor
do Vale” de castanheira ou da já difícil “Dom Braga”, “Velho alambique”...
Cabe apontar que o que temos visto é que a estética da cachaça gaúcha
difere bastante das demais do país. A referência da cana (bagaço, melado,
rapadura) deixa de ser a única para agregar um rico mundo de sabores e
aromas que acreditávamos só ser possível nas bebidas fermentadas. Este é o lado
mais interessante.
Nesta última semana recebemos a
notícia de que a Weber Haus comprou a marca “Velho Pescador”, um ícone da
cachaça gaúcha. Orgulhei-me de saber que um produto brasileiro continuou nas
mãos de seu povo. Quem dera todo alambique que fecha, pudesse ter uma “fada
madrinha” como os Weber para alimentar o sonho. Lembrei saudoso da Cachaça
Minuca de Bananal- SP que tanto enriqueceu o mundo da cachaça com sua mágica "Peroba do Campo".
Parabéns Weber Haus pela
iniciativa e por mostrar que além do chimarrão e do vinho o gaúcho também têm
na Cachaça um símbolo de sua terra.
Fica a dica para as demais
regiões produtoras do país:
“...Ouve o canto gauchesco e brasileiro...”
Agradecimentos:
Fernando Porto pelas dicas, Jaqueline Ferreira pelas imagens e Sr Luiz
Anselmo pela companhia. Leandro Hilgert da “Harmonie Schapps” e Moacyr
Menegotto da “Casa Bucco” pelo acolhimento.