domingo, 11 de agosto de 2013

Outros Tambores (Candombe Mineiro)

Os Tambus
Os que leram a última postagem puderam conferir o tambor de crioula do Maranhão além da devoção de mestre Amaral à São Benedito.
Descendo do Maranhão para Minas Gerais chegamos ao município de Lagoa Santa a pouco mais de setenta quilômetros de Belo Horizonte, onde fica a Serra do Cipó muito conhecida pela beleza de suas cachoeiras e por uma atração folclórica que movimenta o mês de setembro: A festa do Candombe.

O Candombe é uma manifestação folclórica típica da Serra do Cipó em Minas Gerais, não tendo, à princípio, relação com o Candombe uruguaio, apesar da origem africana. Assim como o Jongo ou “Caxambu” (presente nos demais estados da região sudeste) possui semelhanças que sugerem sua origem a partir do mesmo grupo africano Bantu. Além desta característica podemos citar outras semelhanças com o jongo:

a)     Ambos relacionam poesia, dança e canto com tambores esculpidos em troncos de árvores , os quais comumente são afinados à fogo (à exemplo do tambor de crioula);
b)    As metáforas presentes nos versos ficam próximas das adivinhas, formas muito presentes na África Bantu;
c)     A apresentação dos versos pelos cantores pode sugerir teor de desafio, onde um fica com a tarefa de decifrar o verso do outro;
d)    Os eventos onde acontecem estas manifestações geralmente são cerimônias que envolvem a comunidade e possuem alguma relação com o mundo espiritual;
e)     Estas cerimônias se iniciam com a saudação aos tambores, que são considerados sagrados e saudação aos antepassados e entidades do mundo espiritual; com oferta de cachaça à estas;
f)     A referência aos “Carreiros”, boiadeiros que lidam com bois de cangalha ou de carro-de-boi presentes nas letras e rimas dos versos.

Observa-se que algumas destas semelhanças não se restringem apenas ao Candombe e Jongo, indo ser encontradas como já explanado, também no tambor de crioula.
    Encontramos no trabalho acadêmico do etnomusicólogo Paulo Dias algumas justificativas históricas para as semelhanças:

“O catolicismo negro-confrarial, presente já no século XV em Portugal, firmou-se no Brasil Colônia como única porta de entrada para escravizados e libertos negros se inserirem estrategicamente numa sociedade dominada pelos brancos, notadamente por ocasião das festividades públicas oficiais e religiosas, onde desde o século XVII são relatados os cortejos dançantes de negros, as congadas, tratadas pelos cronistas da colônia como “diversão honesta”. No interior de instituições importadas da Europa, as Irmandades Leigas, africanos e seus descendentes desenvolvem uma forma de catolicismo que se constitui em sistema religioso incorporando à devoção aos santos católicos – Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Ifigênia – elementos do culto bantu-africano aos ancestrais, manifestado seja na presença dos Reis Congos, casal de representantes das linhagens reais africanas rearticuladas simbolicamente em terras da diáspora, seja na invocação de ancestrais escravizados – os pretos velhos, e divindades bantu como Calunga e Zâmbi.
O Candombe é reconhecido pelos membros das irmandades de Nossa Senhora do Rosário de Minas como sua manifestação cultural mais antiga, germinal, depositária dos mistérios do sagrado, e a manutenção de seus traços originais torna-se ponto de honra nessas comunidades.” (trecho do artigo publicado no livro Culturas e diásporas africanas- organização Cláudia Regina Lahni et al.Juiz de Fora:Editora UFJF, 2009)


Café na cozinha da Dona Mercês
Estive no município de Lagoa Santa - MG em setembro de 2012 fazendo um trabalho de pesquisa junto  a outros integrantes da “Orquestra Revelia” após um primeiro semestre comprometido com a gravação do álbum "Músicas para Saudar Jorge Amado". Nossa missão era conhecer e registrar “in loco” a  música do Candombe. Procurando música encontramos muito mais.

É importante lembrar que esta manifestação ocorre em alguns lugares da Serra do Cipó e estivemos na Comunidade do Açude que é uma comunidade quilombola. Fomos muito bem recebidos na pessoa de Dona Mercês e suas filhas que atualmente são quem  “gerem” o evento. Acampamos em seu terreno que costuma receber muitos visitantes, pessoas interessadas em conhecer o candombe e que estavam ali pela primeira vez ou simplesmente voltavam para rever os amigos do Açude. Na oportunidade os tambores (ou “Tambus” como são conhecidos) completavam simplesmente duzentos anos segundo os moradores do Açude.
Encontramos uma comunidade muito bem organizada com laços familiares fortes onde as mulheres desempenham papel de liderança. Outro elemento que chama muita atenção: as crianças da comunidade brincam com música. Brincam de imitar os versos dos adultos, a forma de cantar destes,  de construir diferentes rimas, misturam as letras e melodias conhecidas com versões próprias e com isso inconscientemente perpetuam a música do candombe mineiro. Percebi que a rotina da comunidade parece ser medida pelo trabalho.  Durante o período em que estivemos na comunidade, todos os afazeres tinham relação direta com a festa do Candombe: descascando aipim (mandioca), ascendendo um forno, varrendo o chão de terra, alimentando as galinhas ... todos trabalhavam.

Preparativos

A festa se inicia com uma reza, à exemplo de algumas ladainhas presentes no interior do país (no Maranhão também é muito comum). Depois disto têm-se o hasteamento da bandeira de Nossa Senhora do Rosário. Enquanto isto os tambores estão sendo aquecidos na fogueira. Inicia-se a festa com os cantores versando e os tambores sendo tocados com acompanhamento de instrumentos de corda, que quase não são ouvidos.
No meio da cerimônia há a aparição de uma representação de um boi colorido adornado de chita que passa assustando à todos principalmente às crianças. A festa tem um intervalo para que todos se alimentem e depois volta com os versadores até os primeiros raios do dia.
Do ponto de vista musical, é interessante ver a função desempenhada por cada um do trio de tambores, as convenções rítmicas e outros meios de comunicar o início e o fim de uma música. Os moradores do açude parecem lidar muito bem com a quantidade de pessoas que os visita para festa e se tornam verdadeiros protagonistas da cerimônia.

A Cachaça

 Como não poderia ser diferente faço aqui uma menção à Cachaça. Esta acompanha o evento do início ao fim. Como a casa de Dona Mercês estava muito cheia a cachaça era servida em um filtro de barro, portanto cada um pegava seu copo e se servia, com o acompanhamento de caldo de feijão, bolo de milho, café ou bolo doce (comum). A cada ano a festa recebe mais gente e chama atenção pela receptividade de todos, para aqueles que estão hospedados na comunidade ou para aqueles que são apenas turistas curiosos.



Alambique do Sr. Vivi
Tive a oportunidade de visitar apenas um alambique na região, perto do armazém mais famoso da cidade. Armazém mesmo, daqueles de soleira de tronco de árvore e balança no balcão, onde se acha boa cachaça (a maioria vem de Conceição do Mato Dentro), queijos e doces.

Roda d´'água toda em madeira
Cochos de fermentação
Armazenamento
Parol de envelhecimento
O Administrador do alambique é o Sr “Vivi” que abriu as dependências mesmo sem estar em funcionamento. Os donos não estavam presentes e na oportunidade Sr Vivi disse que a produção estava interrompida. Muito interessante as instalações onde se percebem artefatos de um modelo de alambique cada vez mais raro, com roda d’água, paróis de armazenamento, dornas e cochos de fermentação cavados em tronco. A impressão que temos é de estar em um museu que guarda as características do modo de produção da bebida ainda no período colonial. Ressalto que sob a intenção de modernizar e regulamentar sua produção (o que é louvável), muitos donos de alambiques têm destruído registros como este, sem se preocupar com o valor histórico destas construções.






Serra do Cipó

As Cachoeiras

As cachoeiras que visitei, principalmente as de dentro do parque nacional da Serra do Cipó, chamam atenção pela beleza e pela diversidade de tons de cor que a água reflete.  Diferentes cachoeiras com tons de verde, azul e até avermelhado. 

Fora do parque algumas cachoeiras e poços estão localizados em áreas particulares, ou que estão prestes a se tornar particulares, o que impede o livre acesso das pessoas  ou que se tenha que pagar uma taxa ao dono da propriedade. Aqueles que frequentam balneários no país têm visto se multiplicar este tipo de comércio que se servisse para a preservação ainda teria algo de positivo. Infelizmente alguns donos destas terras simplesmente cobram do turista uma taxa e não revertem nada para a preservação da atração (vi muito disto no complexo de cachoeiras da Zilda em Carrancas também em Minas Gerais e na cachoeira da Pratinha, Chapada Diamantina-BA)        
 Recomendo uma visita à região, pela Música (Candombe), pelas belezas naturais (cachoeiras e parque nacional), pelos sabores (cachaças) e pelas pessoas (a comunidade do açude é muito especial). E precisa mais motivo?
Agradeço aqui aos companheiros de viagem da Orquestra Revelia (amizade e tambores são tocados com o carinho das mãos), que compartilharam comigo destes momentos e cederam estas imagens. Agradeço à comunidade do Açude, pela gentileza e recepção afável e por que não....à Nossa Senhora do Rosário!

Dona Mercês 

“(...) quem for lá no açude, guiado por tambor
    sobe o mastro e a bandeira, desce flor
     Êh boi passa e assusta
     menino corre não
     ao candombe do cipó minha canção
     à Senhora do Rosário
     minha Oração(...)”

     (Thiago Pires, Candombe do Cipó, 2012)