quinta-feira, 20 de setembro de 2018

...Por ser de lá, do sertão, lá do Cerrado, Lá do Interior do Mato...


Como alguns sabem e acompanham sou músico. Sim artista e muito interessado pela cultura brasileira. Muito do que vejo de potencial de minha terra passa por um olhar cultural e não seria diferente não ter a Cachaça como uma bandeira.

É muito difícil falar da “Cachaça Brasileira”. São cinco regiões com questões próprias e algumas comuns.

Lembro da vez que Leandro Hilgert apresentou sua Harmonie Schnapps no Rio de Janeiro. Alguns afirmavam que a cachaça não teria potencial de crescimento pela estranheza do nome. Vejo poucas cachaças crescerem tanto em um mercado tão competitivo quanto esta e certamente aquilo que foi alvo de críticas foi no mínimo uma homenagem de seu produtor a sua cidade de colonização alemã (Harmonia-RS) que ainda hoje tem boa parte da população falando a língua germânica. O Brasil não conhece o Brasil mesmo.

Leandro Hilgert é desses que mais que fazer cachaça também levanta bandeiras, uma delas a da agricultura familiar.

Um fato é que a Cachaça ainda é feita em 99,99% na roça. Sim na zona Rural. Algumas comunidades, distritos que sequer estão no mapa geográfico onde o tal Google que tudo sabe, não chega ou chega muito mal, e olha que muita coisa melhorou neste sentido.

Aliás o Brasil têm uma herança rural enorme. A feijoada nasceu na roça, a caipirinha, o samba, o forró, a cana que aportou no litoral logo foi pra roça. Como diz Djavan e Herbert Vianna em Uma Brasileira “... somos do interior, do milho...” milho este que também têm sido alvo de críticas quando o assunto é fermentação de cachaça.

Neste sentido o povo Brasileiro sabe que as melhores cachaças ainda estão nos interiores por uma questão numérica. Isto sem falar dos laços afetivos. Sim costumo ganhar cachaças sem rótulo e acho que não sou o único né! Procurando saber quem são seus produtores e sua procedência fui conhecendo ainda mais este país e acho que não sou o único né!

É nestes interiores que a informalidade não existe só para a cachaça. Relações comerciais são informais, de confiança (nem tudo é assinado em cartório) são informais, estradas e rotas são informais (asfalto?), profissões e ocupações, vagas de trabalho...aliás isto não é algo que só exista no Brasil, mas nosso tamanho amplifica tudo, mesmo aquilo que é pequeno em outros países.

Certamente uma estratégia para a identidade da cachaça passa por assumir nossa identidade roçeira, ou rural, com suas ressalvas, mas com a particularidade de nossos sotaques e regionalismos “...entre o matuto, caiçara, caboclo eu prefiro é ser caipira...” Thiago Pires em “O que é a música Sertaneja?”.
Quando leio matérias sobre informalidade no setor da cachaça lembro-me da mais emblemática peleja no mundo dos alimentos que foi a do Queijo Canastra, que hoje felizmente têm sua comercialização autorizada fora do estado de Minas Gerais e que tanto acompanha refeições de brasileiros país afora. Acredito que este tenha sido um “ Case de sucesso” ou ufanísticamente falando, um “queijo de sucesso”.

Sabemos que a cachaça em seu processo de produção pode gerar vários compostos considerados tóxicos à saúde humana.  Contaminação por excesso de cobre, chumbo, álcoois superiores, excesso de acidez volátil, metanol, Carbamato de Etila e por incrível que pareça, o Álcool ainda é sabidamente o mais malévolo.

A cachaça com registro no ministério da Agricultura possui o crivo de ter passado por uma análise laboratorial do produto e ter tido a unidade produtora inspecionada por fiscais deste ministério. A informal em boa parte não passou por qualquer tipo de controle, mas isto não significa que não existam produtores informais que adotem também procedimentos de boas práticas. Aliás, se conseguem fazer algo consumível é graças a essas práticas (cortes fracionados na destilação e alimentação lenta de dornas de fermentação são práticas muito antigas por exemplo). Devemos salientar que no universo das cachaças informais estes produtores são minoria porém crescem a cada dia.

Há que se salientar que a produção de cachaça nos moldes da lei, formalizada, se mostra onerosa para a maioria dos produtores que herdando uma tradição familiar e tendo seu público alvo nas próprias localidades acaba por entender a informalidade como uma realidade. Note que a palavra não é clandestinidade, pois esta última traz em sua semântica o anonimato coisa que muitos produtores informais, não tem. Lembro que mesmo entre os especialistas é sabido de produtores sem registro no MAPA, com laudo laboratorial aprovado na maioria de seus itens.

Aos produtores que podem modernizar sua produção, pagar assessoria técnica, pagar pelas análises de lote, ótimo! Estes são nosso orgulho mesmo e acompanhamos os dragões que têm enfrentado mas precisamos ter o cuidado de ao criticar a informalidade não marginalizar ainda mais aqueles que já são marginalizados.

Lembro ainda que em um momento sensível de nossas instituições públicas vemos a situação de fragilidade pela qual passam os técnicos do ministério da agricultura, que sem concursos para pessoal, precisam dividir seus recursos humanos agora com uma crescente e promissora produção de cerveja também informal e que têm achado seu espaço.

Se por um lado os atores do setor cobram do “Governo” o entendimento da importância econômica, cultural, histórica, de nossa bebida, é importante também que saibam reconhecer a importância dos informais na economia informal (às vezes chamada de “empreendedorismo”),na transmissão de valores culturais e históricos para com isso criar políticas de inclusão dos informais.

A melhor maneira de combater a informalidade é a mesma não valer a pena, é criar mecanismos para que os informais se tornem legais e não criminalizá-los ainda mais. Neste sentido fica aqui a sugestão da criação de uma política pública de equipamento dos Institutos federais e outros centros acadêmicos de ensino de química com unidades básicas de análise de cachaça (laboratórios). No mundo das parceiras público-privadas isto pode ser feito em parceria com empresas de maior porte e de alguma maneira, beneficiar os de menor porte com no mínimo uma análise laboratorial mais elaborada.

Se a cachaça possui compostos que podem ser danosos à saúde humana, a política pública que se cria passa por um viés de saúde pública já que a cachaça ainda é a bebida destilada mais consumida no país.

Como exemplo de uma ferramenta inclusiva lembro do kit de análise de Cobre e Acidez desenvolvido pela Dra Amazile Biagioni Maia. Esta ferramenta não substitui uma análise laboratorial mas considerando nossa realidade permitiu e ainda permite que produtores legalizados e informais possam em campo, ter consciência da eficiência de sua produção nos itens propostos (cobre e acidez) de uma maneira rápida e acessível. Há que se lembrar do filtro de Resina Cátion- Íon como outra ferramenta capaz de atender a uma das exigências que lembro aqui, não são inatingíveis mas se mostram difíceis sem assessoria técnica básica.

Por último saliento aos produtores de cachaça a importância da organização e cooperativismo lembrando que mais um parceiro sócio-pequeno formal a seu lado beneficia muito mais à todos do que um concorrente informal. As leveduras trabalham em conjunto!

Aos demais atores do setor que entendam sua importância ao valorizar elementos culturais do universo da cachaça que, como intangíveis, são nosso maior patrimônio.

Um abraço Forte como cachaça
Thiago Pires