terça-feira, 5 de março de 2013

Maranhão: longa história com cachaça




Porta do Memorial da Família Macatrão. Brejo-MA
Depois de longo e tenebroso verão volto ao blog. Minha última viagem percorreu dois estados muito próximos entre si e parecidos, embora guardem suas particularidades na arte e nos sabores. Estive de 25 de dezembro a 10 de janeiro no estado do Maranhão percorrendo os municípios de São Luiz (capital), Alcântara, São José de Ribamar, Santo Amaro e Brejo. Desta última fui à Parnaíba, Luiz Correa e Teresina no Piauí ficando neste estado 5 dias.
Moenda. Memorial da Família Macatrão. Brejo-MA
  Minha relação com o Maranhão é transcendental. Sou o verdadeiro “marioca”. Filho de maranhenses nascido no Rio de Janeiro. Há oito anos não visitava o estado e senti muita necessidade de me reabastecer com a nordestinidade desta terra.
  Como não poderia ser diferente, já começara a pesquisar sobre as cachaças do estado ainda aqui no Rio de janeiro. Procurei as regiões produtoras e possíveis marcas registradas, ou se não registradas, com uma procedência confiável.  Com rótulo só achei a “Azulzinha Maranhense” que é de fato uma cachaça com o rótulo azul e registro no ministério da agricultura, infelizmente não consegui comprá-la. No único restaurante que a vi disponível fui informado de que era apenas para “decoração”. Este tipo de desconhecimento no atendimento, no apresentar da cachaça, só desanima aqueles que dependem da divulgação para manter o negócio. Todas as demais cachaças que encontrei não possuíam rótulo. Apesar da história das aguardentes do maranhão ter como protagonista a Tiquira (destilado de mandioca) e este ser praticamente o único estado que produz esta bebida, me impressionei com a produção de cachaça da região conhecida como baixada maranhense. Santo Antônio dos Lopes, Penalva, Brejo, Santa Inês, dentre outros municípios, produzem cachaças que são consumidas na própria localidade e só quando sobram  chegam em São Luiz. Pelo período que estive e pelos hábitos locais que observei a cachaça é tão ou mais consumida que a tiquira, que representa mais o lado folclórico da produção de aguardentes do Maranhão.
Destilador de Cobre com Serpentina. Memorial da Família Macatrão. Brejo- MA
  É triste mas importante denunciar a falta de idoneidade dos produtores/ atravessadores  que naturalmente misturam os mais diversos produtos nas aguardentes para que estas tenham rosário (p. ex. : sabão em pó), tenham maior rendimento(água) ou que sugiram a infusão com a folha de tangerina (p. ex. : anilina). A população se refere a estas como cachaças “manipuladas” que são mais uma página da omissão do poder público do estado no que se refere ao controle do que se compra, vende e consome no estado.  As normas de higiene ainda são assunto tímido nos processos de produção de Cachaça, Farinha e Tiquira desta região. Lembro que a farinha da mesma maneira que a cachaça, é culturalmente presente em todas as regiões do país, merecendo também ser resignificada e respeitada já que está presente no prato do brasileiro com diversas variações regionais( farinha de mesa, farinha d'gua, misturada com côco...). Percebi algumas Tiquiras com alguma preocupação de apresentação e qualidade como a "Magu" e a "Tiquira da Fazenda" de Barreirinhas e que apresentava em seu rótulo informação de estar de acordo com as normas laboratoriais do MAPA(Ministério da Agricultura), mas foram as únicas iniciativas.
  É interessante perceber que a própria população tem conhecimento do nível de qualidade do produto que consome a medida que esteja mais próximo do produtor. Mesmo quando sabem que a cachaça é adulterada continuam consumindo-a sem ter na maioria das situações, noção dos possíveis malefícios que estas bebidas podem ocasionar. Esta situação é realmente alarmante!
  Surpresa foi saber que parte da família de meu pai havia produzido cachaça no distrito de São Roque no município de Brejo. O equipamento de destilação e a moenda estão atualmente expostos juntos com outros utensílios como fôrmas de rapadura, tachos, carro de boi contando a história da família e de certa forma a história da vida privada no Brasil de cem anos atrás. Tudo isto exposto no memorial da família Macatrão, obra cuidadosa de tio Roque Pires Macatrão que merece visita aos dispostos a ir à Brejo.
  Saí de Brejo rumo ao Piauí com desejo ainda maior de conhecer a parte sul do Maranhão. Por suas cachoeiras (chapada das mesas) e pela fama de suas cachaças. 
  Quanto à música do Maranhão? Esta é uma dose que será degustada exclusivamente em postagem futura onde falarei do Tambor de Crioula de Mestre Amaral e sua forte relação com São Benedito. Aguardem a próxima alambicada!

Piauí: uma agradável surpresa



Rótulo da Cachaça "Lira"


A Lira e sua história
 
Em se tratando de cachaça, o que conhecia do Piauí era a “Mangueira” e a “Lira”. A primeira se encontra facilmente em qualquer supermercado de Teresina ou Parnaíba, a segunda não. Procurei muito a Lira só vindo encontrá-la para venda no centro de artesanato de Teresina. Bebi da Lira em uma praia chamada “praia grande”. Com um sol daqueles, eu e meu camarada Vítor Medeiros matamos quatro doses. E realmente é uma cachaça que merece atenção. Persistência de pequenas bolhas, tom amarelo tendendo a dourado âmbar e viscosidade de marcar o copo. No nariz a lembrança de amêndoa verde beliscada com a unha (ou madeira verde). O Rótulo só se refere a “Armazenada em tonéis de madeira”, mas ao que tudo indica é carvalho, ainda que possa ter outra madeira. Uma cachaça com acabamento requintado quando comparada às demais, principalmente quando comparamos com a famosa Mangueira. Realmente a Lira (a autêntica cachaça de Amarante ,como diz o rótulo) com sua história (desde 1889) se destaca como uma agradável surpresa das cachaças nordestinas que tive oportunidade de degustar (40° Gl). 

Rótulo da Lendária "Mangueira"

Cachaça Siri


    No Aeroporto de Teresina tive a oportunidade de conhecer a Sra Anísia, nome sugestivo no mundo da cachaça (não tinha como não lembrar do Sr.Anísio Santiago). Sua loja foi a maior referência de cachaças do Estado do Piauí (em diversidade de rótulos). Estado que como o Maranhão guarda mistérios arqueológicos, mitos e lendas  e que  também precisam ser lembrados  por sua importante história na Cachaça do nordeste. Recomendo aos amantes da cachaça uma visita à loja.


Cachaça Magnitude (honestíssima surpresa)

Cachaça Tapuia

Cachaça Concebida
Contra- Rótulo da Concebida
  Já no Rio pude apreciar a “Magnitude” (A mais pura do Piauí segundo o rótulo), esta cachaça já teve o nome de Magnífica, e atualmente atende por  “Magnitude”. A cachaça branca, muito característica, lembrando um pouco a Rainha-PB, mas muito mais suave.  O mesmo aconteceu com a ouro que também sugeriu o carvalho e se mostrou com bom acabamento.
  Confesso que não esperava encontrar cachaças tão interessantes no Piauí, mais um motivo para voltar à terra da Cajuína.
  Encantei-me com a magnitude, cachaça, e com a magnitude das cachaças do Piauí.

Encerro com este poema de Torquato Neto
Rótulo da Cachaça "Castelense"

Teresina:
Ausência
De uma presença...
Presença
Da mesma ausência...
Só memória na memória
Sempre viva
Só saudade... só distância...
Só vontade....
e um ardor medonho no peito.
 Rio, 23/08/1962



Thiago Pires