sexta-feira, 31 de maio de 2019

A Cachaça Salinas

Sede do engenho da família Medrado


Continuo a expedição na gentil carona cedida pelo pessoal da Acqua Mineira. Um paulista, uma mineira, um mineiro e um carioca procurando alambiques para visitar na capital nacional da cachaça. Rumamos no sentido Novo Horizonte. Passamos na porta da fazenda Havana em direção à cachaça Salinas.

Sempre fui fã da Salinas. Gosto do teor de amadeiramento embora ainda sinta falta dos originais 45°GL que me fizeram apaixonar. Hoje a Salinas carrega 42°GL, um portfólio que inclui ipê, umburana, carvalho, a cristalina/prata, a mix (para caipirinha), o tradicional bálsamo e muita tecnologia.

A cachaça é produzida pela família Medrado que praticamente em trinta anos se tornou referência em Salinas e que por carregar sabiamente o nome da cidade se tornou referência no mundo da cachaça.

Somos recebidos por Jéssica (ou rebeca..kkk) para a visita guiada. Inicialmente assistimos um vídeo introdutório em uma sala de projeção que curiosamente fica dentro de um imenso tonel. A estrutura e o preparo para receber os visitantes me fez recordar do passeio à vinícola Aurora em Bento Gonçalves- RS. O receptivo que você respeita!



Devidamente vestidos de capacete e jaleco conhecemos a estrutura monumental, dez destiladores, uma adega que mais parece um viveiro de incubação de novas madeiras, incluindo armazenamento em madeiras como eucalipto, roxinho dentre outras pesquisas. A área de envase com uma traquitana gigantesca que praticamente sem contato manual permite o envase de diferentes tipos de garrafa. Como toda a produção da cachaça Salinas é rastreada, não é permitido fotos com foco. É muito impressionante pois absolutamente tudo possui código de barras. Das estantes aos barris passando pelas caixas de papelão e garrafas, tudo é rastreado.
Bálsamos da Salinas

Subimos ao restaurante da Salinas e lá uma dupla de violeiros rouba minha atenção para a primeira paixão, a música. Porque será que a Salinas é esse sucesso? O clima acolhedor em torno do fogão à lenha e da churrasqueira com moda de viola, pode ser apenas uma das explicações.


Conversamos com um xará, Thiago Medrado, que de forma acolhedora nos abriu a mesa para um almoço, regado a caipirinhas e música Caipira com Salinas.

Thiagos: Pires e Medrado


Recomendo bastante a visita à Salinas pois ao unir o tradicional (ainda fermentam com milho) à automação com novas tecnologias, eles mostram que o Brasil tem potencial para produzir cachaça de qualidade com quantidade sim, lembrando que para ser grande é preciso começar pequeno.

Dornas de Fermentação da Cachaça Salinas


Saímos de Novo Horizonte voltando para Salinas. Como estava hospedado distante do centro decidi não voltar para o hotel e ficar direto para o festival. Ainda pude rodar um pouco pelos bares da cidade na companhia de Sérgio da cachaça Obra de Arte. Sérgio contou sua história, sua experiência com produção e representação de cachaça. Eu contei um pouco de minha história e devo confessar: lavamos a serpentina com algumas cervejas, daquela verdinha sabe, afinal quem nunca?

quinta-feira, 30 de maio de 2019

“...Tu que andas pelo mundo, Sabiá, Tu que tanto já voou...”


Do museu voamos com um Tiziu para conhecer um Sabiá. Tito Moraes foi uma espécie de tutor em terras salinenses. Quebrou alguns galhos como oferecer carona, passar dicas sobre a cidade, arrumar credencial para o festival e até mesmo me recomendar a Cléber e Geraldo Santiago viabilizando minha visita ao alambique da Havana. Foi o receptivo que você respeita!
Eu e Tito Moraes da Cachaça Tiziu
Rumamos para o engenho do Sr Xavier, seu parceiro na produção da cachaça Tiziu. Ainda no carro Tito me contou sobre sua relação com Salinas e seus produtores de cachaça.  A primeira viagem ainda em 2002. Depois com o advento dos festivais prestigiando o evento anualmente e saindo sempre de carro de Niterói- RJ.

Numa prosa chacoalhada pela estrada de terra voltou no tempo desde que se atentou à cachaça em um trabalho de campo em Rubelita no norte mineiro, com a cachaça de um pequeníssimo produtor.  Conversamos sobre o quanto sua área de formação (engenharia florestal) foi importante para seu trabalho com cachaça na Tonel e Pinga, hoje “Rei da Cachaça”, a maior distribuidora de cachaças de alambique do estado do Rio de janeiro.

A Sabiá de Sr. Xavier

Agora à frente da Tiziu, contou-nos como certa feita chegou no alambique do Xavier da Sabíá e o mesmo estava alambicando. Resultado, paixão a primeira vista. Daí pra frente virou sócio de Xavier. Se a parceira está dando certo? Em um ano conseguiram a medalha de ouro na  Expocachaça na categoria prata, com a bela, “Tiziu Virgem”.

 Segundo Tito além da qualidade da cachaça feita por Xavier outro elemento determinante para a parceria com o homem da Sabiá é a humildade e simplicidade do salinense. Chegando a fazenda pude perceber estes atributos de Xavier. Pessoa simples, bem humorado e muito acolhedor com os visitantes.

Eu, Xavier, Tito e Patrícia
Xavier herdou a marca Sabiá da família reerguendo o nome da Sabiá e assim como vários produtores de Salinas transformou o vínculo afetivo com a cachaça em sua principal ocupação.


Sua casa é o primeiro passo para quem quer chegar a seu alambique. Pães de queijo na mesa e mais gente chegando curiosa para conhecer a cachaça medalha de ouro da expocachaça (categoria prata).
Fachada da casa de Sr. Xavier

Salinas apresentou ao Brasil o Bálsamo. Muitas vezes vejo comentários depreciativos em relação à madeira e mesmo algumas marcas da região mas devo salientar que todo o sucesso da cachaça de Salinas se deve ao fato de terem criado uma identidade a partir de algo que é incontestavelmente deles, o  Bálsamo do norte de Minas. Algumas cachaças como a Lua Cheia, com menos intensidade da madeira, outras como a Canarinha que não deixa dúvida da madeira, mas uma coisa é fato: os ícones de Salinas passam pelo Bálsamo.


Sempre tive curiosidade de experimentar uma cachaça branca de Salinas. A Terra de ouro, cachaça da qual falaremos mais tarde, foi a primeira em investir em algo diferente, lançando no mercado um produto armazenado em tanques de inox, e sensacional.  Certamente o grande mérito de Tito com a Tiziu foi apostar em sua identidade. Uma cachaça branca sem amadeiramento algum com 47°GL e muita autenticidade. Para quem acha que a inovação para aí, Tito apresenta suas versões em Jaqueira , Jequitibá e o tradicional...Bálsamo! Quem vê a fermentação de Xavier consegue entender melhor os atributos desta cachaça.

Os outros visitantes são Patrícia e Leandro da garrafaria Acqua Mineira, e o Sérgio da cachaça “Obra de Arte” de Salinas. Entre perguntas e respostas de Xavier, Tito e Dil (o alambiqueiro) temos o privilégio de ver sair o coração da Tiziu espalhando um cheiro doce no ar e salivando a boca dos presentes.

Pergunto ao alambiqueiro se tivera feito algum tipo de curso de produção de cachaça. Ele responde que sim e que já alambicava de família sempre procurando  seguir as determinações de Xavier. Esse mais um dos atributos: Inovação com tradição!

Uma prosa no quintal da casa de Xavier, tira-gostos feitos por sua esposa, Dona “miúda” regados a Sabiá e Tiziu. Foi assim que a Sabiá do Sr Xavier se transformou no primeiro alambique que visitei em Salinas. O primeiro agente não esquece mesmo!
 “...e tendo o coração vazio
Vivo assim a dar psiu, (ou tiziu?)
Sabiá vem cá também!

Eu e Sr Xavier da cachaça Sabiá. Foto gentilmente cedida por Patrícia


Tito Moraes que tantas vezes acompanhou minhas manhãs de sábado em suas tradicionais degustações em Niterói me acompanhava assim num sábado em Salinas apresentando um Sabiá, que de tão afetuoso, me fez lembrar meu pai que sempre criara o bichinho. Pela autenticidade de Sr Xavier e sua cachaça, poucos animais nativos poderiam tão bem representar-lhe e poucas cachaças poderiam tão bem representar a simples riqueza do pássaro. Salve o Tiziu, salve o Sabiá!



quarta-feira, 29 de maio de 2019

O Museu da Cachaça e uma Cubana em Salinas

Estante espelhada no museu da Cachaça de Salinas- MG

Como dito outrora, o museu da cachaça possui mais informações sobre o festival do que a própria base/estrutura do festival. O museu é mantido pela prefeitura e possui uma estrutura arquitetônica simples, porém grandiosa. Guias conduzem os visitantes pelas diversas etapas da exposição. Chamam atenção as salas que trabalham com sensações como o efeito óptico de uma prateleira espelhada de nove metros de altura ou uma sala com aroma de bálsamo.
Destilador modelo "Tromba de Elefante"/ Museu da Cachaça de Salinas- MG

Dois itens chamam atenção: um parol de bálsamo e um destilador “Tromba de Elefante” doado pela fazenda Havana. O cuidado com a iluminação e mesmo com o fundo sonoro só não é maior do que o cuidado com o aroma da sala já que a mesma possui roda-pés por onde a cachaça de bálsamo corre, provocando uma verdadeira experiência sensorial afirmando: Salinas é a terra do Bálsamo!

Parol de Bálsamo/ Museu da Cachaça de Salinas- MG

Uma das guias me chamou atenção pelo sotaque. Seu nome, Glória. Cubana de Havana, veio ao Brasil para trabalhar no programa Mais Médicos. Um choque de datas entre sua volta a Havana para renovar seu visto e um compromisso com uma especialização aqui no Brasil fez com que perdesse o vínculo com o programa e com Cuba. Casada há três anos com um brasileiro e já com filho em terras Tupi, Glória se apresenta orgulhosa como uma guia que fala quatro idiomas é médica com especialização em doenças tropicais e além de guia no museu atua como professora de radiologia em um curso da cidade. Glória à  época lutava para poder voltar a atuar como médica no Brasil. O tempo e o processo eleitoral de 2018 deve ter mexido com suas expectativas, acredito.

Pergunto a ela se antes de chegar em Salinas já tivera ouvido falar na cachaça Havana. Diz que não, mas como quem reitera um fato histórico ela afirma que o regime Cubano procurou proteger todas as marcas que remetessem a Cuba e Havana. Glória fala do Rum agricole em Cuba e que assim como em Salinas, em sua terra natal a variedade de cana Java também é bastante comum.
Glória, uma simpática cubana na terra da Havana

Depois de aprender mais um pouco sobre Havana, não a cachaça, foi inevitável pedir que Glória posasse ao lado do rótulo da cachaça Cubana, de Salinas.


terça-feira, 28 de maio de 2019

Um Festival Em Salinas (Introdução)

Vista matinal da entrada do Festival em sua 17 edição(2018)

Antes de discorrer sobre esta jornada etílica à Salinas pondero que as observações que faço são baseadas em minhas experiências no ano de 2018 quando fui ao festival. É possível que outras pessoas possam ter perspectivas diferentes e nesse sentido fica aqui meu respeito! Em 2018 o festival ocorreu nos dias 20, 21 e 22 de julho. Neste ano de 2019 ocorrerá 12,13 e 14 de julho.


Porque Salinas?

Se você já gosta de cachaça esta pergunta pode não fazer muito sentido mas se ainda não tem tanta proximidade com esse universo deixa eu apontar alguns motivos:

Assim como os estudiosos da música separam o samba em antes e depois do "Fenômeno Estácio" (bairro carioca)  com Donga, João da Bahiana, Ismael Silva, Bide, Marçal na década de trinta do século passado, podemos dizer que a cachaça de Salinas é responsável pela  "Renascensa" da história da Cachaça.

 Principalmente da segunda metade do século passado aos dias atuais Salinas apresentou ao restante deste imenso país uma estética na cachaça que ainda não era conhecida em muitas regiões: nos sentidos a estética do Bálsamo de Salinas com seus toques de anis, alecrim, aroma remetendo a temperos como erva-doce e manjericão e suas diferentes tonalidades de amarelo que podem ter nuances esverdeadas. 

 No visual, as tradicionais garrafas de 600ml (de cerveja)  com uma tipografia simples, modesta mas com identidade compartilhada por praticamente todos os produtores dessa cidade. Não que em outras regiões também não utilizassem essas garrafas, até porque esses produtores já utilizam o conceito de " Logísitca Reversa" há algum tempo, mas Salinas do seu jeito, manteve sua identidade. 
Lote 1 da Clássica "Cachoeira" de Salinas- MG


Salinas, na minha singela opinião, demarca um novo ciclo na recente história da cachaça brasileira. Ela sugere uma nova página após a era da Umburana de Januária e Buenópolis também no norte de Minas.

As graduações alcoólicas das salinenses hoje variam bastante mas até vinte anos atrás, poucas marcas tinham menos de 45°Gl. Ou seja, quem bebia cachaça, atestava sua "pegada" geralmente pungente.

A distância da região dos principais centros urbanos fez com que quem fosse a Salinas não deixasse de visitar o Papa...ops! não deixasse de trazer uma garrafa. 

O clima quente, a terra arenosa e calcária ainda permitiu que Salinas tivesse um solo que não sugerisse correção de acidez. Então ali, a cana da variedade "Java" se adaptou  muito fácil com índices de sacarose surpreendentes para a época (meados do Séc. XX).

Não bastassem todos esses atributos, a terra produziu ícones como Havana/ Anísio Santiago, Piragibana. Lua Cheia, Cachoeira dentre tantas outras que uma postagem não daria conta de citá-las. Ou seja, um Sucesso nacional!


E como é que chega mesmo?


O objetivo desta postagem é contribuir principalmente para quem ainda não foi ao festival de cachaça de Salinas.
Mapa da Região e Principais distâncias

Fiz esta viagem com a ida de avião até Montes Claros (saindo de Guarulhos- SP) e depois de ônibus para Salinas. Na volta ônibus de Salinas a Montes Claros (aproximadamente três horas) e ônibus de Montes Claros para o Rio de Janeiro (dezessete horas). A cidade satélite que possui conexões aéreas mais próxima de Salinas ainda é Montes Claros. A primeira observação é que a maioria dos vôos e os mais baratos para Montes Claros costumam partir de São Paulo, ou melhor Guarulhos, isto para quem parte do sudeste. Fica a dica e o desejo de boa sorte.

Minha ida de avião foi bastante atrasada por problemas de controle aéreo, mesmo assim consegui chegar em Montes Claros às 2:11, meu ônibus para Salinas às 2:30. A propósito, é bom comprar a passagem Montes Claros- Salinas previamente pois a rota é bastante concorrida. E assim fui em um táxi ligeiro cortando as ruas de asfalto brilhante (brilha mesmo!) rumo à rodoviária. No fim das contas tudo certo, embora o desgaste pela possibilidade de perder o ônibus para Salinas e ter que aguardar ainda mais.

A estrada um breu, vez ou outra um carro na direção oposta ilumina a pista e nosso ônibus. O cansaço da viagem aérea sequer permitiu que me preocupasse com a rodovia que uma semana atrás envolvera quatorze vítimas em um acidente. Portanto fica esta dica:

EVITE IR PARA SALINAS À NOITE DIRIGINDO, PRINCIPALMENTE SE FOR MARUJO DE PRIMEIRA VIAGEM.

Qual não foi minha euforia ao chegar à rodoviária intitulada Terminal Rodoviário Anísio Santiago? Muito bom entrar numa cidade com este tipo de referência e reverência!
A Microregião de Salinas


Da rodoviária para o Valley Hill Hotel trinta reais de táxi. O hotel com boa estrutura e boas instalações não ajuda muito por ficar longe do centro da cidade e logo das atividades do festival. Portanto procure ficar em opções de hospedagem dentro da cidade. Você vai pagar mais caro mas vai economizar no transporte, principalmente ao final do dia após o festival.
Imagem do Mercado Municipal de Salinas
Pego mais um táxi (mais trinta reais) para o centro de Salinas. Por ser um sábado, chama a atenção a movimentação em torno do mercado municipal. Lembrei muito dos mercados do interior nordestino. Galinhas, galos, artesanato, diferentes tipos de queijo e requeijão, doces...enfim de um tudo tem no mercado municipal. Ali já começara a fazer as escolhas pois se por um lado tive vontade de ficar, por outro o objetivo era a cachaça. Mesmo assim fica a dica: não deixe de visitar o mercado, se possível no sábado que é quando agricultores do interior chegam à Salinas com seus produtos frescos.

Atravesso o mercado em direção à sede do festival.  Às oito da manhã só os seguranças nos stands e estes pouco sabiam de translado e ida à alambiques pelo festival. Fico sabendo que todo o receptivo turístico está locado no museu da cachaça. Considere isso quando for ao festival, o museu é um confiável centro de informações sobre a programação do festival. E lá fui pelas ruas de Salinas.

A propósito, a programação do festival começa entre os produtores na noite de quinta feira tendo já na sexta feira visita a alambiques na parte da manhã e show na parte da noite. Como disse, cheguei em Salinas no sábado pegando assim o bonde andando, mas ao mesmo tempo fazendo uma viagem praticamente exclusiva e com um roteiro que dificilmente conseguirei repetir. 
Salinenses
Em três dias em Salinas consegui visitar as produções da Sabiá/ Tiziu, Salinas, Terra de Ouro, Sabinosa (Brinco de Ouro, Prata, Preciosa...) e Havana/ Anísio Santiago.

Nas próximas postagens você leitor poderá acompanhar a evolução dessa viagem. Prepare seu copo!

Se você gosta das tradicionais separe um Bálsamo de Salinas, se gosta das menos amadeiradas Salinas também têm cachaça pra você. 

Ler já é bom, viajar também, agora imagina isso na companhia  da nossa genuína bebida?

Então boa viagem!
Porteira de entrada da fazenda Havana. Salinas- MG