Depois de longo e tenebroso inverno, volto ao Musicachaça com novidades. As atividades de
produção da “Tio Anastácio” cobraram um precioso tempo me
afastando das postagens, mas permitiram adquirir novas experiências
e sobre este assunto falarei em outro momento exclusivo.
Ainda no mês de junho especulava diferentes temáticas a abordar
no blog . Tentava escrever algo diferente e depois de avaliar
algumas temáticas decidi sobre o rei do Baião, tão em voga por
conta de seu centenário. Estava sob o efeito dos festejos juninos já
que além das festas de escola, de rua, e da pequenina que fazemos
por conta do aniversário de Dona Ray (minha mãe) também passamos a
contar com as erupções do Tarcísio e seu forró no Arpoador.
Somou-se a esta decisão a experiência de ter tocado o repertório
do Sivuca com a querida OSPA (Orquestra de Sopros da Pró-Arte) em
Belo Horizonte no dia 24 de junho, no Festival da Natura. Experiência
única para jovens músicos também porque cruzamos no hotel com
grandes PERSONAGENS da música brasileira. Não é todo dia que Naná
Vasconcellos segura a porta do elevador para você passar com suas
bagagens (e isto aconteceu comigo mesmo!), e que se cruza nos
corredores com Hamilton de Holanda, Roberta Sá, Tom Zé...só não
consegui ver Gilberto Gil, quem só veria tocando mesmo.
O show do Gil, com participação do também especial Marcelo
Caldi, foi uma festa de São João pelo dia, pela música, e de
aniversário, já que a plateia, repetidas vezes, cantou parabéns a
Gil. Este show teve ainda uma participação “fantasmagórica” de
Luiz Gonzaga – uma projeção em holograma que colocou Gil e Luiz
Gonzaga tocando juntos. Realmente emocionante este dia em que abri
uma “Chico Mineiro” para acompanhar a tímida friagem de BH.
Os 70 anos completados por Gil me iluminaram a cabeça: Luiz Gonzaga
faria 100 anos dia 13 de dezembro, dia de Santa Luzia. Portanto
quando Gil nascia, Luiz Gonzaga abria as portas da Música Brasileira
empunhando uma sanfona com roupa de gibão. E porque não juntar os
dois mais uma vez, agora no Musicachaça?
Como vou dividir esta história entre o Gil e o velho “Lua”
entro no mérito de observar que não há como falar de Gil e não
ser eclético. Bob Marley e Luiz Gonzaga convivendo tranquilamente em
um repertório que mostra que tanto o Reggae quanto o Baião, vem
debaixo do barro do chão. E estas são referências não só para
mim mas para tantos outros. Faço questão de lembrar que se hoje
temos algum movimento “Reggae” no Brasil, este deve muito também
a Gil, mas esta é outra página.
A relação próxima entre Gil e Luiz Gonzaga é explicada por Gil
originada de sua infância em Ituaçu -BA e que fez inclusive com que
seu primeiro instrumento harmônico de estudo, fosse um acordeom, a
exemplo de Moraes Moreira, outro desses PERSONGENS que imprime no
Violão uma pegada muito própria. Luiz Gonzaga e Gil se
aproximariam musicalmente ainda mais com a convivência de Gil com
Dominguinhos, herdeiro musical direto de Gonzagão e grande fonte de
sucessos interpretados por Gil (Eu só quero um Xodó, Tenho Sede,
Abri a Porta...) que o acompanhou sobretudo no “Refazenda”.
Nisto me pego observando a frase da introdução de “Eu só quero
um Xodó” que de tão genial quanto a do “Sitio do Pica Pau
Amarelo” dispensam letra, mostrando a riqueza melódica e rítmica
destes trechos. O mesmo acontece com “A novidade”, “Esotérico”,
“Palco” e tantas outras. Gil entende a voz de maneira realmente
muito musical, não apenas melodicamente, mas ritmicamente a exemplo
do que faz “João Bosco” com seus falsetes afinadíssimos ou
Bob Macferrin em outras cercanias. Nota-se isto nas interpretações
do velho Lua em “Vem morena”, “
Apologia ao Jumento” onde
imita um burro dizendo: “Seu Luiz, comi do seu milho...e como,
como, como...”. É bom lembrar que na letra estas palavras também fazem seu
sentido como na missa do vaqueiro com “Tengo lengo, tengo lengo,
tengo lengo, tem” ou
Fogo Pagô onde imita o canto da pomba
de mesmo nome.
Só sendo forte como um vaqueiro para abrir a Mata fechada (como a
caatinga) da música popular da década de cinquenta, que tocava os
cantores da Rádio Nacional em
sua época de ouro, com a ascensão de nomes do choro, de
gêneros parecidos com os sambas cantados por Carmem Miranda ou
influenciados pelas orquestras americanas, os quais não cogitavam um
artista que cantasse o sertão com ritmos sertanejos.
É bom lembrar que “Luar do Sertão” de João Pernambuco,
registrada por Catulo da Paixão Cearense (que era maranhense!) é
uma seresta com estética de modinha. A música rural nesta época
estava presente de maneira tímida no rádio graças à música
interiorana de São Paulo principalmente. Pois bem, esta mesma rádio
nacional viria a aplaudir Luiz Gonzaga com “Vira e mexe” em 1941,
um ano antes do nascimento de Gil.
Luiz Gonzaga, na minha singela opinião, é o principal personagem
da história da música nordestina, que possui tantos outros
conhecidos apenas regionalmente ou ainda pouco conhecidos. O
nordeste cantado com a estética nordestina precisa ser lembrado
junto com nomes como João do Vale, Jackson do Pandeiro, Capiba e
Sivuca. Outros existem, como o próprio Gil, mas os figurões
citados são básicos e por isso são indispensáveis.
Gil, fui conhecendo...assistindo na televisão, na escola, na
“Novidade” de Herbert Vianna ou punk da periferia “...sou da
freguesia do ó óooooo..”. Escutei pela primeira vez “Madalena
entra em beco e sai beco” interpretada pelo Skank. Ainda hoje vou
conhecendo-o como aconteceu com o “João Sabino”, “Sandra”,
“Jurubeba”...
Luiz Gonzaga é herança de família. Não esqueço tantas vezes
que o escutamos quando meu pai morava em Araruama-RJ, tantas vezes
que ríamos com a “Apologia ao Jumento” ou o “ABC do Sertão”.
Aprendi ali a respeitar Januário e o “Lua” de tabela. Passei a
me orgulhar de minhas raízes nordestinas naquela época, e que
floresceriam mais tarde nas idas aos forrós do “Olha a pisada”,
“Paratodos”, “Forróçacana” dentre outros grupos que pude
escutar, do semente da Lapa ao Malagueta de São Cristóvão. Passei
inclusive a respeitar um pouquinho mais o próprio jumento que “É
nosso irmão quer queira ou quer não”que como diz Luiz Gonzaga
“...ajudou o homem, ajudou o Brasil a se desenvolver...”.
Orgulhei-me do parentesco com o tio
Alcir Campello, antigo sanfoneiro
da cidade de Codó- MA . E entendi que o “Baião” do qual Gil apresentava como “an
exotic style from northest” no seu ao vivo em Montreaux, nunca me
soou exótico, pela intimidade que adquiri desde minha infância.
Aliás, quer algo mais Pop e vanguarda que um vaqueiro de óculos
“Rayban”?
Esta postagem se encaminha para o fim com a máxima experiência
que tive ao cantar junto com o próprio Gil a música “De onde vem
o baião”. Quando comecei a escrever este texto ainda em junho,
nem sonhava com esta possibilidade. É dessas coisas que acontecem,
como diz Bob Marley “há um místico natural pairando no ar”, só
assim consigo justificar minha experiência: mágica, mística.
Aqui os meus agradecimentos à orquestra de sopros da Pró Arte,
que me proporcionou esta experiência ao homenagear a obra de Gil no
espetáculo Ituaçu. Ao Gil por sua generosidade ao mostrar de onde
vem o baião. Ao velho “Lua”, por ter criado e plantado esta
árvore que se chama “Baião”.
De onde vem o Baião? Vem debaixo do barro do chão!