sexta-feira, 2 de março de 2012

Terroir na Cachaça

Minha opinião quanto ao uso do termo Terroir para a Cachaça:
Frequentemente degusto na forma de estudo, cachaças de uma mesma região para saber a possibilidade de uma ser parecida com a outra. Para tentar ser o mais imparcial faço isto sobretudo com cachaças brancas. Colocarei aqui alguns apontamentos que podem ser conteúdo de estudos de outros interessados no assunto e me disponibilizo para troca de informações.
Neste momento por exemplo, estou estudando as cachaças brancas da Paraíba. São elas: Volúpia, Serra limpa, Rainha, Engenho São Paulo, Alegre e Caninha do vovô, esta última sem registro e da cidade de Alagoa Nova. Algumas destas cachaças possuem "ligeiras" semelhanças quando comparadas com cachaças de outras regiões do país. Algumas destas semelhanças também podem ser encontradas em cachaças do nordeste, como a Engenho Água doce(Vicência-PE), Nem Pensei (Ipojuca-PE) e Triunfo( Triunfo-PE). De comum na minha opinião sobretudo um acético agradável. Um acético que em alguns casos como no da Volúpia chega a esbarrar num Floral. Este acético também aparece em cachaças da Bahia. Portanto,na minha opinião há uma tendência ao acético percebido nas cachaças do nordeste ser diferente do percebido nas cachaças do sudeste. Como disse estou estudando estas cachaças e ainda possuem outras características,mas o estudo ainda não está completo!
Outra experiência foi feita com cachaças brancas de uma pequena região entre Mendes, Vassouras e Barra do Piraí no sul do estado do Rio.
Utilizei a Cachoeira de Cachaça, a Carvalheira, a Barrinha, a Colonial Brasil e a Magnífica esta última infelizmente não era branca mas sim a de IPÊ.
Os equipamentos de destilação utilizados pela magnífica, Carvalheira e Cachoeira de Cachaça, possuem praticamente o mesmo modelo( feitos pelos mesmos artesãos), e coincidentemente ou não achei pequenas semelhanças principalmente no olfato. Deste estudo, interessante foi ver a semelhança entre a Cachoeira de Cachaça e a Barrinha, relativamente distantes e se utilizando de equipamentos que são bastante diferentes. Mesmo assim para confundir as coisas a Colonial Brasil não dialogou com as demais cachaças. Mesmo sendo uma ótima Cachaça, as suas características de paladar e olfato, não foram percebidas intensamente nas demais.
Por último gostaria de relatar um estudo sobre as cachaças de Paraty. Utilizei Coqueiro, Corisco, Maré Cheia, Engenho D'ouro, Mulatinha, Engenho Pedra Branca e Maria Isabel esta última de jequitibá.
Algumas cachaças até guardam algumas semelhanças como a Corisco com a Coqueiro de Garrafão que é vendida nos bares da região, mas quando comparadas com a Pedra Branca ou mesmo a Mulatinha, o que se observa é que existe uma complexa diferença entre elas. A Maré cheia com a Engenho D'ouro também encontrei pequenas semelhanças, mas muito insignificantes ao ponto de identificar a cachaça como sendo de Paraty. Neste sentido, é importante lembrar que uma ótima cachaça como a Pedra Branca em nada lembra o que se estabeleceu como símbolo da cachaça de Paraty (forte), já que possui 40% Gl e possui baixa acidez, quando comparada com a Corisco ou mesmo a Coqueiro. Se compararmos com a Maria Isabel, esta então se mostra mais diferente ainda.
A que se considerar também que os produtores têm privilegiado cada vez mais a padronização por graduações mais baixas. A Salinas por exemplo possuía 45Gl e têm diminuído cada vez mais ao ponto de chegar aos 40% no caso da Salinas "cristalina". Este também é outro fator que limita o uso do termo, alguns produtores estão começando a utilizar madeiras que na região há algum tempo não utilizavam, mais uma vez exemplifico com a Salinas que possui agora uma Cachaça de Carvalho.
Portanto o uso do termo "terroir" deve no caso da Cachaça considerar a madeira da região( Bálsamo-Salinas, Imburana-Januária) o tipo de fermentação e o modelo dos equipamentos de destilação, que numa mesma região podem variar bastante. Complexo e diverso como a Cachaça!
Espero ter contribuído
Thiago Pires

2 comentários:

  1. Do meu ponto de vista, o termo “terroir” nada mais é do que uma identidade. E identidades, como todos sabem são construídas, não surgem do nada, não estão lá para serem descobertas. Desta forma, se os produtores de uma determinada região não sentarem e debaterem sobre quais características de suas cachaças se aproximam e que devam ser valorizadas, essa identidade simplesmente não irá existir. Posso eu, como consumidora e degustadora, comparar diferentes cachaças de uma região e lhe atribuir características parecidas, outros consumidores e degustadores como eu poderão concordar ou não, ou então eleger outras características que em suas opiniões seriam mais marcantes neste hall de cachaças analisadas. Ou seja, o que eu quero dizer é que se um conjunto de características de cachaças de uma região não tiver seu significado compartilhado, estas mesmas características continuarão na subjetividade daqueles que com elas tem contato.

    Identidades além de serem construídas coletivamente precisam ser compartilhadas, caso contrário não são identidades. Para que as cachaças de uma mesma região possam ter seu “terroir” é necessário, na minha opinião, muita boa vontade e ação coletiva dos produtores na construção desta identidade. De outra forma, aquilo que nós, degustadores e consumidores, entendemos como característico (ao olhar para a forma de produção, características geográficas da região e história) pode até se perder.

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