segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Segredos que aos poucos os laboratórios vão desvendando


Nando explica o porque da coluna com Capelo

Após sermos recebidos por Nando chaves, ali em seu escritório escutamos uma verdadeira aula de história da produção de cachaça no Brasil já que falou do período de profissionalização e modernização dos alambiques a partir da legislação que de fato regulamentou o produto embora tenha ajudado a fechar muitos engenhos. A maioria destes alambiques não tinham condições financeiras de atender às exigências, que muitas das vezes não consideravam a realidade dos produtores.
Rótulo tradicional. Safra 2003
 O produtor deu um exemplo muito prático: pelo ministério da agricultura teve que “telar” as dornas de fermentação para protegê-las de agentes externos. O que ocorre de fato é que com a elevação do volume do caldo na fase tumultuosa ( a fase mais agitada) este caldo fermentado acaba encostando na tela e deixando-a suja de caldo e favorecendo mais contaminações bacterianas do que se não houvesse tela alguma.









a "envelhecida"





Segundo Nando: “...desde a época de meu avô ouvia dizer que a bebida tinha que ser protegida da radiação solar. Por isso que várias bebidas são armazenadas em garrafas escuras. Quando falávamos isto em relação à cachaça tinha gente que falava que não tinha nada a ver por conta da graduação alcoólica. Outro dia recebi aqui no alambique uma pesquisadora que estava estudando justamente sobre a influência dos raios ultra-violeta no armazenamento da cachaça...”

Nando se mostrou atento às tendências do mercado como os blends e amadeiramentos intensos mas segundo ele há um equívoco: costuma-se associar  a alteração dos atributos sensoriais do produto cachaça somente à ação das madeiras, o que é correto em parte pois ainda que seja uma cachaça branca, esta se “acomoda” quimicamente com o passar do tempo. A prova disto é que diferente da maioria dos alambiques Nando possui somente cachaças brancas porém separadas por safra. Após degustar suas diferentes safras, todas brancas sem madeira alguma, percebemos claramente a diferença de uma safra para outra. E conseguimos sim perceber como o tempo interfere em uma bebida, mesmo que esta esteja descansando em um tonel de aço inox ou mesmo dentro da garrafa. Esta característica faz com que Nando possa provar o que durante muito tempo fora apenas uma hipótese. A acomodação química do destilado é constante, mais perceptível quanto mais novo, mesmo dentro da garrafa.


Rótulo da cachaça mais nova (um ano)



Entre o novo e o velho: o tempo

O mundo da cachaça têm mudado muito. Observamos alguns valores estéticos de outras bebidas sendo aplicados à cachaça e um destes conceitos é o do envelhecimento intenso em madeiras. Do ponto de vista sensorial é riquíssimo dialogar com a diversidade de madeiras que possuímos porém se pensarmos na perspectiva do produtor o glamour das caves e adegas pode se tornar opaco.

Quando um produtor menos experiente se lança no mercado da cachaça, um dos insumos vendidos como indispensáveis são os barris. É preciso porém que este produtor tenha uma experiência mínima com amadeiramentos. Quanto mais novo o barril geralmente mais tanino e mais difícil controlar o amadeiramento. Isto mesmo nas madeiras ditas "neutras" que na verdade não são neutras pois conferem menos amadeiramento ou por conta das características da madeira, pelo tempo de uso ou por conta do volume do tonel. Neutro mesmo só o vidro e o aço inox! Quando um produtor possui barris para armazenar cinquenta, cem mil litros ele está obrigado a produzir cachaça praticamente todo ano. A menos que não queira ou não precise vendê-la e deixa-la armazenada, do contrário terá que pensar no que fazer com esta cachaça amadeirada. Ainda que o armazenamento tenha o tempo como unidade de medida, o produtor precisa atentar para alguns cuidados como a evaporação do destilado nos barris, a temperatura da adega, a acidez conferida pelo armazenamento, o próprio sabor da bebida dentro do barril (algum barril pode apresentar alguma questão como broca, vazamento, contato da bebida com o aro), o padrão do produto final... Isto obriga o produtor a estar em constante controle dos barris. Obriga o produtor a conhecer cada barril, principalmente os fora de padrão (mais ou menos tanino).

Nando Chaves questiona porque utilizar uma matriz de qualidade tradicional (a cachaça branca) que possui seu público é economicamente mais vendável e transformá-la blend?
 “...meu avô,  que trabalhava com bebidas no interior de São Paulo, já fazia blend há muito tempo. Ele chamava de “receitas”. Ele tinha receita para cachaças aromatizadas e coloridas. Ele fazia cachaça da cor  e sabor que quisesse . Aqui fazemos cachaça sem vergonha de ser cachaça...”, portanto branquinha!

Nando expõe todas as autorizações e análises de seu produto
Nossa próxima postagem aborda os fatores de pioneirismo e diferenciais da Cachaça Séc. XVIII. Muito tempo de história, que nós humildemente vamos descobrindo e compartilhando neste blog.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

No Alambique

No Alambique
Engenho Boa Vista: rústico e original como sua cachaça


O engenho Boa Vista fica a seiscentos metros de distância da casa de Sr Rubens e Dna Cida Chaves. Quando chegamos no alambique Nando recebia um carregamento de garrafas, conferia nota fiscal, volume das encomendas, enfim já mostrava ali que atua em todas as posições do time “Séc XVIII”.

Ultimamente os alambiques têm tido uma tendência a serem parecidos, ou pelo menos previsíveis, nos projetos. Conceitos de eficiência, lucratividade e as exigências do MAPA fazem com que muitos alambiques tenham a mesma marca e modelos de moenda, dornas de fermentação/aço inox, e equipamentos de destilação da marca líder de mercado. Ali no engenho Boa Vista, tudo diferente. Lembrou-me muito alguns alambiques de Paraty há alguns anos atrás, tudo muito simples, funcionando e limpo como têm que ser. Uma pia com um motor para higienizar garrafas de vinho, testemunhando o que hoje chamam de sustentabilidade e que Nando já incorporou como prática há bom tempo. A área de envase separada por uma divisória de vidro colocada para se adaptar as exigências dos fiscais. Adaptação que notoriamente não estava no “projeto original ” até porque o original é do Século XVIII. Ali em seu escritório que é ao mesmo tempo um estoque e almoxarifado Nando começou nosso atendimento.
Área de Envase

O Começo

  Nando falou de sua relação com a Universidade Federal de Viçosa onde se formou em  Zootecnia e adquiriu boa parte dos conhecimentos que de alguma maneira são utilizados na relação de respeito que possui com o meio ambiente na produção de sua cachaça. O produtor está à frente do alambique desde 1989. Antes disso foi responsável por distribuir a cachaça nos bares da região e conta como a partir dali começou a observar os hábitos dos seus consumidores.

  “ ...cada bebedor têm uma mania pra beber cachaça, uns rodam, uns recitam poema, uns dão pro santo  antes de beber, outros oferecem pro santo depois de beber , uns contam causos, mas cada um têm uma mania...” Conta como esta fase foi importante para seu conhecimento e formação no mercado da cachaça. Passou a identificar tipos de consumidores e a partir daí traçou melhor o perfil de identidade que iria trabalhar na Séc. XVIII.
Antes de mostrar o alambique um assunto que chamou nossa atenção foi o da adequação à legislação. Segundo Nando, sua família sempre foi muito preocupada em preservar o patrimônio histórico do engenho mas a partir do momento que o MAPA (Ministério da Agricultura) começou a estabelecer uma relação de maior fiscalização aos alambiques,  eles enquanto produtores não tinham como ao mesmo tempo atender às exigências e preservar sua história. Segundo ele isto cobrou muita perseverança e paciência pois talvez até hoje nossa legislação não abra precedentes para estes casos específicos já que estamos falando de uma unidade produtora de quase trezentos anos.
Projeto do(a) Séc. XVIII

Uma destas adaptações foi a desativação da cisterna subterrânea onde armazenavam sua cachaça que se mantinha branca. O reservatório era escavado na pedra e suas paredes eram calafetadas com parafina. Tiveram que desativar a cisterna e substituir o armazenamento pelo aço inox. O armazenamento em cisternas já fora bastante comum assim como o hábito de enterrar barris para que embaixo da terra o líquido fosse melhor acondicionado. Segredos que os laboratórios foram se apropriando de alguma maneira já que hoje em dia as adegas têm sido feitas em locais úmidos e escuros tendo (às vezes subterrâneos) inclusive com adegas dotadas de medição de umidade e temperatura do ar, o que vez ou outra faz com que o produtor molhe seus barris e jogue água pelo chão da adega em épocas mais quentes ou lugares mais secos.
No próximo capítulo abordaremos os "segredos que aos poucos os laboratórios desvendam" do Engenho Boa Vista.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Primeiros Goles / A pré-produção


Prosa com Nando Chaves


Religiosamente, em suas reuniões, a Confraria de Cachaça Copo Furado do Rio de Janeiro (a primeira do Brasil-1994) pergunta a seus visitantes como foi sua primeira experiência com cachaça. Em vinte e dois anos de existência muitas histórias inusitadas foram registradas em suas atas que revelam sobretudo a relação de afeto que o brasileiro possui com a Cachaça. Rico patrimônio o dessas atas!
Assistindo o vídeo produzido pela Cachaça Santo Grau, você leitor entenderá o figuraça que é o Nando Chaves e perceberá que seus primeiros paços ou "goles" são a história de sua relação familiar com a bebida. Recomendo que assistam.




A Pré- Produção

A ideia inicial era conhecer o alambique em funcionamento. Ainda em abril fiz contato por telefone com Nando Chaves perguntando se saberia quando o engenho começaria a alambicar ao que me respondeu: “...isso depende de São Pedro...” . Entusiasmado explicara que um dos critérios para começar a preparar o fermento é o ponto de maturação da cana.Desta maneira, Nando aguarda a primeira geada para “começar os trabalhos”. A partir da geada a cana começa a atingir seu ponto de maturação já que a cana produz mais sacarose com a queda da temperatura e com a falta de recursos hídricos (a geada acontece com a chegada do inverno que é seco). Já neste momento pude perceber que se tratava de um produtor diferenciado, atento e respeitoso do tempo da terra. Mais que isso, ao citar “São Pedro” evidencia o diálogo tanto com a sabedoria popular de sua região quanto com o conhecimento técnico-científico.



Esta prosa é só para apresentar os preparativos para o período de safra. Embora o vídeo tenha sido feito já no alambique, na próxima postagem falaremos um pouco de como o produtor foi assumindo responsabilidades no trabalho com cachaça começando como distribuidor regional passando por todas as funções do engenho. Não percam!

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Século XVIII aí vamos nós.



No mês de agosto resolvemos uma dívida antiga com o universo da cachaça. Visitamos o Engenho Boa Vista que produz a cachaça Século XVIII  e a matriz da cachaça “ Santo Grau” de Coronel Xavier Chaves na região dos Campos das Vertentes- MG.
Ao procurarmos informações na internet e outras fontes encontraremos muita coisa a respeito desta cachaça a maioria falando de seu passado “inconfidente”. Trata-se de uma das cachaças mais emblemáticas do Brasil!
Esta postagem será feita como uma destilação em “batelada” (fracionada) para que o leitor iniciante ou experiente possa degustar cada informação aos poucos e viajar.

 E para começar nossa viagem fica a dica do vídeo institucional do “ Circuito Turístico Trilha dos Incondifentes” /tvlocal produtora, onde Nando Chaves apresenta a Séc. XVIII e o Engenho Boa Vista. Os motivos para acompanhar as próximas postagens ele fala e deixa bem claro. Então não perde tempo tenta arrumar uma Séc XVII porque sabor o computador ainda não passa.



Nas próximas postagens abordaremos o protagonismo de Nando Chaves na produção da Séc.XVIII, apontaremos como este produto ainda se destaca em um mercado tão concorrente e mostrar como a Séc. XVIII têm enfrentado os desafios de preservar seu patrimônio histórico e cultural em relação às exigências atuais de mercado e legislação (Ministério da Agricultura) afinal cachaça temos muitas porém com quase trezentos anos de história, essa é única, então não deixe de acompanhar.
  Agradecimento a Eduardo Rodrigues da Produtora Local que disponibilizou o vídeo. O mesmo encontra-se no You Tube.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

A Matriarca



No mês de fevereiro ganhei uma cachaça armazenada em uma madeira no mínimo inusitada: Jaqueira. Confesso que já tinha visto artesanato e movelaria com jaqueira mas tonel nesta madeira para mim foi uma agradável novidade e de tão curioso, no mês de maio aproveitei uma viagem a cidade de Teixeira de Freitas, na região do extremo sul da Bahia, para conferir de perto a produção desta cachaça.
Matriarca na vitrine do Restaurante Sinhô
   O contato com o alambique foi feito através do site divulgado na embalagem da garrafa, o que ainda é muito raro no universo da cachaça. Ter uma interface digital é algo que pode ajudar na divulgação e até distribuição das marcas de cachaça, porém esbarramos em uma questão básica que é a chegada da internet em nossas cidades e distritos. A outra questão é o uso desta ferramenta pelos produtores. Tenho visto muito material na internet produzido por degustadores, estudiosos e acadêmicos, mas os produtores, na sua maioria, ainda estão fora deste universo. A internet veio pra ficar e não dialogar com o universo digital não só não abre portas, como pode até mesmo fechar as já abertas. Fica a dica!
  Voltando a Matriarca, depois de deixar tudo agendado por email/telefone rumamos para Teixeira de Freitas- BA. No quesito comunicação nota 10 para a Matriarca!

  Ponto de partida em Teixeira de Freitas: o restaurante Sinhô, que é capitaneado por Maíra, uma das filhas de Beto Pinto, o produtor da cachaça. Aos que estiverem nesta cidade fica aqui a sugestão de conferir o cardápio feito com muita autenticidade e bom gosto, algo perceptível também na decoração do restaurante. Carnes diferenciadas como a do gado Wangus (cruzamento do nipônico Wagyu como o europeu Angus) e do Java-porco mostram que a gastronomia é algo levado a sério pela família.
  Aproximadamente quarenta minutos de rodovia entre florestas de eucaliptos e canaviais chegávamos na divisa de Caravelas com Medeiros Neto onde mais precisamente fica o alambique. Fomos recebidos pela Sr Lana, esposa de Beto, que junto com as filhas apresentou a sede da fazenda.
  A propriedade Cio da Terra possui como atividade principal a produção e extração de madeira renovável de eucalipto, cana para usinas de combustível e gado como o já citado Wangus. Beto nos contou a relação da região com produção de cachaça, a presença maioritária de produtores ainda informais e também a atividade de estrangeiros na região montando alambiques já preocupados com qualidade.
  A estrutura da Matriarca foi toda concebida a partir da referência mais próxima que possuem em relação à produção de cachaça: Salinas, que fica a 400 km de distância da cidade de Medeiros Neto. Beto bebeu tanto na fonte de Salinas que “importou” um tanoeiro de lá e dessa forma pode dar início a produção dos próprios tonéis utilizando um conceito que trouxera da experiência com o eucalipto: o das madeiras renováveis. Explicou-nos o tempo mínimo para crescimento e corte de espécies como Jequitibá, Imburana e Bálsamo e compartilhou a necessidade de se discutir a renovação de madeiras utilizadas para tanoaria. Tanto na cultura da cana quanto na cultura do eucalipto, as clonagens de laboratório permitem que variedades melhoradas sejam mais produtivas em menor tempo. Mas e no caso das madeiras para tonéis, isso seria possível? Sim, mas segundo Beto, ainda estamos engatinhando no que se refere a produção de mudas nativas clonadas.
Barris de jaqueira da Matriarca
   O projeto do alambique da Matriarca contou com a assessoria de Amazile Biagione Maia, talvez o nome mais recorrente e um dos mais competentes na assessoria técnica de alambiques. Amazile sempre foi uma entusiasta das madeiras nacionais. Beto refletiu que na região a jaqueira sempre foi madeira utilizada para tudo: movelaria, artesanato, construção civil. Como esta árvore costuma ser frondosa, é possível fazer largas ripas com ela. Contou-nos de fazer experiência com as árvores da jaca mole e dura e como esta madeira é rica em tanino. Segundo ele, os primeiros barris eram extremamente rápidos para dar cor e sabor aos destilados armazenados.
Adega da Matriarca

  Além da Jaqueira, Beto possui Imburana, Bálsamo e a prata (aço inox) para comercialização, mas possui também Jequitibá e Louro Canela para “Blendar” a cachaça. Quando pergunto que tipo de fermento utiliza, ele diz: “...agente sempre joga um pouco de amido no início...”. Um de seus objetivos no futuro é utilizar a levedura selecionada de seu próprio canavial. Segundo ele já possui uma centrifugadora para iniciar este processo, mas ainda precisa desenvolvê-lo junto com algum laboratório. 
  A estrutura da indústria é realmente monumental . Sua capacidade de produção é 500mil litros, isto mesmo, meio milhão de litros! Atualmente possuem aproximadamente 320 mil litros armazenados. Chamo a atenção de estar construindo uma fábrica de doces próximo ao alambique. A boa oferta de cana faz com que enverede por outras searas. Segundo ele, o alambique tem que estar próximo ao canavial para que a cana não “viaje” muito.

 A destilação é feita com aquecimento de caldeira, o que lhe confere maior rendimento, higiene e controle de temperatura durante o processo. Realmente um projeto muito bem feito. Quando lhe pergunto em que meses alambicam na região ele diz: “...nos meses sem a letra “r”...” segundo ele por serem mais frios.
 Chamo atenção ao fato de Beto Pinto ser um verdadeiro devoto da cachaça. Na sede de sua fazenda possui tudo que remeta a cultura da cachaça: plaquinhas, réplica de destilador e uma infinidade de rótulos de cachaça, alguns já raridades. Nota-se que as coleções e acervos pessoais são o primeiro passo de muitos produtores de cachaça que 

estabelecem antes de tudo, uma relação afetiva com o símbolo cachaça.
  Em relação aos produtos chamo atenção à sua cachaça prata que possui baixíssima acidez, referência doce tanto no olfato como paladar e um acético comum nas cachaças nordestinas. Uma bela Matriz!
  Como até agora só provei uma marca de cachaça em jaqueira , não posso compará-la com outra, mesmo assim faço aqui algumas observações:

Visual. O produto é translúcido e bem filtrado. Possui um dourado tendendo para o amarelo. Sem colarinho ou a permanência de borbulhas, apresenta viscosidade no rastro do copo que se desfaz rapidamente. Baixa oleosidade;

Aroma. Madeira úmida e folhas úmidas com um pouquinho de aniz encontrado algumas vezes no Bálsamo. A referência da cana fica em segundo plano porém de maneira harmônica (para meu paladar). O bouquet de uma forma geral não é muito ativo, o que intriga o degustador na identificação da madeira e gera a curiosidade de experimentar a cachaça no paladar.

Paladar. Há duas sensações que chamam atenção. Uma é a confirmação do aniz que pode-se confundir ligeiramente com um canela, e outra o “enxuto” que sugere cica de casca de frutas (como casca de goiaba ou cajá manga) também conhecido como nódoa. Esta última sensação sugere algo táctil mas não posso afirmar isto com exatidão. Minhas referências pessoais foram o cipó mil homens, e até mesmo a canela sassafrás, mas muito mais por um certo apimentado do que amadeiramento.

 Provei desta cachaça algumas vezes, não só estudando-a como simplesmente bebendo e outra observação que faço é que sua coloração sugere um amadeiramento intenso, o que não se confirma no paladar. Esta madeira realmente deve ser mais estudada por todos os atores do universo da cachaça.
Aos que estiverem em Teixeira de Freitas, os lugares mais indicados para a compra da Matriarca são o restaurante Sinhô, e o mercado municipal, onde a Matriarca conta com uma loja.

  Agradeço a Beto Pinto, sua esposa Lana e suas filhas pela recepção, acolhimento, atenção e carinho em nos mostrar tudo sobre a Matriarca que ao mesmo tempo pude perceber ser parte da história da família, já que o próprio nome da cachaça é uma referência à mãe de Beto Pinto e à região do descobrimento. Agradeço a Jaqueline Luz, Ananda Luz, Tarsila Luz Matraca e Marcus Matraca pela companhia, incentivo e pelos registros. Agradeço à lena, funcionária da Matriarca, que fez o primeiro e último atendimento passando informações adicionais para viabilizar a postagem. 

Ponta de Areia Ponto Final


Como não poderia ser diferente aproveito para falar um pouco de música e turismo. Aproveitamos a proximidade e conhecemos Prado, Alcobaça e Ponta de Areia, distrito de Caravelas. Esta última chama atenção pelo bucolismo. Parece que visitamos uma cidade mineira na Bahia e essa sensação é fácil de explicar já que a cidade de Ponta de Areia fora por muito tempo a última estação da antiga ferrovia Minas – Bahia. Esta ligação entre os dois estados ainda é muito forte e percebe-se traços culturais do norte de Minas no extremo sul da Bahia. Pena que as estradas de ferro sejam atualmente lembranças de um tempo passado. 
Prado

















Recomendo a visita a região, pelo valor histórico e pela beleza de suas paisagens. Fica aqui a reflexão sobre a viabilidade das estradas de ferro como atrativos turísticos em regiões como essa.


A propósito: Tarsila, o Milton também toca sanfoninha!

(Vídeo de L. martins, 19/07/2014 Ribeirão Preto)

quarta-feira, 15 de junho de 2016

"...Primeiro Chão na Bahia...'

Museu Casa do Rio Vermelho
Nossa próxima viagem é para a matriarca das terras brasileiras: Bahia.
Em dois  diferentes momentos pude conferir, neste primeiro semestre , algumas interessantes novidades neste estado. Posso dizer que não são poucas e para facilitar a leitura, os textos serão publicados  em partes como em um alambique em alusão as fases de produção da cachaça (moagem, fermentação, destilação e armazenamento). Espero que apreciem como uma boa cachaça, aliás acompanhados de uma boa pinga.

Bahia 1° Parte

No Rio Vermelho
Museu Casa do Rio Vermelho













No janeiro deste ano estive em Salvador e as dicas que compartilharei aqui são do universo da cachaça, da literatura e da música.
Acolhido por amigos moradores do bairro “Rio Vermelho", estive a poucos metros da Casa do Rio Vermelho e coloco esta como uma programação indispensável a quem visita a cidade.
A relação do Autor com o Candomblé
Trata-se da residência de Jorge Amado e Zélia Gattai que em uma parceria da família com a prefeitura de Salvador transformou-a em museu. O visitante em um primeiro momento pode achar salgada a entrada para a exposição mas pouco tempo depois desvendará ali verdadeiros  tesouros.
Cartas, fotos, depoimentos, vídeos, roupas,  revelam com maior profundidade  a vida e a obra do autor e o protagonismo de  Zélia, não apenas como companheira mas como autora e mulher à frente de seu tempo. A relação de Jorge e Zélia com a política e com o Candomblé são temas destacados pela curadoria da casa assim como a amizade com o artista Carybé. Um museu interativo, atual, com assinatura  do desinger Gringo Cardia. É uma visita fundamental para quem gosta de literatura, da Bahia, sua gente, sua música e sua história. Diria para quem gosta de cachaça também afinal de contas seja em personagens como Quincas Berro D'agua ou Gabriela (que batiza a cachaça temperada mais famosa do país), a bebida também está presente na obra de Jorge Amado.
a cama do casal servindo de tela de projeção
Em minha trajetória como músico, tive a oportunidade de participar de dois trabalhos abordando a obra de Jorge Amado: o CD  “Músicas para Saudar Jorge Amado” (2013) e o DVD (2015) com a Orquestra Revelia. Os trabalhos fazem uma abordagem musical de algumas  obras do escritor. Uma das faixas inclusive chama-se " No Rio Vermelho " (Luiz Potter) e homenageia a residência de Jorge e Zélia. A partir da visita a este museu foi inevitável lembrar dos companheiros de orquestra e da resignificação de sua obra a partir destes trabalhos.
 Fica a dica da Casa do Rio Vermelho para quem estiver em Salvador e do CD para quem quiser "escutar" Jorge  Amado.





Mercado do Rio Vermelho
No mercado do Rio Vermelho, com ares de mercado central como os de São Paulo ou o Cadeg do Rio de Janeiro, chamo a atenção para a organização e a oferta de produtos de altíssima qualidade. Dentre estes os que mais apreciei foram o café e a cachaça, não coincidentemente ambos originários, em sua maioria, da chapada diamantina.
As lojas possuem apelo turístico e justamente por isso sempre têm alguma cachaça como lembrancinha, na sua maioria marcas já conhecidas como Abaíra e Rio de Engenho. Chamo atenção para a cachaçaria Disfruit Cachaça e Cia. Uma boa variedade de rótulos bahianos que há quatro anos atrás simplesmente não encontrava nesta capital. Ressalto aqui a qualidade do atendimento da loja, assim como o fato de terem oferecido degustação de vários dos exemplares. No mundo da cachaça (assim como outros produtos), se o produto é bom, quem prova, aprova, compra e leva! Esta dica fica para os produtores quando remeterem suas garrafas para as lojas e distribuidoras.

Seleção Bahiana


Completando o time de novidades, sou presenteado pelo amigo Wagner (Niner Bikes) com uma garrafa produzida pela Serra das Almas da qual sou fã. O rótulo todo em inglês (para exportação) é sem dúvida alguma um dos mais bonitos que já vi, e olha que já vi foi rótulo! O nome bem sugestivo para uma cachaça da chapada diamantina: Abelha. É que a região possui largo histórico com produção de mel premiado em feiras e concursos por todo o país.
Rótulo da cachaça Abelha:impecável



Dos rótulos degustados devo chamar atenção para a  Paramirim  e a “Cachoeira do Buracão”. Esta última para os amantes de cachaça branca, uma cachaça cristalina, viscosa, atraente no olfato com referências florais misturadas à lembrança da matéria prima. No paladar uma agradável ardência típica de cachaça branca com a confirmação do floral. Enxuta na língua. Realmente uma boa novidade que certamente estará presente nos futuros rankings e premiações, podem anotar. 

Exercitando a degustação
 As cachaças do nordeste apresentam uma estética que precisa ser considerada com mais autenticidade por nós que somos do sudeste. Comparar uma boa cachaça branca do nordeste com uma boa do sudeste ou sul é um ótimo exercício para observar nuances que podem ser recorrentes em cachaças a partir de um recorte regional. Além disto serve para mostrar que  se no aroma os tons de frutado, ervas e legumes, cítricos e até acéticos são diferentes, imagine no paladar! Isto porque não temos um caldo de cana igual em todas as regiões do país. Com isto os processos de fermentação (sem falar no fator humano, destilação, madeiras...) se modificam. Mas e se tivéssemos um caldo de cana igual ao outro nas diferentes regiões do país? Tem muita gente pensando nisto.
 É polêmica a história de alguns pesquisadores e produtores em relação à pasteurização do caldo de cana para a produção de cachaça. Sabemos que ações como esta vêm acompanhadas de um pacote tecnológico que significa uso de leveduras selecionadas, destiladores com refluxo cada vez maiores (deflegmador), padronização com água desmineralizada dentre outras ações que visam maior qualidade e salubridade do produto sim, porém mais rendimento na produção. Tenho cá meus tradicionalismos em relação à pasteurização de caldo pois acredito que as bactérias são fundamentais ao flavor de qualquer produto fermentado mas para isso é importante que o produtor tenha os padrões de higiene respeitados e saiba buscar junto com seu agrônomo ou engenheiro químico responsável a melhor maneira de controlar fermentações indesejáveis (acética em excesso, butírica, levânica...). Acredito que este será um assunto protagonista do universo da cachaça em breve.

  A Chapada Diamantina
Cabe lembrar que a região da chapada diamantina  na Bahia é composta por várias cidades e é territorialmente muito grande. No caso da cachaça trata-se de uma dessas micro regiões brasileiras que se destacam pela quantidade de produtores e ultimamente pela qualidade. Fiquem atentos pois assim como o Brasil tem descoberto o brejo paraibano ouvirá falar cada vez mais da cachaça da Chapada Diamantina. Um rótulo fundamental para os amantes da cachaça é a Serra das Almas que possui um bom exemplar de envelhecimento em Garapeira e uma branquinha que é para mim uma das melhores do Brasil.
Serra das Almas: referência nordestina

No ano de 2012 em viagem à chapada diamantina (Vale do Capão, Vale do Pati, Zabelê/ Iraquara) tive a oportunidade de relatar neste blog um pouco do universo da cachaça em um pequeno pedaço desta região. “Abaíra ou Zabelê” , "Descobrindo Zabelê- Sr Daniel” são textos que podem ser conferidos aqui no blog com apenas um click. Confiram a riqueza de sua experiência com produção de cachaça, rapadura e destiladores (alambiques).

  Continuaremos nossa viagem na próxima postagem, desta vez na região do extremo sul da Bahia.