quarta-feira, 20 de novembro de 2013

"Zumbi, mandai alforria, pro meu coração"

 Por Thiago Pires
Não teria como deixar passar o dia da consciência negra. Na música e na Cachaça aí está a comunidade negra. Ontem, hoje e na história.Se é para ter consciência, seguem três músicas que acredito demarcarem diferentes momentos da história do negro no Brasil. "Sinhá" de Chico Buarque e João Bosco trazem muita coisa pra refletir nesta apaixonante canção. 
"Morro Velho" de Milton Nascimento traz a realidade rural passada e ainda muito comum. Destaque para o sempre iluminado Rolandro Bondrin. Cabe escutá-la com muito carinho como tudo que é do Milton. 
"Respeitem meus Cabelos Brancos" de Chico César é a afirmação e um pedido de respeito. Consciência se adquire.
  "Zumbi comandante guerreiro, ogunhê. Ferreiro mor capitão da capitania da minha cabeça, mandai alforria p'ro meu coração".(A Felicidade Gguerreira Gilberto Gil)






domingo, 17 de novembro de 2013

Estética da Cachaça/ Paraty

A última postagem trouxe alguns apontamentos meus sobre a estética da cachaça. Muito bom perceber o retorno das pessoas e uma delas foi o Gilson Koatz, que conheci através da postagem.
O Gilson pediu para que eu explicasse melhor o meu conceito de cachaça rústica e por que esta estética não seria completamente aplicada à Cachaça Engenho D'ouro de Paraty aqui do estado do Rio de Janeiro. Acreditando que tanto as perguntas dele são pertinentes  e as respostas podem ser esclarecedoras para outros, publico aqui  trechos de minha conversa com o Gilson.
Acredito ser importante compartilhar depoimentos como este que o Gilson faz sobre sua relação com a Engenho D'ouro. Muito rico o que cada vez mais tenho chamado de "relação afetiva" da cachaça.
Ao Gilson ficam os convites para degustar "aquela de banana" , visitar uma reunião da confraria de Cachaça Copo Furado e um abraço forte como Cachaça.

Gilson
Olá, Thiago,

O que me motivou a escrever foi a sua opinião sobre a cachaça Engenho D'Ouro de Paraty. É que você não explicou o por quê ela se afastou do seu conceito, que me parece ser o de rusticidade. Como conheço as cachaças produzidas naquele município, gostaria de ter esse seu esclarecimento.
De resto, parabéns pela matéria.

Thiago Pires

Vamos lá
Durante muito tempo (década de 90 e início da atual) as representantes de Paraty foram Corisco, Coqueiro e Vamos Nessa (Também da família Mello e atualmente extinta). Durante este período a forma de produção não necessariamente era influenciada por valores de mercado que aponto no próprio texto. Lembro também que até os equipamentos de destilação eram diferentes, geralmente feitos em campinas- SP. Este modelo de destilador pode ser conferido ainda na Corisco e na Maré Cheia (morro do jacu). Aquecimento a fogo direto com resfriamento em capelo e serpentina.
Atualmente temos alguns alambiques mais recentes, que são de pessoas que possuem muita experiência com cachaça (alguns experiência de família inclusive) mas que já utilizam outros valores e outros equipamentos. É assim que a Pedra Branca tem um modelo de alambique que já demostra um pouco deste avanço. A Engenho D'ouro também possuía um equipamento de fogo direto e modificou sua estrutura completamente (por exemplo utilizam caldeira). 
A primeira vez que fui na Engenho D'ouro (2003) as dornas de fermentação eram tanques de alvenaria azulejados, bem diferente do que vemos hoje. Acredito que estas melhorias podem ser percebidas na mudança do produto inclusive. Se pensarmos na Maria Isabel então, esta possui uma estética bem diferente, tanto que não possui branca (inox) possui jequitibá, diferente da maioria de Paraty que sempre utilizou o amendoim para armazenamento.
Acredito que a estética da Engenho D'ouro se afasta um pouco das demais e vejo isto inclusive como algo positivo. Na minha avaliação ela possui um refinamento de olfato que as clássicas Coqueiro e Corisco não possuem. Por isso que digo que ela pode se afastar um pouco da estética "rústica".
 Uma sugestão de estudo é fazer uma degustação de cachaças que acredito muito diferentes, exemplo:

Coqueiro x Mulatinha
Corisco x Pedra Branca
Maré Cheia X Maria Isabel
Engenho D'ouro X Maria Isabel
Engenho D'ouro x Corisco
Engenho D'ouro x Coqueiro

Se puder fazer esta experiência com as cachaças brancas (inox) o faça. É muito prazeroso ver as nuances de cada uma. Lembro que Coqueiro e Corisco são descansadas no Amendoim. A Mulatinha acredito que seja inox. A Engenho D'ouro tem inox e Jequitibá,a Maré Cheia é Amendoim também. Atenção às madeiras e ausência delas.
Respondendo á outra pergunta:
Fico à disposição para possíveis esclarecimentos e discordâncias já que é possível de você ter outra análise, o que é bastante normal.
Abraço forte como cachaça!

Gilson
Nov 12 em 11:08 AM
Thiago,

agradeço de antemão a resposta, que me deu grande prazer porque conheço bem a família do Norival e da Marlene, e me considero meio parente de tanto que frequentei aquela casa. 

Nunca fiz essa degustação que você propõe e sempre preferi cachaça branca às que descansam em madeira. O que o tonel acrescenta em cor e sabor me fazem sentir um certo afastamento do conceito de cachaça.

As minhas caninhas preferidas em Paraty sempre foram a Corisco, anterior à Engenho D'Ouro, e conheci os dois alambiques. O primeiro desde 1992, enquanto que a Engenho vi praticamente nascer.

Acho que virou ponto turístico não só pela cachaça, mas pelo engenho de farinha, o único que conheço movido exclusivamente pela queda d' água e pelo movimento das polias, que vi muitas vezes serem trocadas pelo seu Francisco e também pelo Norival. Além dos pastéis da Marlene. Você certamente conhece o filme que fizeram lá no Engenho, quando o "tio" ainda era vivo.


Um abraço e até, quem sabe, um encontro para degustação.

Ah, se quiser provar, acho que sou um dos raros que ainda tem uma pequena garrafa de cachaça de banana que o Norival fez experimentalmente há alguns anos.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Estética da Cachaça: uma discussão cada vez mais pertinente

 

O seguinte texto foi "encomendado" pelo amigo e confrade Gilvan Chegure para o informativo "Pinga nos i" da Confraria de Cachaça Copo Furado. Este jornal se mostra um ótimo almanaque de informações sobre o universo da cachaça e com toda modéstia, é feito por pessoas que estudam e amam esta bebida. Como nem todos têm acesso ao informativo segue o texto muito importante para a reflexão à respeito das mudanças pelas quais têm passado a cachaça. Vamos lá!

Por Thiago Pires 
Temos observado com bons olhos o momento pelo qual passa nossa bebida. Cada vez mais sendo apreciada e reconhecida pelo seu sabor, valor e história. Em cada canto surgem novos conhecedores, apreciadores e produtores tendo algo novo, ou não tão novo em alguns casos, para falar sobre nosso destilado.
 Uma discussão que não era possível há vinte anos, e que é cada vez mais pertinente, é sobre a estética da cachaça. Ainda há muita confusão por parte do público apreciador de cachaça e muito desta confusão está relacionada à falta de conhecimento de todas as etapas do processo de destilação. Outro motivo é a falta do que chamo de “repertório”, que são referências para comparação e estabelecimento de conceitos.
Tenho percebido que os processos de melhoria da qualidade da cachaça têm disseminado valores de mercado que são importantíssimos. O selo do ministério da agricultura e em alguns casos de uma certificadora, a apresentação em belas garrafas com rótulos bonitos e com as informações básicas (procedência, graduação alcoólica, forma de armazenamento, etc.) proporcionam mais confiabilidade ao consumidor.
Se por um lado os valores de industrialização e mercado (padronização, controle de qualidade, rastreabilidade, distribuição, etc.) possibilitam demarcar uma nova era do produto, por outro lado tem proporcionado a planificação de parte de algumas etapas do processo de produção e mesmo do produto final. Mas o que quero dizer com isso?
Observo que algumas cachaças com graduação alcoólica de pelo menos 45°Gl têm abaixado drasticamente sua graduação chegando a adquirir 40° e até 39° Gl. Isto tem ocorrido em locais em que historicamente a cachaça possuía graduações com mais de 45°Gl.   Lembro que por legislação a graduação das aguardentes de cana para serem consideradas cachaça é dos 38° aos 48° Gl.
Conversando com alambiqueiros de diferentes lugares percebemos, sobretudo com os mais velhos, que a margem de corte das cachaças era feita habitualmente com uma graduação alcoólica maior que a atual. Primeiro, por utilizarem a escala Cartier como referência para a destilação geralmente em torno de 20° graus (o que corresponde a 50 graus Gay Lussac). Segundo, pelo fato da estética da cachaça ter sido bastante influenciada por características encontradas na primeira fração do destilado (cachaça de cabeça).
 É importante lembrar, do ponto de vista histórico, que a cachaça de cabeça foi bastante consumida no país e lamentavelmente em alguns lugares ainda é. Lendo o Dicionário Folclórico da cachaça, de Mário Souto Maior (Recife), percebemos as inúmeras vezes em que a cachaça de cabeça é citada. Como nordestino, o autor refere-se a este tipo de cachaça em receitas, batidas e mesmo consumida pura. Independente das questões químicas que fariam com que os mais prudentes não se aventurassem de cabeça nas “de cabeça”, vemos que esta fração do destilado possui algumas características facilmente perceptíveis e até desejáveis sensorialmente que influenciaram toda uma geração de bebedores, principalmente no interior.  O aroma é ativo e muito adocicado o que de alguma maneira pode seduzir em uma análise olfativa pouco criteriosa. Comumente possui colarinho (rosário) o que denuncia o nível de viscosidade deste líquido. Mesmo assim nunca é demais lembrar que a cachaça de cabeça é tecnicamente uma aguardente e é realmente muito prejudicial à saúde, não pela concentração de álcool apenas, mas pela quantidade de álcoois superiores e possíveis metais de arraste que pode conter sendo a primeira etapa da destilação.
 Encontramos no mercado cachaças com algumas características que remetem a esta estética que comumente me refiro como sendo a de cachaça “Rústica”.  Segue uma lista de algumas delas. Algumas mais conhecidas, outras menos, que valem por compartilharem da estética mais forte em acidez e graduação alcoólica a qual me refiro, onde o produtor preserva a referência da matéria prima  e quando utiliza madeira, o faz muito mais para diminuir a acidez do destilado do que para agregar sabor e aroma da madeira ao de cana já presente na matriz pura (prata). Entre as brancas temos:
ü  Séc XVIII- Coronel Xavier Chaves- MG;
ü  Vitorina- Fortuna de Minas-MG;
ü  Cachoeira de Cachaça- Vassouras- RJ;
ü  Embaia Saia- Joaquim Felício-MG;
ü  Aroeirinha- Porto firme (Viçosa)- MG;
ü  Nativa- Barra do Piraí- RJ;
ü  Corisco- Paraty- RJ;
ü  Maré Cheia- Paraty- RJ
ü  Engenho D’ouro- Paraty (já saindo um pouco da estética sugerida)
ü  Parapeúna Branca- Valença- RJ
ü  Rainha (que é uma aguardente). Bananeiras- PB
Lembro que as cachaças armazenadas que possuem esta estética, geralmente possuem seu descanso em madeiras neutras (é o caso de algumas de Paraty) ou ainda que seja em madeiras ativas, ficam repousadas por pouco tempo em dornas de grande volume e geralmente bastante antigas. Entre as armazenadas ou envelhecidas temos, no paladar e aroma:
ü  Claudionor- Januária-MG
ü  Velha Januária- Januária-MG
ü  Cristalina de Buenópolis ( se distanciando um pouco da estética sugerida)- Buenópolis-MG
ü  Aracy- São João Nepomuceno-MG
ü  JE produzida pela Fazenda da Conserva- Bemposta- Três Rios- RJ;
ü  Colombina- Alvinópolis- MG
É certo que outras cachaças poderiam ser incluídas, mas no geral os produtores têm tomado procedimentos de “acabamento” na cachaça, o que distancia o produto da estética abordada. Para alguns uma melhora, para outros não necessariamente. Alguns produtores lançam uma cachaça mais forte identificada como “para drink”, ou “safra do ano” e para que tenham maior aceitação, abaixam a graduação alcoólica.
 Lembro que a forma mais recorrente de padronização da graduação alcoólica é feita através da diluição da cachaça com água destilada, o que é tecnicamente permitido, e diminui a intensidade das informações de olfato e paladar (por diminuir o álcool). Os produtores têm feito isto pelos seguintes fatores:
a.       A padronização da graduação alcoólica é um daqueles valores de industrialização citados anteriormente;
b.      Há uma aceitação e consumo maior no mercado de cachaças com graduações mais baixas, principalmente pelo público que não é bebedor assíduo;
c.       Os processos de exportação possuem taxação sobre a quantidade de álcool do produto, o que faz com que os produtores interessados em atingir o mercado internacional façam a redução da graduação alcoólica;
d.      O produtor possui uma rentabilidade maior.
­­­­­Como apontei, não vejo com maus olhos as mudanças pelas quais tem passado a cachaça, mas acredito ser importante que os produtores tenham pelo menos uma vaga ideia do que desejam preservar em seu produto, do que pode melhorar e, portanto mudar, e do que deve ser preservado. Alguns já se atentaram para isto preservando as características de seu produto preocupados em atender o público consumidor local.
É muito comum bebermos uma cachaça regional vendida em garrafão que é muito diferente dos exemplares que chegam às metrópoles. Em alguns casos trata-se de uma cachaça de menor qualidade por estar muito distante do ponto de destilação considerado o coração, mas às vezes encontramos verdadeiras joias.

A graduação alcoólica faz parte da caracterização do produto. Em alguns casos possui uma relação com o local onde é feito e com o público regional que prestigiou e prestigia aquela cachaça. Dessa forma, se não prejudica a saúde do consumidor, o gosto do mesmo, e está nos padrões laboratoriais estabelecidos, pode ser entendida como algo a ser preservado. Afinal de contas o “Rústico” têm seu valor, que na maioria das vezes confere algo cada vez mais raro: a autenticidade!

Luiz carlos e a Sabinosa

Atendendo ao pedido do mestre Luiz Carlos anexo esta foto. Lembro que o blog é um espaço aberto apesar de moderado por mim (ThiagoPires.) Fiquem á vontade para encaminhar imagens e como sei que a plataforma do blog é diferente (para não falar complicada), podem encaminhar para o email que faço a postagem. Aguardamos maiores informações sobre a foto.
 Luiz Carlos, abraço forte como Cachaça!