Como alguns sabem e acompanham
sou músico. Sim artista e muito interessado pela cultura brasileira. Muito do
que vejo de potencial de minha terra passa por um olhar cultural e não seria
diferente não ter a Cachaça como uma bandeira.
É muito difícil falar da “Cachaça
Brasileira”. São cinco regiões com questões próprias e algumas comuns.
Lembro da vez que Leandro Hilgert
apresentou sua Harmonie Schnapps no Rio de Janeiro. Alguns afirmavam que a
cachaça não teria potencial de crescimento pela estranheza do nome. Vejo poucas
cachaças crescerem tanto em um mercado tão competitivo quanto esta e certamente
aquilo que foi alvo de críticas foi no mínimo uma homenagem de seu produtor a
sua cidade de colonização alemã (Harmonia-RS) que ainda hoje tem boa parte da
população falando a língua germânica. O Brasil não conhece o Brasil mesmo.
Leandro Hilgert é desses que mais
que fazer cachaça também levanta bandeiras, uma delas a da agricultura familiar.
Um fato é que a Cachaça ainda é
feita em 99,99% na roça. Sim na zona Rural. Algumas comunidades, distritos que sequer
estão no mapa geográfico onde o tal Google que tudo sabe, não chega ou chega muito
mal, e olha que muita coisa melhorou neste sentido.
Aliás o Brasil têm uma herança
rural enorme. A feijoada nasceu na roça, a caipirinha, o samba, o forró, a cana
que aportou no litoral logo foi pra roça. Como diz Djavan e Herbert Vianna em Uma Brasileira “... somos do interior, do milho...” milho este que também têm sido alvo
de críticas quando o assunto é fermentação de cachaça.
Neste sentido o povo Brasileiro
sabe que as melhores cachaças ainda estão nos interiores por uma questão
numérica. Isto sem falar dos laços afetivos. Sim costumo ganhar cachaças sem
rótulo e acho que não sou o único né! Procurando saber quem são seus produtores
e sua procedência fui conhecendo ainda mais este país e acho que não sou o único
né!
É nestes interiores que a
informalidade não existe só para a cachaça. Relações comerciais são informais, de
confiança (nem tudo é assinado em cartório) são informais, estradas e rotas são
informais (asfalto?), profissões e ocupações, vagas de trabalho...aliás isto
não é algo que só exista no Brasil, mas nosso tamanho amplifica tudo, mesmo
aquilo que é pequeno em outros países.
Certamente uma estratégia para a
identidade da cachaça passa por assumir nossa identidade roçeira, ou rural, com
suas ressalvas, mas com a particularidade de nossos sotaques e regionalismos “...entre o matuto, caiçara, caboclo eu prefiro
é ser caipira...” Thiago Pires em “O que é a música Sertaneja?”.
Quando leio matérias sobre
informalidade no setor da cachaça lembro-me da mais emblemática peleja no mundo
dos alimentos que foi a do Queijo Canastra, que hoje felizmente têm sua comercialização
autorizada fora do estado de Minas Gerais e que tanto acompanha refeições de
brasileiros país afora. Acredito que este tenha sido um “ Case de sucesso” ou ufanísticamente
falando, um “queijo de sucesso”.
Sabemos que a cachaça em seu
processo de produção pode gerar vários compostos considerados tóxicos à saúde
humana. Contaminação por excesso de cobre,
chumbo, álcoois superiores, excesso de acidez volátil, metanol, Carbamato de
Etila e por incrível que pareça, o Álcool ainda é sabidamente o mais malévolo.
A cachaça com registro no
ministério da Agricultura possui o crivo de ter passado por uma análise
laboratorial do produto e ter tido a unidade produtora inspecionada por fiscais
deste ministério. A informal em boa parte não passou por qualquer tipo de
controle, mas isto não significa que não existam produtores informais que
adotem também procedimentos de boas práticas. Aliás, se conseguem fazer algo consumível
é graças a essas práticas (cortes fracionados na destilação e alimentação lenta
de dornas de fermentação são práticas muito antigas por exemplo). Devemos
salientar que no universo das cachaças informais estes produtores são minoria porém
crescem a cada dia.
Há que se salientar que a
produção de cachaça nos moldes da lei, formalizada, se mostra onerosa para a
maioria dos produtores que herdando uma tradição familiar e tendo seu público
alvo nas próprias localidades acaba por entender a informalidade como uma
realidade. Note que a palavra não é clandestinidade, pois esta última traz em
sua semântica o anonimato coisa que muitos produtores informais, não tem. Lembro
que mesmo entre os especialistas é sabido de produtores sem registro no MAPA,
com laudo laboratorial aprovado na maioria de seus itens.
Aos produtores que podem
modernizar sua produção, pagar assessoria técnica, pagar pelas análises de lote,
ótimo! Estes são nosso orgulho mesmo e acompanhamos os dragões que têm
enfrentado mas precisamos ter o cuidado de ao criticar a informalidade não marginalizar
ainda mais aqueles que já são marginalizados.
Lembro ainda que em um momento sensível
de nossas instituições públicas vemos a situação de fragilidade pela qual
passam os técnicos do ministério da agricultura, que sem concursos para
pessoal, precisam dividir seus recursos humanos agora com uma crescente e
promissora produção de cerveja também informal e que têm achado seu espaço.
Se por um lado os atores do setor
cobram do “Governo” o entendimento da importância econômica, cultural,
histórica, de nossa bebida, é importante também que saibam reconhecer a importância
dos informais na economia informal (às vezes chamada de “empreendedorismo”),na transmissão
de valores culturais e históricos para com isso criar políticas de inclusão dos
informais.
A melhor maneira de combater a
informalidade é a mesma não valer a pena, é criar mecanismos para que os informais
se tornem legais e não criminalizá-los ainda mais. Neste sentido fica aqui a sugestão
da criação de uma política pública de equipamento dos Institutos federais e
outros centros acadêmicos de ensino de química com unidades básicas de análise
de cachaça (laboratórios). No mundo das parceiras público-privadas isto pode
ser feito em parceria com empresas de maior porte e de alguma maneira, beneficiar
os de menor porte com no mínimo uma análise laboratorial mais elaborada.
Se a cachaça possui compostos que
podem ser danosos à saúde humana, a política pública que se cria passa por um viés
de saúde pública já que a cachaça ainda é a bebida destilada mais consumida no
país.
Como exemplo de uma ferramenta inclusiva
lembro do kit de análise de Cobre e Acidez desenvolvido pela Dra Amazile
Biagioni Maia. Esta ferramenta não substitui uma análise laboratorial mas
considerando nossa realidade permitiu e ainda permite que produtores legalizados
e informais possam em campo, ter consciência da eficiência de sua produção nos
itens propostos (cobre e acidez) de uma maneira rápida e acessível. Há que se
lembrar do filtro de Resina Cátion- Íon como outra ferramenta capaz de atender
a uma das exigências que lembro aqui, não são inatingíveis mas se mostram difíceis
sem assessoria técnica básica.
Por último saliento aos
produtores de cachaça a importância da organização e cooperativismo lembrando
que mais um parceiro sócio-pequeno formal a seu lado beneficia muito mais à
todos do que um concorrente informal. As leveduras trabalham em conjunto!
Aos demais atores do setor que entendam
sua importância ao valorizar elementos culturais do universo da cachaça que,
como intangíveis, são nosso maior patrimônio.
Um abraço Forte como cachaça
Thiago Pires
Belo texto! Acho que somente quem nunca sujou o pé com terra e adentrou num alambique informal familiar quer que simplesmente acabe com esses produtores.
ResponderExcluirMuitas vezes, essa produção informal é o sustento de muitas famílias, sendo que muitos vendem vários litros por valores irrisórios para engarrafadoras.
Essas famílias precisam muito mais de suporte do que serem criminalizadas.
Fico feliz por seu comentário e por ver que não remamos sozinhos neste barco.
ExcluirUm abraço forte como Cachaça!
Isso! Há dois tipos de informais. Um é esse produtor tradicional, às vezes por gerações. O outro quer a vantagem competitiva de não pagar impostos. Imposto é ruim de pagar, mas é bom, financia serviços públicos. No caso da cachaça, no entanto, o peso não raro inviabiliza o negócio. Pra melhorar o quadro, a solução não é uma cruzada contra os informais, mas facilitar a formalização, criar cooperativas, colaboração transparente com os produtores de maior porte etc... E, na medida da sanidade, preservando e até incentivando métodos tradicionais de produção.
ResponderExcluirNobre visita a sua. Fico muito feliz por seus comentários. Saliento a necessidade de uma boa prosa, dia desses, pra falar de música e de cachaça, que sei, também é grande apreciador. Este espaço é da música e da cachaça, portanto, nosso.
ExcluirAbraço forte como Cachaça!