terça-feira, 20 de novembro de 2012

Exatamente Hoje


Há exatamente três anos lançávamos este Rótulo. Muitos amigos me ajudaram e ainda me ajudam a concretizar esta obra. À estes meu brinde e meus agradecimentos. 
  Tio Anastácio é negro, Tio Anastácio é gaudério. Lenda ou verdade? 
  Tio Anastácio é Cachaça!

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Fanfarrada no Circuito das Artes do Estado do Rio de Janeiro

É isto mesmo povo. A corajosa orquestra de músicas selvagens e músicos esquisitos está rodando pelo estado do Rio. É o turismo de Fanfarra em alta. Aos que estiverem em uma das cidades, estão convidados a brindar conosco já que desta vez contamos com o apoio magnífico da "Magnífica" de Vassouras/ Miguel Pereira. Uma referência na Cachaça do estado do Rio de Janeiro.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

A Outra Página


Bamba Dois ou Baião Dois?
Na última postagem (De onde vem o Baião)  há um momento em que falo  da importância de Gilberto Gil para o movimento Reggae no Brasil. Pois bem, esta é “a outra página” da qual me referia. Aos que não leram a anterior: vão logo lá.
 Fiquei sabendo deste vídeo através de uma aluna minha. Depois de construirmos um arranjo para “Vamos Fugir” de Gil no Trompete, escutamos muito Reggae. Third World (Now that we’ve found love, Ninety six degrees), Steave Wonder (Master Blaster). Ela disse assim: “Professor vou te mostrar um negócio que você vai gostar”. Adorei!
  Ótima a ideia do produtor Bide, participações interessantes como a de Chico César, Siba, Luiz Melodia, Papete e muito pertinente o depoimento de  Dominguinhos! 
  O  Bamba Dois estará no MOLA (mostra livre de artes- Circo Voador) no próximo sábado. Recomendo também a Tupiniquim Jazz Orquestra com músicas e músicos bem brasileiros que se apresenta amanhã (quarta feira)
  Sistah (a aluna) meu obrigado and  Respect.
  À todos os amantes do Reggae em especial Rodrigo Pires da Banda Positivamente!

domingo, 14 de outubro de 2012

De Onde Vem o Baião?



Depois de longo e tenebroso inverno, volto ao Musicachaça com novidades. As atividades de produção da “Tio Anastácio” cobraram um precioso tempo me afastando das postagens, mas permitiram adquirir novas experiências e sobre este assunto falarei em outro momento exclusivo.
Ainda no mês de junho especulava diferentes temáticas a abordar no blog . Tentava escrever algo diferente e depois de avaliar algumas temáticas decidi sobre o rei do Baião, tão em voga por conta de seu centenário. Estava sob o efeito dos festejos juninos já que além das festas de escola, de rua, e da pequenina que fazemos por conta do aniversário de Dona Ray (minha mãe) também passamos a contar com as erupções do Tarcísio e seu forró no Arpoador.
Somou-se a esta decisão a experiência de ter tocado o repertório do Sivuca com a querida OSPA (Orquestra de Sopros da Pró-Arte) em Belo Horizonte no dia 24 de junho, no Festival da Natura. Experiência única para jovens músicos também porque cruzamos no hotel com grandes PERSONAGENS da música brasileira. Não é todo dia que Naná Vasconcellos segura a porta do elevador para você passar com suas bagagens (e isto aconteceu comigo mesmo!), e que se cruza nos corredores com Hamilton de Holanda, Roberta Sá, Tom Zé...só não consegui ver Gilberto Gil, quem só veria tocando mesmo.
O show do Gil, com participação do também especial Marcelo Caldi, foi uma festa de São João pelo dia, pela música, e de aniversário, já que a plateia, repetidas vezes, cantou parabéns a Gil. Este show teve ainda uma participação “fantasmagórica” de Luiz Gonzaga – uma projeção em holograma que colocou Gil e Luiz Gonzaga tocando juntos. Realmente emocionante este dia em que abri uma “Chico Mineiro” para acompanhar a tímida friagem de BH.
Os 70 anos completados por Gil me iluminaram a cabeça: Luiz Gonzaga faria 100 anos dia 13 de dezembro, dia de Santa Luzia. Portanto quando Gil nascia, Luiz Gonzaga abria as portas da Música Brasileira empunhando uma sanfona com roupa de gibão. E porque não juntar os dois mais uma vez, agora no Musicachaça?
Como vou dividir esta história entre o Gil e o velho “Lua” entro no mérito de observar que não há como falar de Gil e não ser eclético. Bob Marley e Luiz Gonzaga convivendo tranquilamente em um repertório que mostra que tanto o Reggae quanto o Baião, vem debaixo do barro do chão. E estas são referências não só para mim mas para tantos outros. Faço questão de lembrar que se hoje temos algum movimento “Reggae” no Brasil, este deve muito também a Gil, mas esta é outra página.
A relação próxima entre Gil e Luiz Gonzaga é explicada por Gil originada de sua infância em Ituaçu -BA e que fez inclusive com que seu primeiro instrumento harmônico de estudo, fosse um acordeom, a exemplo de Moraes Moreira, outro desses PERSONGENS que imprime no Violão uma pegada muito própria. Luiz Gonzaga e Gil se aproximariam musicalmente ainda mais com a convivência de Gil com Dominguinhos, herdeiro musical direto de Gonzagão e grande fonte de sucessos interpretados por Gil (Eu só quero um Xodó, Tenho Sede, Abri a Porta...) que o acompanhou sobretudo no “Refazenda”.
Nisto me pego observando a frase da introdução de “Eu só quero um Xodó” que de tão genial quanto a do “Sitio do Pica Pau Amarelo” dispensam letra, mostrando a riqueza melódica e rítmica destes trechos. O mesmo acontece com “A novidade”, “Esotérico”, “Palco” e tantas outras. Gil entende a voz de maneira realmente muito musical, não apenas melodicamente, mas ritmicamente a exemplo do que faz “João Bosco” com seus falsetes afinadíssimos ou Bob Macferrin em outras cercanias. Nota-se isto nas interpretações do velho Lua em “Vem morena”, “Apologia ao Jumento” onde imita um burro dizendo: “Seu Luiz, comi do seu milho...e como, como, como...”. É bom lembrar que na letra estas palavras também fazem seu sentido como na missa do vaqueiro com “Tengo lengo, tengo lengo, tengo lengo, tem” ou Fogo Pagô onde imita o canto da pomba de mesmo nome.
Só sendo forte como um vaqueiro para abrir a Mata fechada (como a caatinga) da música popular da década de cinquenta, que tocava os cantores da Rádio Nacional em sua época de ouro, com a ascensão de nomes do choro, de gêneros parecidos com os sambas cantados por Carmem Miranda ou influenciados pelas orquestras americanas, os quais não cogitavam um artista que cantasse o sertão com ritmos sertanejos.
É bom lembrar que “Luar do Sertão” de João Pernambuco, registrada por Catulo da Paixão Cearense (que era maranhense!) é uma seresta com estética de modinha. A música rural nesta época estava presente de maneira tímida no rádio graças à música interiorana de São Paulo principalmente. Pois bem, esta mesma rádio nacional viria a aplaudir Luiz Gonzaga com “Vira e mexe” em 1941, um ano antes do nascimento de Gil.
Luiz Gonzaga, na minha singela opinião, é o principal personagem da história da música nordestina, que possui tantos outros conhecidos apenas regionalmente ou ainda pouco conhecidos. O nordeste cantado com a estética nordestina precisa ser lembrado junto com nomes como João do Vale, Jackson do Pandeiro, Capiba e Sivuca. Outros existem, como o próprio Gil, mas os figurões citados são básicos e por isso são indispensáveis.
Gil, fui conhecendo...assistindo na televisão, na escola, na “Novidade” de Herbert Vianna ou punk da periferia “...sou da freguesia do ó óooooo..”. Escutei pela primeira vez “Madalena entra em beco e sai beco” interpretada pelo Skank. Ainda hoje vou conhecendo-o como aconteceu com o “João Sabino”, “Sandra”, “Jurubeba”...
Luiz Gonzaga é herança de família. Não esqueço tantas vezes que o escutamos quando meu pai morava em Araruama-RJ, tantas vezes que ríamos com a “Apologia ao Jumento” ou o “ABC do Sertão”. Aprendi ali a respeitar Januário e o “Lua” de tabela. Passei a me orgulhar de minhas raízes nordestinas naquela época, e que floresceriam mais tarde nas idas aos forrós do “Olha a pisada”, “Paratodos”, “Forróçacana” dentre outros grupos que pude escutar, do semente da Lapa ao Malagueta de São Cristóvão. Passei inclusive a respeitar um pouquinho mais o próprio jumento que “É nosso irmão quer queira ou quer não”que como diz Luiz Gonzaga “...ajudou o homem, ajudou o Brasil a se desenvolver...”. Orgulhei-me do parentesco com o tio Alcir Campello, antigo sanfoneiro da cidade de Codó- MA . E entendi que o “Baião” do qual Gil apresentava como “an exotic style from northest” no seu ao vivo em Montreaux, nunca me soou exótico, pela intimidade que adquiri desde minha infância. Aliás, quer algo mais Pop e vanguarda que um vaqueiro de óculos “Rayban”?
Esta postagem se encaminha para o fim com a máxima experiência que tive ao cantar junto com o próprio Gil a música “De onde vem o baião”. Quando comecei a escrever este texto ainda em junho, nem sonhava com esta possibilidade. É dessas coisas que acontecem, como diz Bob Marley “há um místico natural pairando no ar”, só assim consigo justificar minha experiência: mágica, mística.
Aqui os meus agradecimentos à orquestra de sopros da Pró Arte, que me proporcionou esta experiência ao homenagear a obra de Gil no espetáculo Ituaçu. Ao Gil por sua generosidade ao mostrar de onde vem o baião. Ao velho “Lua”, por ter criado e plantado esta árvore que se chama “Baião”.
De onde vem o Baião? Vem debaixo do barro do chão!



terça-feira, 22 de maio de 2012

Voltando à Quinta


Voltando à Quinta.
  Ainda em 2010 tive a oportunidade de degustar a Cachaça da Quinta na versão carvalho. Na oportunidade me impressionei com a apresentação do produto (garrafa muito elegante), com a origem (Carmo- RJ) e sem dúvida com o sabor (para maiores detalhes, ver a postagem de 2010 disponível neste blog).
  Mais tarde Conheceria Kátia pessoalmente em um curso de análise sensorial quando fui gentilmente presenteado com sua cachaça na versão prata. Como de costume pedi à Kátia que assinasse o rótulo que ainda hoje tenho guardado em casa.
Idas e vindas e volto para escrever sobre o alambique da Cachaça da Quinta visitado no último dia 05 de maio de 2012 quando pude acompanhar a Confraria de Cachaça Copo Furado em visita oficial à bela propriedade.
  O que vimos foram ótimas instalações, dentro das normas do ministério da agricultura. Um esmero que observa-se em instalações que trazem logística à produção. Exemplo: Todas as etapas da produção contam com um ponto de vapor( o alambique funciona à caldeira). Este procedimento é para permitir a higienização dos utensílios desde a moenda até caixas de recepção na destilação. Outro exemplo é a decantação do caldo já fermentado. É muito comum o caldo durante a fermentação “zerar” o brix, mas continuar com partículas em suspensão que não deixam a superfície espelhada( ponto ideal para a destilação). Dessa forma no alambique da Quinta eles possuem uma dorna para decantação de partículas e “zeramento” total da atividade fermentativa.
  Aspectos que me chamaram a atenção foi a moenda, movida à roda d'gua, o fato da Kátia padronizar a diluição do caldo para 14°Brix quando alguns produtores trabalham com 15° ou 16° e saber que primeiramente o alambique produzia uma versão armazenada na Imburana, para depois trabalhar com o carvalho. Já ia esqueçendo...a água. Muito boa. A fonte dentro da propriedade.
  Mais uma vez vi um produtor totalmente atualizado seguir um “dito” que alguns produtores já relatam, mas durante muito tempo foi considerado lenda. Mesmo estando em tonéis de aço inox, a cachaça branca é repousada em média por um ano para “arredondamento”. Dentro da minha vã filosofia, acredito que esta prática só contribui para o amadurecimento do destilado vindo a mostrar como a cachaça branca possui sua complexidade também.
  A entrevista que segue é um rápido bate-papo com a Kátia, desta vez como Presidenta da APACERJ( Associação dos Produtores e Amigos da Cachaça do Estado do Rio de Janeiro). Kátia fala sobre os desafios e projetos para a associação.
  A “Zoada” que escutam ao fundo é por conta do alvoroço causado pelos quitutes oferecidos pela família (Leitoa à pururuca, Frango Caipira, uma pimenta inesquecível, uma caipirinha maravilhosa feita pelo simpático e acolhedor esposo da Kátia). Diante da recepção de “Primeira”, quem não ficaria entusiasmado com a “Quinta”?
  Agradeço a Kátia mais uma vez pela entrevista e pela recepção!  

Entrevista

terça-feira, 1 de maio de 2012

Muito além da Esquina

O texto de Mateus Pichonelli no sítio da Carta Capital postado na última quarta feira aborda uma boa página da Música Popular Brasileira contando bastante sobre o Clube da Esquina. Encantei-me com os apontamentos de Mateus sobre o modo de produção musical desta "rapaziada",trazendo observações muito pertinentes sobre o mundo contemporâneo, principalmente, o mundo musical. Tenho meus posicionamentos, mas não me contive de compartilhar as observações de Mateus. Muito originais e inteligentes.
 Aí vai o post na íntegra : 


Mateus Pichonelli: Nada será como antes
Publicado em 28/04/2012 na Carta Capital


Inspirado pela entrevista da Beatriz Mendes com os irmãos Márcio e Lô Borges (clique aqui), passei o último fim de semana lendo, num fôlego só, o livro “Os Sonhos Não Envelhecem – Histórias do Clube da Esquina”. Cheguei quase 16 anos atrasado, já que a primeira edição do livro escrito pelo irmão mais velho, Márcio Borges, é de 1996.

Capa do álbum Clube da Esquina, disco de cabeceira da música brasileira
Mas os 40 anos do lançamento deClube da Esquina, um dos discos de cabeceira de qualquer coleção da música popular, me levaram de braços abertos ao relato sobre um grupo, uma localidade e um período únicos da história brasileira. Foi no “quarto dos meninos” do 17º andar do edifício Levy, centro de Belo Horizonte, em plena ditadura militar, que os irmãos Borges (eram 11 no total) viram arvorecer o gênio de Bituca, mais tarde conhecido como Milton Nascimento.
Saí do livro um tanto bêbado, de tanto ler o quanto aquele povo bebia enquanto pulava de boteco em boteco na capital mineira, entre garrafas de cerveja, batidas de limão, toadas despretensiosas no violão e conversas sobre cinema, música, presente e futuro – um futuro que tinham nas mãos e há muito virou passado. Passei a entender um pouco mais os motivos que me levam a ter Clube da Esquina (versões 1 e 2) entre minhas dez canções favoritas em todos os tempos, línguas e gêneros.
Aquele quarto era a prova material, em notas e acordes, da teoria dos seis graus de separação – segundo a qual são necessários no máximo seis laços de amizade para duas pessoas quaisquer do mundo estarem ligadas. Ali não era preciso ir muito longe: Marílton conhecia Wagner Tiso, que conhecia Milton, que conheceu Fernando Brant, que conheceu Márcio, que era irmão de Lô, que conhecia Beto Guedes, que conhecia Flávio Venturini, que conheceu Milton, que um dia conheceu Jeanne Moreau, que um dia fez um filme com François Truffaut, que um dia inspirou uns meninos que se reuniam no mesmo quarto sem saber que produziriam música para o resto do mundo.
Das veredas daquele apartamento, mais tarde migradas para a esquina das ruas Divinópolis com Paraisópolis, em Santa Tereza, BH, nasceram encontros e amizades com o que tinha de melhor daquele tempo: Elis Regina, Caetano Veloso, Chico Buarque, Raimundo Fagner, Belchior, Raul Seixas, Rogério Sganzerla. A impressão é que o mundo tinha no máximo 500 habitantes, metade de Minas.
Ao fim, fiquei com muitas perguntas na cabeça: como a música conseguiu reunir tanta gente boa num único período e espaço? É possível que um grupo como aquele surja novamente algum dia e provoque os mesmos frutos?

Milton: gênio forjado pelo processo coletivo. Foto: Divulgação
Me leve a mal se quiser, mas as respostas não são nada animadoras – e faço um parêntesis para explicar o porquê.  Em certa cena de As Invasões Bárbaras, obra-prima de Denis Arcand, os personagens se queixam da mudança dos tempos e da vigência de um período sombrio, marcado pela ignorância, pelo preconceito e pelo mau gosto. É quando um dos personagens responde: os gênios são frutos de períodos únicos, que convergem influências, coragem e disposição para colocar tudo de cabeça pra baixo e fazer revoluções. Citam a Florença do Renascimento como exemplo. E lamentam terem nascido numa era de vacas magras, longe de grandes poetas e artistas.
Guardadas as devidas proporções, tivemos momentos férteis em solo nacional. A terceira leva do modernismo, por exemplo, gestou na mesma barriga Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto e Clarice Lispector. Hoje temos Augusto Cury, e um ou outro autor consagrado reclamando em velhos espaços de jornais da emergência das classes populares (décadas atrás, os gênios eram porta-vozes das classes populares, mas isso é papo pra outra conversa).
Para ficar no exemplo da música brasileira, basta lembrar da reunião de bandas muito acima da média surgidas, entre o fim dos anos 70 e começo dos 80, nas garagens de Brasília ou no Circo Voador, no Rio. Ou na Ipanema da bossa nova, a Bahia da Tropicália, a Recife domangue beat
São exemplos de que a obra de arte é um ofício coletivo.
E hoje?
Bom, hoje as coisas de fato mudaram. Na Belo Horizonte dos irmãos Borges e Bituca, todos pareciam minimamente livres para tatear talentos e escolher rumos com calma. Como cantou Beto Guedes, um dos caçulas do grupo: era possível “dar um tempo de prestar atenção nas coisas, fazer um minuto de paz, num silêncio que ninguém esquece mais”. A própria ideia de tempo era outra, e ele parecia jogar a favor.
Entre os fatos que mais me impressionaram no relato de Márcio Borges está a narração de uma certa “falta de privacidade” nos espaços em que vivia: a casa sempre tomada por amigos (dele e dos irmãos), sempre dispostos a criar sons no tempo livre, compartilhar ideias, influências; todos pareciam interessados em cinema, em discutir Truffaut, em ler e citar Garcia Llorca e outras novidades vindas de toda parte do mundo.

Lô, Fernando Brant, JK, Milton e Márcio Borges (no alto). Foto: Semana JK 2010/Flickr
Outro fato digno de nota: Borges tinha quase 20 anos quando despertou para a música, mas mal conseguia terminar o terceiro colegial. Em nenhum momento ele relata qualquer tipo de pressão, dos pais ou de quem quer que seja, para tomar um rumo, fazer algo de útil, deixar de lado uma possível vagabundagem.
Algo impensável para os padrões de hoje, em que o ócio criativo recebe bordoadas assim que se manifesta. Llorca? Só se estiver na lista de vestibular. Truffaut, preto e branco e em 2D? Conta outra. Reunião com amigos ao fim da tarde? Melhor correr pra academia. Hoje é mais útil gastar tempo e dinheiro com cursos de inglês, informática, caratê e domar a hiperatividade com remédios. O resultado é que, anos depois, nos tornamos velhos e manifestamos, tarde da vida, as inquietações mais infantis em nossas redes – porque jamais fomos capazes de sonhar uma linha além daquela já traçada antes de nascermos. O estado da música popular de hoje, de versos comerciais e descartáveis, é talvez o maior exemplo dessa incapacidade expressiva.
A substituição da poesia cantada por “eu quero tchu eu quero tchá” é parte das mudanças nas próprias formas de relacionamento – e não só das propostas antes e depois das gravações. No Brasil de 2012 não imagino uma casa como aquela que reunia Wagner Tiso, Milton Nascimento e Lô Borges no mesmo espaço. Os apartamentos hoje, como tudo na vida, têm seus espaços funcionais: pequenos e confortáveis, mas impróprios para visitas, reservadas para a área gourmet, onde a galera se reúne pra jogar Playstation e o síndico reclama se alguém resolve cantar. Ninguém conseguirá fazer poesia se só souber empinar pipa pelo ventilador.
Hoje os passeios pelas ruas, depois de pular de bar em bar parecem programas do século passado. (Tecnicamente são). Com medo das ruas, andamos de carro, mesmo que sejam só dois quarteirões. As conversas reservadas ficam para o MSN, meio pelo qual é possível medir o que se diz e guardar o que se ouve de maneira privativa. Tivessem 20 anos hoje, os amigos Milton e Márcio provavelmente deixariam de lado as parcerias surgidas no meio da noite, entre álcool e caminhadas, para expressar seus sonhos sóbrios em 140 caracteres no Twitter. Quarenta anos depois, ninguém se lembraria deles.
Porque, se algo mudou dos 40 anos desde Clube da Esquina pra cá, foi a guinada na ideia de privacidade para o topo das preocupações humanas. Isso mudou as formas de relacionamento (dos que ainda se relacionam, claro) e, por ironia, dinamitaram a cultura do compartilhamento – o que, em tempos de Facebook, parece uma contradição. Porque a gênesis do disco era o compartilhamento, não de links, mas de ideias, palavras, acordes e letras escritas a muitas mãos – sempre a partir da vivência, e não de refrões para tocar no rádio ou convencer empresários.
Reunidas, criavam uma unidade, uma linha própria a um mundo que pedia para ser cantado e alcançado. É a ideia dos jovens reunidos, “pela última vez, à espera do dia, naquela calçada, fugindo pra outro lugar”.
Da mesma forma que perdemos atletas magistrais por não criar condições e espaços adequados para treinamento e capacitação, perdemos também talentos artísticos em escalas industriais. Não só por causa da miséria, mas por incutir nas jovens cabeças a ideia de que a vida só vale a pena se for seguida em linha reta; se crescermos e aparecermos o quanto antes, em voos solo, e cultivar nossos próprios espaços com conquistas pessoais.
O que sobrou daquele tempo, fora as memórias? Em 40 anos, Lennon morreu, a guerra seguiu (só mudou de lugar) e a liberdade aguardada após o fim da ditadura não veio. Os sonhos cantados em Clube 2 envelheceram. E os novos são rasgados assim que desabrocham. Ganhou a aposta quem acreditou que, a partiu daqueles dias, nada mais seria como antes…

Para degustar com os ouvidos


Jóia de Milton Nascimento e Fernando Brandt...Uakiti. Viva Minas!


domingo, 22 de abril de 2012

"Brazilian Rum" never more

“Brazilian Rum Never More”

Realmente não poderia ignorar a mais memorável notícia do cenário da Cachaça produzida neste mês: O reconhecimento por parte do governo americano do nome "Cachaça" e "Cachaça do Brasil" no último dia dez de abril .

Para aqueles que não acompanham muito este processo, é bom ressaltar que o produto cachaça sempre entrou e foi vendido nos Estados Unidos como "Brazilian Rum", o que sempre se configurou em um entrave para a imagem de uma bebida que além de representar uma nação, cada vez mais se afirma como uma grande concorrente dos demais destilados do mercado mundial.
A confusão criada pelo governo americano vem simplesmente do fato de tanto o Rum quanto a Cachaça terem a mesma matéria prima: Cana de açúcar.

Mesmo assim é bom lembrar que o Rum é um destilado do melaço de cana fermentado, e a Cachaça um destilado somente do caldo de cana fermentado. Pode parecer que não, mas isto sensorialmente tem lá suas diferenças.

O melaço é um subproduto da indústria do açúcar, não confundir com o melado. O melaço é uma sobra da produção industrial do açúcar, advindo do processo de centrifugação dos  cristais de açúcar. O melado é um  super concentrado do caldo de cana, é o caldo aquecido de onde se evaporou a água.

Como dizem as cozinheiras mais tradicionais quando ele atinge o "ponto" ou o "puxa" é praticamente a nossa conhecida rapadura que neste Brasil de meu Deus tem pra todos os tipos( Alfinin, batida, com gengibre... ).

Geralmente o melado traz em si a característica mais marcante da cana que é o doce. Em segundo lugar o retrogosto do queimado, ou tostado que pode até sugerir um amargo, mas que é muito agradável. Quanto ao caldo este traz outras características além do doce, como sabores que lembram o metálico, salgado, acético, ácido. No aroma toques que podem ser frutado, de pão (biológico) , floral dentre outros.
Tradicional Aguardente de melado. Fonte: Banco de Imagens 

É importante dizer que também fazemos um destilado de melado ou de rapadura, mas que apesar de serem chamados de cachaça, tecnicamente só podem ostentar o nome de aguardente de cana.

A Cristalina do Picão, a Farrista, Ligurita e a Serrinha são exemplos mineiros, assim como algumas de Santa catarina. No Estado do Rio temos a fábrica de laticínios "Sitio Solidão" de Miguel Pereira que também produz esta "Cachaça de Rapadura".

Neste sentido fica a dica para que visitem o perfil no Facebook  da Aguardente Farrista de Martinho Campos- MG. São bastante tradicionais na produção da aguardente de melado e possuem registros de imagem e vídeo que são uma verdadeira aula de história. Segue o link https://www.facebook.com/aguardentefarrista/videos/

https://www.facebook.com/aguardentefarrista/

Não é porque a matéria prima é a mesma que o produto final será o mesmo senão farinha d'agua seria o mesmo que farinha de mesa, de puba, goma de tapioca, maniva(maniçoba) e por aí vai...
Lembrando o emblemático Gérson, jogador de futebol da copa de 70:
"Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa"

A importância do reconhecimento do nome cachaça pelos americanos pode estar no poder da palavra "Cachaça" tão rica quanto a própria bebida( é a palavra com mais sinônimos no Aurélio).Mas não é só isso ! Não se trata só de alavancar vendas como dizem alguns, conquistar mercados. Se trata de reconhecer o Brasil. Reconhecer os brasileiros que como os buritis, as guabirobas, pitombas, Bacuris, cajás, umbus...muitos ainda não conhecem. Reconhecer para poder conhecer, conhecer para poder reconhecer. A importância está também no reconhecimento do trabalho de gente séria que tem suado para dar à imagem da cachaça o valor que merece. O reconhecimento é do gerente de vendas que investiu em uma marca de cachaça de alambique para seu supermercado e certamente não se arrependeu. O reconhecimento é do produtor de feiras e exposições que topou fazer um evento com cachaça em sua capital. O reconhecimento é do consumidor que brigou com o dono do bar que tem as bebidas do mundo todo menos a cachaça.

É uma pena que este reconhecimento tenha sido um pouco tarde, que os americanos precisassem rever sua política de relações externas e passassem a reconhecer por exemplo, que os o turista brasileiro é o que mais gasta em suas terras dentre outros. Pelo visto o Brasil está na moda mesmo!
Espero que cada vez mais o mundo conheça e reconheça a cachaça que é simplesmente a mais brasileira de todas as bebidas e ouso afirmar:
A mais diversa bebida do mundo dos destilados.
Thiago Pires

quarta-feira, 14 de março de 2012

Dois anos do Musicachaça

Musicachaça dois anos
Hoje o Blog Musicachaça faz dois anos. Dois anos que ganhei este presente. Jaqueline, minha companheira, me surpreendeu quando pegou o computador e disse: “ Deixa eu te mostrar teu presente”. Aquela bela interface do blog que para mim era inusitada e cativante como a própria Jaqueline, me deixou fascinado.
Apanhei( e quem disse que ainda não apanho!) muito para fazer as primeiras postagens, colocar junto com ela (mais uma vez a Jaque!) os primeiros vídeos e imagens que não têm a pretensão de ser uma referência oficial, mas simplesmente o compartilhamento de experiências no âmbito da Música e da Cachaça, duas coisas totalmente cativantes das quais me orgulho de viver intensamente.
Agradeço imensamente a todos aqueles que de alguma maneira participam destes dois anos, comentando, somente lendo, ou como a maioria diz: “...Pode deixar que vou dar uma olhada...”. Sei que mais cedo ou mais tarde passarão por aqui. Entre uma leitura ou outra, numa madrugada destas pegarão uma dose de cachaça e vão nos conhecer. Lembro que seja o que for...com Música é sempre melhor! E que fico muito feliz com a visita de cada um, principalmente daqueles que deixam seus comentários.
Mais uma vez a todos o meu sincero agradecimento.
Thiago Pires

sexta-feira, 2 de março de 2012

Terroir na Cachaça

Minha opinião quanto ao uso do termo Terroir para a Cachaça:
Frequentemente degusto na forma de estudo, cachaças de uma mesma região para saber a possibilidade de uma ser parecida com a outra. Para tentar ser o mais imparcial faço isto sobretudo com cachaças brancas. Colocarei aqui alguns apontamentos que podem ser conteúdo de estudos de outros interessados no assunto e me disponibilizo para troca de informações.
Neste momento por exemplo, estou estudando as cachaças brancas da Paraíba. São elas: Volúpia, Serra limpa, Rainha, Engenho São Paulo, Alegre e Caninha do vovô, esta última sem registro e da cidade de Alagoa Nova. Algumas destas cachaças possuem "ligeiras" semelhanças quando comparadas com cachaças de outras regiões do país. Algumas destas semelhanças também podem ser encontradas em cachaças do nordeste, como a Engenho Água doce(Vicência-PE), Nem Pensei (Ipojuca-PE) e Triunfo( Triunfo-PE). De comum na minha opinião sobretudo um acético agradável. Um acético que em alguns casos como no da Volúpia chega a esbarrar num Floral. Este acético também aparece em cachaças da Bahia. Portanto,na minha opinião há uma tendência ao acético percebido nas cachaças do nordeste ser diferente do percebido nas cachaças do sudeste. Como disse estou estudando estas cachaças e ainda possuem outras características,mas o estudo ainda não está completo!
Outra experiência foi feita com cachaças brancas de uma pequena região entre Mendes, Vassouras e Barra do Piraí no sul do estado do Rio.
Utilizei a Cachoeira de Cachaça, a Carvalheira, a Barrinha, a Colonial Brasil e a Magnífica esta última infelizmente não era branca mas sim a de IPÊ.
Os equipamentos de destilação utilizados pela magnífica, Carvalheira e Cachoeira de Cachaça, possuem praticamente o mesmo modelo( feitos pelos mesmos artesãos), e coincidentemente ou não achei pequenas semelhanças principalmente no olfato. Deste estudo, interessante foi ver a semelhança entre a Cachoeira de Cachaça e a Barrinha, relativamente distantes e se utilizando de equipamentos que são bastante diferentes. Mesmo assim para confundir as coisas a Colonial Brasil não dialogou com as demais cachaças. Mesmo sendo uma ótima Cachaça, as suas características de paladar e olfato, não foram percebidas intensamente nas demais.
Por último gostaria de relatar um estudo sobre as cachaças de Paraty. Utilizei Coqueiro, Corisco, Maré Cheia, Engenho D'ouro, Mulatinha, Engenho Pedra Branca e Maria Isabel esta última de jequitibá.
Algumas cachaças até guardam algumas semelhanças como a Corisco com a Coqueiro de Garrafão que é vendida nos bares da região, mas quando comparadas com a Pedra Branca ou mesmo a Mulatinha, o que se observa é que existe uma complexa diferença entre elas. A Maré cheia com a Engenho D'ouro também encontrei pequenas semelhanças, mas muito insignificantes ao ponto de identificar a cachaça como sendo de Paraty. Neste sentido, é importante lembrar que uma ótima cachaça como a Pedra Branca em nada lembra o que se estabeleceu como símbolo da cachaça de Paraty (forte), já que possui 40% Gl e possui baixa acidez, quando comparada com a Corisco ou mesmo a Coqueiro. Se compararmos com a Maria Isabel, esta então se mostra mais diferente ainda.
A que se considerar também que os produtores têm privilegiado cada vez mais a padronização por graduações mais baixas. A Salinas por exemplo possuía 45Gl e têm diminuído cada vez mais ao ponto de chegar aos 40% no caso da Salinas "cristalina". Este também é outro fator que limita o uso do termo, alguns produtores estão começando a utilizar madeiras que na região há algum tempo não utilizavam, mais uma vez exemplifico com a Salinas que possui agora uma Cachaça de Carvalho.
Portanto o uso do termo "terroir" deve no caso da Cachaça considerar a madeira da região( Bálsamo-Salinas, Imburana-Januária) o tipo de fermentação e o modelo dos equipamentos de destilação, que numa mesma região podem variar bastante. Complexo e diverso como a Cachaça!
Espero ter contribuído
Thiago Pires

domingo, 29 de janeiro de 2012

Em sala com Turíbio

Festival Vale do Café de 2010. A Milonga de Jorge Cardoso sendo mostrada para o mestre Turíbio Santos. Agradeço a gentileza de Mauro Montezuma, produtor deste vídeo.

Abaíra ou Zabelê?




Estive no vilarejo conhecido como "Vale do Capão", distrito de Palmeiras-BA, do final do ano passado até o dia 12 deste mês.
Ao procurar por cachaças artesanais na região me deparei com dois nomes: Abaíra (na Chapada, atualmente, sinônimo de cachaça, como ocorreu em Paraty e Januária!) e Zabelê, esta última, nome de uma localidade da cidade de Ibiraquara, próxima uns cinquenta km do Vale do Capão.
Ao que sabemos a Abaíra é uma Cachaça produzida pela COOPAMA- "Cooperativa dos produtores de cana e seus derivados da microregião de Abaíra", mas que estandardiza e engarrafa cachaças de alambiques das cidades de Jussiape, Mucugê, Piatã e Abaíra.
A Cachaça artesanal que é bebida nos bares do Vale do Capão frequentemente é branca, armazenada em bambonas de plástico, sendo chamada ou de Abaíra ou Zabelê. Estas cachaças, no cômputo geral, são bastante "rústicas", com presença de colarinho extremamente persistente, forte cheiro da matéria prima e "sabor característico de cachaças fortes" (como referência comparativa para "sabor característico de cachaças fortes" utilizo: Corisco de Paraty, Vitorina de Fortuna de Minas, Século XVIII de Cel. Xavier Chaves e Rainha de Bananeiras... todas brancas).
A comunidade de Zabelê possui mais de dez engenhos de Cachaça, todos de alambique muito simples e realmente artesanais, que abastecem as cidades vizinhas e algumas mais distantes, inclusive algumas cidades da região sul da chapada, região na qual está Abaíra e as demais cidades da COOPAMA.
Não se percebeu na localidade do Vale do Capão, ou Ibiraquara nenhuma iniciativa de exploração turística da produção local de cachaça, ou mesmo iniciativa de organização dos produtores da comunidade de Zabelê na criação de uma cooperativa ou associação.
Das cachaças com selo do ministério da agricultura, nesta viagem, tive a oportunidade de beber a Abaíra (prata e ouro) e a Serra das almas (prata e ouro) da cidade de Rio de Contas. Saliento que o armazenamento da Serra das Almas "ouro" é feito em tonéis de "Garapeira" o que parece ser a mesma madeira utilizada pela Abaíra "ouro". A Serra das Almas branca, ganhou 1°lugar no ranking da revista Vip, degustação às cegas organizada pelo "Mapa da Cachaça" ( http://mapadacachaca.com.br/blog/vip-ranking-das-melhores-cachacas-brancas-2011/). Percebe-se nesta cachaça, outro “acabamento" quando comparada às demais em todos os três níveis de degustação (visual, olfativa e paladar).
Outro dado que chamou a atenção é o fato de NENHUMA das Cachaças da comunidade de Zabelê/Ibiraquara receberem nome! Não recebem nome nem de seus produtores, nem das fazendas onde são produzidas. São chamadas todas apenas de "Zabelê", o que mostra uma identificação despretensiosa e informal.
Cabe salientar ainda que foram visitados dois alambiques na localidade de Zabelê. O do Seu Benedito, e o do Seu Daniel, este último, ao que parece, o mais antigo produtor de cachaça da localidade de Zabelê.

Descobrindo Zabelê

Já tinha ouvido falar de Cachaça artesanal na Bahia. A primeira vez, quando estive no oeste do estado (em Correntina, já faz bastante tempo!) em uma feira comprei uma garrafa de Cachaça da Chapada. A segunda, quando estive no sul, próximo à costa do Dendê, onde apesar de encontrar a Engenho Bahia e Itagibá, sempre me diziam que Cachaça "destilada" (como se referem a cachaça de alambique), só para as bandas da Chapada Diamantina.
Uma vez na Chapada (Vale do Capão, distrito de Palmeiras) percebi que realmente por ali havia uma "história" com Cachaça, mas infelizmente, a possibilidade de conhecer a Abaíra, produzida pela Coopama, se tornava algo cada vez mais distante, literalmente, pois teria que enfrentar pelo menos uns trezentos km do Capão até Abaíra. Uma pena, pois o potencial etílico da viagem era muito grande.
No único dia que fiz um passeio com guia, fomos visitar um gruta no município de Ibiraquara e um pouco antes vi uma placa pintada a mão apontando para fora da rodovia escrito "ZABELÊ". Minha cabeça obcecada imaginou logo que se tratava do alambique da Zabelê, mas depois viria saber que aquela era uma placa de indicação da comunidade e não de um alambique específico. Mesmo assim teria que aguardar até o dia seguinte para conhecer a comunidade.
Negociei com Rafael (nosso guia) uma ida à comunidade com sua caminhonete e no dia seguinte estava eu inaugurando o "Roteiro dos Alambiques" da Chapada Diamantina. Pura brincadeira minha, mas que gostaria que fosse verdade, pois a possibilidade de explorar turisticamente este lado da Chapada é grande, mas muito distante da atual realidade.
No caminho falei um pouco da história da Cachaça para Rafael e sua esposa, Isis, ambos atentos às relações que fazia da cachaça com a história que aprendemos na escola, e atentos à Maria sua filhinha de nove meses, já nos acompanhando ao “Roteiro dos Alambiques”.
O primeiro alambique que visitamos foi o do Seu Benedito. Distante cinco km da rodovia. As instalações muito artesanais e uma realidade totalmente distante daquela das "novas tecnologias", "certificação", "fiscalização" que tanto ouvimos falar. Muito simpático, seu Benedito contou sua história de seis anos na produção de cachaça, como adquiriu os equipamentos e como têm feito para vender sua produção. Ele não se dedica exclusivamente à produção de cachaça, trabalha na construção civil e aproveitou que teve um tempinho sobrando, para não deixar o resto de cana plantada estragar e alambicar neste janeiro de 2012. Interessante citar que seu Benedito conta que aprendeu a produzir cachaça ao adquirir os equipamentos em Abaíra e ao visitar alambiques no interior de São Paulo. Perguntamos à ele sobre outros alambiques na região ao que ele nos diz: "Aí para dentro tem mais de dez alambiques". Fiquei surpreso e ainda mais curioso. Depois de apresentar o processo de produção para Rafael e Isis, pergunto qual alambique seria dos mais velhos da região, ao que ele responde de pronto: "O do Seu Daniel! Fica bem próximo, ótima pessoa, já foi até vereador aqui, ajuda muito a comunidade".
Quando chegamos, o Seu Benedito estava no término de uma destilação, já tirando a “água fraca”. Mesmo assim pudemos sentir o doce cheiro proveniente do alambique de cobre. Combinamos de voltar dentro de uma hora e meia para presenciarmos a próxima alambicada, na tentativa de pegar a “Cabeça” da próxima ( sem dúvida a mais nociva e “cheirosa” parte durante a destilação e o “coração”. Assim combinado, partimos para Seu Daniel.


Fermentação do alambique de Seu Benedito


Eu e o simpático Seu Benedito

Descobrindo Zabelê: Seu Daniel

Depois de dez minutos, partindo do alambique do Seu Benedito, chegamos ao que seria o alambique do Seu Daniel. Propriedade sem cerca, sem grade, sem cachorro, apenas um grupo consertando uma Chevrolet dessas bem antigas. Apresentamos-nos contando o motivo da viagem. Posso estar enganado, mas ao que me pareceu, não são muitas as pessoas que os visitam procurando a Cachaça.
Quem nos apresentou o alambique foi o filho do Seu Daniel, que infelizmente não recordarei o nome, mas que foi bastante esclarecedor e atencioso em mostrar todos os equipamentos. Naquele momento estavam com um caldo sendo fermentado para ser destilado dentro de um dia. Tinham parado por conta das festas de final de ano e agora, timidamente, voltavam a alambicar o resto de cana que ainda tinham.


Alambique do Seu Daniel


Moenda a diesel – alambique do Seu Daniel



Eu e o filho de Seu Daniel


A propriedade, maior que a do Seu Benedito, era toda de “Chão Batido”, inclusive dentro dos espaços do engenho. A moenda movida a Diesel era limpa apesar de muito rústica (polia de raspa de pneu), assim como as demais dependências. As colunas de cobre, todas limpas, tanto por dentro como por fora, da mesma maneira que as panelas.
O armazenamento em tonéis plásticos de duzentos litros, que disseram-nos ter adquirido em Abaíra, com a indicação de “hecho em Argentina”, muito provavelmente já utilizados para transporte de azeitonas e outros tipos de conserva. Naquele momento, o filho do Seu Daniel me mostrou cerca de uns vinte tonéis deste, todos cheios, pois segundo ele o ano de 2011 não tinha sido bom para a venda da Cachaça.



Um dos dois destiladores do Seu Daniel

Observei que tanto no Seu Benedito quanto no Seu Daniel, os equipamentos não possuíam termômetro, perguntei: “como alambicam?”. Resposta: “No olho! Quando começam a sair as bolinhas sabemos que estamos chegando à cachaça boa”. Depois de parabenizar o filho do Seu Daniel pela habilidade para este tipo de feito peço que separe um litro de cachaça para eu levar. Ele enche uma garrafa pet (2 litros), e quando pergunto quanto é, ele diz: “É presente”. Da mesma maneira como fez Seu Benedito.


Armazenamento

Já nos finalmente do encontro, assim acreditava, começo a me despedir agradecendo a recepção, quando ao passar pela porta da casa (a sede) vejo um Seu de chapéu, alinhado nos seus trajes de Sertanejo e escuto: “Este é o Seu Daniel”. Apresentei-me para ele de pronto e ele na mesma hora convida: “Sente aí para tomar uma café”. Preocupado com o avançar das horas e com a promessa de voltar a Seu Benedito, e quente ainda das doses que tomei respondo: “Olha, não queremos abusar por conta das horas, por mim fico, mas estou com companhia, se eles toparem...”. Então Seu Daniel diz: “Olha moço, aqui por estas bandas não se recusa um café”. Sem graça com meu comportamento de “matuto da cidade grande”, aceito.
Ir procurar Cachaça e escutar de um senhor que pareceu ter mais que o dobro da minha idade que eu não poderia negar um café, me fez respeitar ainda mais este outro produto: o café! Lembrei do confrade Yansel com sua paixão por café. Quando fui à Chapada, não sabia da relação desta com o café (nem com o mel, premiado já algumas vezes como o “melhor do Brasil”). Eu como tantos outros brasileiros, não sabemos de muita coisa sobre nosso país, sobre nossos sabores, sobre o valor desta gente do interior. É difícil valorizar algo que não se conhece, no máximo se respeita e isto nem sempre é feito, infelizmente. Cachaça e Café guardam historicamente características e semelhanças, principalmente no interior, onde o prato é fundo, o café é do quintal e a cachaça do alambique, geralmente orgulho de quem os produziu, como parte do “melhor que temos para oferecer por aqui”.

O que acompanha o café é um bate-papo, pretensa entrevista, que mostra muito da história de um homem que faz cachaça. Seu Daniel não alambica mais, quem o faz é seu filho, que aprendera com ele, mas continua produzindo. Aprendera não só a alambicar, mas a confeccionar os destiladores, de forma totalmente artesanal, na mão, martelando, dobrando a chapa, que segundo ele “é cara e vem de São Paulo”.
Seu Daniel nos conta que por aquela região montou vários equipamentos, naquele momento vi naquele homem, se não o maior, um dos maiores, responsáveis pela cachaça da comunidade de Zabelê. Contou-nos também de sua experiência com a rapadura, e posteriormente, sua opção pela produção de cachaça.
Deu prazer ouvir da boca de Seu Daniel conhecimentos que hoje a ciência reconhece, como por exemplo: a não aceitação por parte dos consumidores da cachaça feita com equipamento de “aço inox”, ou mesmo a preferência pelo produto proveniente dos destiladores “capacete” (conhecidos como “Tromba de elefante” ou “Capelo” em outras regiões do país). Ao Seu Daniel, todo o meu respeito, e admiração, por ser ele um destes personagens que construíram a história da cachaça em sua comunidade, como tantos outros “Seu Daniel”, que hoje ainda vivem anônimos no avançar da sua idade, espalhados pelo Brasil.


Seu Daniel


Eu e Seu Daniel

Meus sinceros agradecimentos: às forças desconhecidas que me permitiram chegar a estes alambiques, independente da dificuldade de acesso; ao Rafael por ter topado a empreitada, dirigindo, fotografando e filmando; à Isis e Maria pela companhia e descontração; à Jaqueline pelo apoio, filmagem e orientação para uma “boa entrevista”, que ainda está por vir...rs..rs; e a Seu Benedito, Seu Daniel e sua família.


Rafael, Seu Daniel, filho, eu, Maria e Ísis





Glossário:
Travo: Sensação tátil, adstringente, percebida principalmente na superfície da língua durante a degustação.
Aljofre: Também conhecido como “Rosário” ou “Colar”. Trata-se do conjunto de pequenas borbulhas que adornam a superfície do destilado, tido pelos mais antigos, como sinônimo de cachaça pura, sem mistura ou diluição, viscosa, oleosa.