domingo, 29 de janeiro de 2012

Descobrindo Zabelê: Seu Daniel

Depois de dez minutos, partindo do alambique do Seu Benedito, chegamos ao que seria o alambique do Seu Daniel. Propriedade sem cerca, sem grade, sem cachorro, apenas um grupo consertando uma Chevrolet dessas bem antigas. Apresentamos-nos contando o motivo da viagem. Posso estar enganado, mas ao que me pareceu, não são muitas as pessoas que os visitam procurando a Cachaça.
Quem nos apresentou o alambique foi o filho do Seu Daniel, que infelizmente não recordarei o nome, mas que foi bastante esclarecedor e atencioso em mostrar todos os equipamentos. Naquele momento estavam com um caldo sendo fermentado para ser destilado dentro de um dia. Tinham parado por conta das festas de final de ano e agora, timidamente, voltavam a alambicar o resto de cana que ainda tinham.


Alambique do Seu Daniel


Moenda a diesel – alambique do Seu Daniel



Eu e o filho de Seu Daniel


A propriedade, maior que a do Seu Benedito, era toda de “Chão Batido”, inclusive dentro dos espaços do engenho. A moenda movida a Diesel era limpa apesar de muito rústica (polia de raspa de pneu), assim como as demais dependências. As colunas de cobre, todas limpas, tanto por dentro como por fora, da mesma maneira que as panelas.
O armazenamento em tonéis plásticos de duzentos litros, que disseram-nos ter adquirido em Abaíra, com a indicação de “hecho em Argentina”, muito provavelmente já utilizados para transporte de azeitonas e outros tipos de conserva. Naquele momento, o filho do Seu Daniel me mostrou cerca de uns vinte tonéis deste, todos cheios, pois segundo ele o ano de 2011 não tinha sido bom para a venda da Cachaça.



Um dos dois destiladores do Seu Daniel

Observei que tanto no Seu Benedito quanto no Seu Daniel, os equipamentos não possuíam termômetro, perguntei: “como alambicam?”. Resposta: “No olho! Quando começam a sair as bolinhas sabemos que estamos chegando à cachaça boa”. Depois de parabenizar o filho do Seu Daniel pela habilidade para este tipo de feito peço que separe um litro de cachaça para eu levar. Ele enche uma garrafa pet (2 litros), e quando pergunto quanto é, ele diz: “É presente”. Da mesma maneira como fez Seu Benedito.


Armazenamento

Já nos finalmente do encontro, assim acreditava, começo a me despedir agradecendo a recepção, quando ao passar pela porta da casa (a sede) vejo um Seu de chapéu, alinhado nos seus trajes de Sertanejo e escuto: “Este é o Seu Daniel”. Apresentei-me para ele de pronto e ele na mesma hora convida: “Sente aí para tomar uma café”. Preocupado com o avançar das horas e com a promessa de voltar a Seu Benedito, e quente ainda das doses que tomei respondo: “Olha, não queremos abusar por conta das horas, por mim fico, mas estou com companhia, se eles toparem...”. Então Seu Daniel diz: “Olha moço, aqui por estas bandas não se recusa um café”. Sem graça com meu comportamento de “matuto da cidade grande”, aceito.
Ir procurar Cachaça e escutar de um senhor que pareceu ter mais que o dobro da minha idade que eu não poderia negar um café, me fez respeitar ainda mais este outro produto: o café! Lembrei do confrade Yansel com sua paixão por café. Quando fui à Chapada, não sabia da relação desta com o café (nem com o mel, premiado já algumas vezes como o “melhor do Brasil”). Eu como tantos outros brasileiros, não sabemos de muita coisa sobre nosso país, sobre nossos sabores, sobre o valor desta gente do interior. É difícil valorizar algo que não se conhece, no máximo se respeita e isto nem sempre é feito, infelizmente. Cachaça e Café guardam historicamente características e semelhanças, principalmente no interior, onde o prato é fundo, o café é do quintal e a cachaça do alambique, geralmente orgulho de quem os produziu, como parte do “melhor que temos para oferecer por aqui”.

O que acompanha o café é um bate-papo, pretensa entrevista, que mostra muito da história de um homem que faz cachaça. Seu Daniel não alambica mais, quem o faz é seu filho, que aprendera com ele, mas continua produzindo. Aprendera não só a alambicar, mas a confeccionar os destiladores, de forma totalmente artesanal, na mão, martelando, dobrando a chapa, que segundo ele “é cara e vem de São Paulo”.
Seu Daniel nos conta que por aquela região montou vários equipamentos, naquele momento vi naquele homem, se não o maior, um dos maiores, responsáveis pela cachaça da comunidade de Zabelê. Contou-nos também de sua experiência com a rapadura, e posteriormente, sua opção pela produção de cachaça.
Deu prazer ouvir da boca de Seu Daniel conhecimentos que hoje a ciência reconhece, como por exemplo: a não aceitação por parte dos consumidores da cachaça feita com equipamento de “aço inox”, ou mesmo a preferência pelo produto proveniente dos destiladores “capacete” (conhecidos como “Tromba de elefante” ou “Capelo” em outras regiões do país). Ao Seu Daniel, todo o meu respeito, e admiração, por ser ele um destes personagens que construíram a história da cachaça em sua comunidade, como tantos outros “Seu Daniel”, que hoje ainda vivem anônimos no avançar da sua idade, espalhados pelo Brasil.


Seu Daniel


Eu e Seu Daniel

Meus sinceros agradecimentos: às forças desconhecidas que me permitiram chegar a estes alambiques, independente da dificuldade de acesso; ao Rafael por ter topado a empreitada, dirigindo, fotografando e filmando; à Isis e Maria pela companhia e descontração; à Jaqueline pelo apoio, filmagem e orientação para uma “boa entrevista”, que ainda está por vir...rs..rs; e a Seu Benedito, Seu Daniel e sua família.


Rafael, Seu Daniel, filho, eu, Maria e Ísis





Glossário:
Travo: Sensação tátil, adstringente, percebida principalmente na superfície da língua durante a degustação.
Aljofre: Também conhecido como “Rosário” ou “Colar”. Trata-se do conjunto de pequenas borbulhas que adornam a superfície do destilado, tido pelos mais antigos, como sinônimo de cachaça pura, sem mistura ou diluição, viscosa, oleosa.

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