quarta-feira, 14 de novembro de 2012
Fanfarrada no Circuito das Artes do Estado do Rio de Janeiro
É isto mesmo povo. A corajosa orquestra de músicas selvagens e músicos esquisitos está rodando pelo estado do Rio. É o turismo de Fanfarra em alta. Aos que estiverem em uma das cidades, estão convidados a brindar conosco já que desta vez contamos com o apoio magnífico da "Magnífica" de Vassouras/ Miguel Pereira. Uma referência na Cachaça do estado do Rio de Janeiro.
terça-feira, 30 de outubro de 2012
A Outra Página
Bamba Dois ou Baião Dois?
Na última postagem (De onde vem o Baião) há um momento em que falo da importância de Gilberto Gil para o
movimento Reggae no Brasil. Pois bem, esta é “a outra página” da qual me
referia. Aos que não leram a anterior: vão logo lá.
Fiquei sabendo deste
vídeo através de uma aluna minha. Depois de construirmos um arranjo para “Vamos
Fugir” de Gil no Trompete, escutamos muito Reggae. Third World (Now that we’ve found love, Ninety
six degrees), Steave Wonder (Master Blaster). Ela disse assim: “Professor
vou te mostrar um negócio que você vai gostar”. Adorei!
Ótima a ideia do
produtor Bide, participações interessantes como a de Chico César, Siba, Luiz
Melodia, Papete e muito pertinente o depoimento de Dominguinhos!
O Bamba Dois estará no MOLA (mostra livre de
artes- Circo Voador) no próximo sábado. Recomendo também a Tupiniquim Jazz Orquestra
com músicas e músicos bem brasileiros que se apresenta amanhã (quarta feira)
Sistah (a aluna) meu
obrigado and Respect.
À todos os amantes
do Reggae em especial Rodrigo Pires da Banda Positivamente!
domingo, 14 de outubro de 2012
De Onde Vem o Baião?
Depois de longo e tenebroso inverno, volto ao Musicachaça com novidades. As atividades de produção da “Tio Anastácio” cobraram um precioso tempo me afastando das postagens, mas permitiram adquirir novas experiências e sobre este assunto falarei em outro momento exclusivo.
Ainda no mês de junho especulava diferentes temáticas a abordar
no blog . Tentava escrever algo diferente e depois de avaliar
algumas temáticas decidi sobre o rei do Baião, tão em voga por
conta de seu centenário. Estava sob o efeito dos festejos juninos já
que além das festas de escola, de rua, e da pequenina que fazemos
por conta do aniversário de Dona Ray (minha mãe) também passamos a
contar com as erupções do Tarcísio e seu forró no Arpoador.
Somou-se a esta decisão a experiência de ter tocado o repertório
do Sivuca com a querida OSPA (Orquestra de Sopros da Pró-Arte) em
Belo Horizonte no dia 24 de junho, no Festival da Natura. Experiência
única para jovens músicos também porque cruzamos no hotel com
grandes PERSONAGENS da música brasileira. Não é todo dia que Naná
Vasconcellos segura a porta do elevador para você passar com suas
bagagens (e isto aconteceu comigo mesmo!), e que se cruza nos
corredores com Hamilton de Holanda, Roberta Sá, Tom Zé...só não
consegui ver Gilberto Gil, quem só veria tocando mesmo.
O show do Gil, com participação do também especial Marcelo
Caldi, foi uma festa de São João pelo dia, pela música, e de
aniversário, já que a plateia, repetidas vezes, cantou parabéns a
Gil. Este show teve ainda uma participação “fantasmagórica” de
Luiz Gonzaga – uma projeção em holograma que colocou Gil e Luiz
Gonzaga tocando juntos. Realmente emocionante este dia em que abri
uma “Chico Mineiro” para acompanhar a tímida friagem de BH.
Os 70 anos completados por Gil me iluminaram a cabeça: Luiz Gonzaga
faria 100 anos dia 13 de dezembro, dia de Santa Luzia. Portanto
quando Gil nascia, Luiz Gonzaga abria as portas da Música Brasileira
empunhando uma sanfona com roupa de gibão. E porque não juntar os
dois mais uma vez, agora no Musicachaça?
Como vou dividir esta história entre o Gil e o velho “Lua”
entro no mérito de observar que não há como falar de Gil e não
ser eclético. Bob Marley e Luiz Gonzaga convivendo tranquilamente em
um repertório que mostra que tanto o Reggae quanto o Baião, vem
debaixo do barro do chão. E estas são referências não só para
mim mas para tantos outros. Faço questão de lembrar que se hoje
temos algum movimento “Reggae” no Brasil, este deve muito também
a Gil, mas esta é outra página.
A relação próxima entre Gil e Luiz Gonzaga é explicada por Gil
originada de sua infância em Ituaçu -BA e que fez inclusive com que
seu primeiro instrumento harmônico de estudo, fosse um acordeom, a
exemplo de Moraes Moreira, outro desses PERSONGENS que imprime no
Violão uma pegada muito própria. Luiz Gonzaga e Gil se
aproximariam musicalmente ainda mais com a convivência de Gil com
Dominguinhos, herdeiro musical direto de Gonzagão e grande fonte de
sucessos interpretados por Gil (Eu só quero um Xodó, Tenho Sede,
Abri a Porta...) que o acompanhou sobretudo no “Refazenda”.
Nisto me pego observando a frase da introdução de “Eu só quero
um Xodó” que de tão genial quanto a do “Sitio do Pica Pau
Amarelo” dispensam letra, mostrando a riqueza melódica e rítmica
destes trechos. O mesmo acontece com “A novidade”, “Esotérico”,
“Palco” e tantas outras. Gil entende a voz de maneira realmente
muito musical, não apenas melodicamente, mas ritmicamente a exemplo
do que faz “João Bosco” com seus falsetes afinadíssimos ou
Bob Macferrin em outras cercanias. Nota-se isto nas interpretações
do velho Lua em “Vem morena”, “Apologia ao Jumento” onde
imita um burro dizendo: “Seu Luiz, comi do seu milho...e como,
como, como...”. É bom lembrar que na letra estas palavras também fazem seu
sentido como na missa do vaqueiro com “Tengo lengo, tengo lengo,
tengo lengo, tem” ou Fogo Pagô onde imita o canto da pomba
de mesmo nome.
Só sendo forte como um vaqueiro para abrir a Mata fechada (como a
caatinga) da música popular da década de cinquenta, que tocava os
cantores da Rádio Nacional em
sua época de ouro, com a ascensão de nomes do choro, de
gêneros parecidos com os sambas cantados por Carmem Miranda ou
influenciados pelas orquestras americanas, os quais não cogitavam um
artista que cantasse o sertão com ritmos sertanejos.
É bom lembrar que “Luar do Sertão” de João Pernambuco,
registrada por Catulo da Paixão Cearense (que era maranhense!) é
uma seresta com estética de modinha. A música rural nesta época
estava presente de maneira tímida no rádio graças à música
interiorana de São Paulo principalmente. Pois bem, esta mesma rádio
nacional viria a aplaudir Luiz Gonzaga com “Vira e mexe” em 1941,
um ano antes do nascimento de Gil.
Luiz Gonzaga, na minha singela opinião, é o principal personagem
da história da música nordestina, que possui tantos outros
conhecidos apenas regionalmente ou ainda pouco conhecidos. O
nordeste cantado com a estética nordestina precisa ser lembrado
junto com nomes como João do Vale, Jackson do Pandeiro, Capiba e
Sivuca. Outros existem, como o próprio Gil, mas os figurões
citados são básicos e por isso são indispensáveis.
Gil, fui conhecendo...assistindo na televisão, na escola, na
“Novidade” de Herbert Vianna ou punk da periferia “...sou da
freguesia do ó óooooo..”. Escutei pela primeira vez “Madalena
entra em beco e sai beco” interpretada pelo Skank. Ainda hoje vou
conhecendo-o como aconteceu com o “João Sabino”, “Sandra”,
“Jurubeba”...
Luiz Gonzaga é herança de família. Não esqueço tantas vezes
que o escutamos quando meu pai morava em Araruama-RJ, tantas vezes
que ríamos com a “Apologia ao Jumento” ou o “ABC do Sertão”.
Aprendi ali a respeitar Januário e o “Lua” de tabela. Passei a
me orgulhar de minhas raízes nordestinas naquela época, e que
floresceriam mais tarde nas idas aos forrós do “Olha a pisada”,
“Paratodos”, “Forróçacana” dentre outros grupos que pude
escutar, do semente da Lapa ao Malagueta de São Cristóvão. Passei
inclusive a respeitar um pouquinho mais o próprio jumento que “É
nosso irmão quer queira ou quer não”que como diz Luiz Gonzaga
“...ajudou o homem, ajudou o Brasil a se desenvolver...”.
Orgulhei-me do parentesco com o tio Alcir Campello, antigo sanfoneiro
da cidade de Codó- MA . E entendi que o “Baião” do qual Gil apresentava como “an
exotic style from northest” no seu ao vivo em Montreaux, nunca me
soou exótico, pela intimidade que adquiri desde minha infância.
Aliás, quer algo mais Pop e vanguarda que um vaqueiro de óculos
“Rayban”?
Esta postagem se encaminha para o fim com a máxima experiência
que tive ao cantar junto com o próprio Gil a música “De onde vem
o baião”. Quando comecei a escrever este texto ainda em junho,
nem sonhava com esta possibilidade. É dessas coisas que acontecem,
como diz Bob Marley “há um místico natural pairando no ar”, só
assim consigo justificar minha experiência: mágica, mística.
Aqui os meus agradecimentos à orquestra de sopros da Pró Arte,
que me proporcionou esta experiência ao homenagear a obra de Gil no
espetáculo Ituaçu. Ao Gil por sua generosidade ao mostrar de onde
vem o baião. Ao velho “Lua”, por ter criado e plantado esta
árvore que se chama “Baião”.
De onde vem o Baião? Vem debaixo do barro do chão!
terça-feira, 22 de maio de 2012
Voltando à Quinta
Voltando à Quinta.
Ainda em 2010 tive a
oportunidade de degustar a Cachaça da Quinta na versão carvalho. Na
oportunidade me impressionei com a apresentação do produto (garrafa
muito elegante), com a origem (Carmo- RJ) e sem dúvida com o sabor
(para maiores detalhes, ver a postagem de 2010 disponível neste
blog).
Mais tarde Conheceria
Kátia pessoalmente em um curso de análise sensorial quando fui
gentilmente presenteado com sua cachaça na versão prata. Como de
costume pedi à Kátia que assinasse o rótulo que ainda hoje tenho
guardado em casa.
O que vimos foram
ótimas instalações, dentro das normas do ministério da
agricultura. Um esmero que observa-se em instalações que trazem
logística à produção. Exemplo: Todas as etapas da produção
contam com um ponto de vapor( o alambique funciona à caldeira). Este
procedimento é para permitir a higienização dos utensílios desde
a moenda até caixas de recepção na destilação. Outro exemplo é
a decantação do caldo já fermentado. É muito comum o caldo
durante a fermentação “zerar” o brix, mas continuar com
partículas em suspensão que não deixam a superfície espelhada(
ponto ideal para a destilação). Dessa forma no alambique da Quinta
eles possuem uma dorna para decantação de partículas e “zeramento”
total da atividade fermentativa.
Aspectos que me
chamaram a atenção foi a moenda, movida à roda d'gua, o fato da
Kátia padronizar a diluição do caldo para 14°Brix quando alguns
produtores trabalham com 15° ou 16° e saber que primeiramente o
alambique produzia uma versão armazenada na Imburana, para depois
trabalhar com o carvalho. Já ia esqueçendo...a água. Muito boa. A fonte dentro da propriedade.
Mais uma vez vi um
produtor totalmente atualizado seguir um “dito” que alguns
produtores já relatam, mas durante muito tempo foi considerado
lenda. Mesmo estando em tonéis de aço inox, a cachaça branca é
repousada em média por um ano para “arredondamento”. Dentro da
minha vã filosofia, acredito que esta prática só contribui para o
amadurecimento do destilado vindo a mostrar como a cachaça branca
possui sua complexidade também.
A entrevista que
segue é um rápido bate-papo com a Kátia, desta vez como Presidenta
da APACERJ( Associação dos Produtores e Amigos da Cachaça do
Estado do Rio de Janeiro). Kátia fala sobre os desafios e projetos para a
associação.
A “Zoada” que
escutam ao fundo é por conta do alvoroço causado pelos quitutes
oferecidos pela família (Leitoa à pururuca, Frango Caipira, uma
pimenta inesquecível, uma caipirinha maravilhosa feita pelo
simpático e acolhedor esposo da Kátia). Diante da recepção de
“Primeira”, quem não ficaria entusiasmado com a “Quinta”?
Agradeço a Kátia
mais uma vez pela entrevista e pela recepção!
terça-feira, 1 de maio de 2012
Muito além da Esquina
O texto de Mateus Pichonelli no sítio da Carta Capital postado na última quarta feira aborda uma boa página da Música Popular Brasileira contando bastante sobre o Clube da Esquina. Encantei-me com os apontamentos de Mateus sobre o modo de produção musical desta "rapaziada",trazendo observações muito pertinentes sobre o mundo contemporâneo, principalmente, o mundo musical. Tenho meus posicionamentos, mas não me contive de compartilhar as observações de Mateus. Muito originais e inteligentes.
Aí vai o post na íntegra :
Mateus Pichonelli: Nada será como antes
Publicado em 28/04/2012 na Carta Capital
Inspirado pela entrevista da Beatriz Mendes com os irmãos Márcio e Lô Borges (clique aqui), passei o último fim de semana lendo, num fôlego só, o livro “Os Sonhos Não Envelhecem – Histórias do Clube da Esquina”. Cheguei quase 16 anos atrasado, já que a primeira edição do livro escrito pelo irmão mais velho, Márcio Borges, é de 1996.
Mas os 40 anos do lançamento deClube da Esquina, um dos discos de cabeceira de qualquer coleção da música popular, me levaram de braços abertos ao relato sobre um grupo, uma localidade e um período únicos da história brasileira. Foi no “quarto dos meninos” do 17º andar do edifício Levy, centro de Belo Horizonte, em plena ditadura militar, que os irmãos Borges (eram 11 no total) viram arvorecer o gênio de Bituca, mais tarde conhecido como Milton Nascimento.
Saí do livro um tanto bêbado, de tanto ler o quanto aquele povo bebia enquanto pulava de boteco em boteco na capital mineira, entre garrafas de cerveja, batidas de limão, toadas despretensiosas no violão e conversas sobre cinema, música, presente e futuro – um futuro que tinham nas mãos e há muito virou passado. Passei a entender um pouco mais os motivos que me levam a ter Clube da Esquina (versões 1 e 2) entre minhas dez canções favoritas em todos os tempos, línguas e gêneros.
Aquele quarto era a prova material, em notas e acordes, da teoria dos seis graus de separação – segundo a qual são necessários no máximo seis laços de amizade para duas pessoas quaisquer do mundo estarem ligadas. Ali não era preciso ir muito longe: Marílton conhecia Wagner Tiso, que conhecia Milton, que conheceu Fernando Brant, que conheceu Márcio, que era irmão de Lô, que conhecia Beto Guedes, que conhecia Flávio Venturini, que conheceu Milton, que um dia conheceu Jeanne Moreau, que um dia fez um filme com François Truffaut, que um dia inspirou uns meninos que se reuniam no mesmo quarto sem saber que produziriam música para o resto do mundo.
Das veredas daquele apartamento, mais tarde migradas para a esquina das ruas Divinópolis com Paraisópolis, em Santa Tereza, BH, nasceram encontros e amizades com o que tinha de melhor daquele tempo: Elis Regina, Caetano Veloso, Chico Buarque, Raimundo Fagner, Belchior, Raul Seixas, Rogério Sganzerla. A impressão é que o mundo tinha no máximo 500 habitantes, metade de Minas.
Ao fim, fiquei com muitas perguntas na cabeça: como a música conseguiu reunir tanta gente boa num único período e espaço? É possível que um grupo como aquele surja novamente algum dia e provoque os mesmos frutos?
Me leve a mal se quiser, mas as respostas não são nada animadoras – e faço um parêntesis para explicar o porquê. Em certa cena de As Invasões Bárbaras, obra-prima de Denis Arcand, os personagens se queixam da mudança dos tempos e da vigência de um período sombrio, marcado pela ignorância, pelo preconceito e pelo mau gosto. É quando um dos personagens responde: os gênios são frutos de períodos únicos, que convergem influências, coragem e disposição para colocar tudo de cabeça pra baixo e fazer revoluções. Citam a Florença do Renascimento como exemplo. E lamentam terem nascido numa era de vacas magras, longe de grandes poetas e artistas.
Guardadas as devidas proporções, tivemos momentos férteis em solo nacional. A terceira leva do modernismo, por exemplo, gestou na mesma barriga Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto e Clarice Lispector. Hoje temos Augusto Cury, e um ou outro autor consagrado reclamando em velhos espaços de jornais da emergência das classes populares (décadas atrás, os gênios eram porta-vozes das classes populares, mas isso é papo pra outra conversa).
Para ficar no exemplo da música brasileira, basta lembrar da reunião de bandas muito acima da média surgidas, entre o fim dos anos 70 e começo dos 80, nas garagens de Brasília ou no Circo Voador, no Rio. Ou na Ipanema da bossa nova, a Bahia da Tropicália, a Recife domangue beat…
São exemplos de que a obra de arte é um ofício coletivo.
E hoje?
Bom, hoje as coisas de fato mudaram. Na Belo Horizonte dos irmãos Borges e Bituca, todos pareciam minimamente livres para tatear talentos e escolher rumos com calma. Como cantou Beto Guedes, um dos caçulas do grupo: era possível “dar um tempo de prestar atenção nas coisas, fazer um minuto de paz, num silêncio que ninguém esquece mais”. A própria ideia de tempo era outra, e ele parecia jogar a favor.
Entre os fatos que mais me impressionaram no relato de Márcio Borges está a narração de uma certa “falta de privacidade” nos espaços em que vivia: a casa sempre tomada por amigos (dele e dos irmãos), sempre dispostos a criar sons no tempo livre, compartilhar ideias, influências; todos pareciam interessados em cinema, em discutir Truffaut, em ler e citar Garcia Llorca e outras novidades vindas de toda parte do mundo.
Outro fato digno de nota: Borges tinha quase 20 anos quando despertou para a música, mas mal conseguia terminar o terceiro colegial. Em nenhum momento ele relata qualquer tipo de pressão, dos pais ou de quem quer que seja, para tomar um rumo, fazer algo de útil, deixar de lado uma possível vagabundagem.
Algo impensável para os padrões de hoje, em que o ócio criativo recebe bordoadas assim que se manifesta. Llorca? Só se estiver na lista de vestibular. Truffaut, preto e branco e em 2D? Conta outra. Reunião com amigos ao fim da tarde? Melhor correr pra academia. Hoje é mais útil gastar tempo e dinheiro com cursos de inglês, informática, caratê e domar a hiperatividade com remédios. O resultado é que, anos depois, nos tornamos velhos e manifestamos, tarde da vida, as inquietações mais infantis em nossas redes – porque jamais fomos capazes de sonhar uma linha além daquela já traçada antes de nascermos. O estado da música popular de hoje, de versos comerciais e descartáveis, é talvez o maior exemplo dessa incapacidade expressiva.
A substituição da poesia cantada por “eu quero tchu eu quero tchá” é parte das mudanças nas próprias formas de relacionamento – e não só das propostas antes e depois das gravações. No Brasil de 2012 não imagino uma casa como aquela que reunia Wagner Tiso, Milton Nascimento e Lô Borges no mesmo espaço. Os apartamentos hoje, como tudo na vida, têm seus espaços funcionais: pequenos e confortáveis, mas impróprios para visitas, reservadas para a área gourmet, onde a galera se reúne pra jogar Playstation e o síndico reclama se alguém resolve cantar. Ninguém conseguirá fazer poesia se só souber empinar pipa pelo ventilador.
Hoje os passeios pelas ruas, depois de pular de bar em bar parecem programas do século passado. (Tecnicamente são). Com medo das ruas, andamos de carro, mesmo que sejam só dois quarteirões. As conversas reservadas ficam para o MSN, meio pelo qual é possível medir o que se diz e guardar o que se ouve de maneira privativa. Tivessem 20 anos hoje, os amigos Milton e Márcio provavelmente deixariam de lado as parcerias surgidas no meio da noite, entre álcool e caminhadas, para expressar seus sonhos sóbrios em 140 caracteres no Twitter. Quarenta anos depois, ninguém se lembraria deles.
Porque, se algo mudou dos 40 anos desde Clube da Esquina pra cá, foi a guinada na ideia de privacidade para o topo das preocupações humanas. Isso mudou as formas de relacionamento (dos que ainda se relacionam, claro) e, por ironia, dinamitaram a cultura do compartilhamento – o que, em tempos de Facebook, parece uma contradição. Porque a gênesis do disco era o compartilhamento, não de links, mas de ideias, palavras, acordes e letras escritas a muitas mãos – sempre a partir da vivência, e não de refrões para tocar no rádio ou convencer empresários.
Reunidas, criavam uma unidade, uma linha própria a um mundo que pedia para ser cantado e alcançado. É a ideia dos jovens reunidos, “pela última vez, à espera do dia, naquela calçada, fugindo pra outro lugar”.
Da mesma forma que perdemos atletas magistrais por não criar condições e espaços adequados para treinamento e capacitação, perdemos também talentos artísticos em escalas industriais. Não só por causa da miséria, mas por incutir nas jovens cabeças a ideia de que a vida só vale a pena se for seguida em linha reta; se crescermos e aparecermos o quanto antes, em voos solo, e cultivar nossos próprios espaços com conquistas pessoais.
O que sobrou daquele tempo, fora as memórias? Em 40 anos, Lennon morreu, a guerra seguiu (só mudou de lugar) e a liberdade aguardada após o fim da ditadura não veio. Os sonhos cantados em Clube 2 envelheceram. E os novos são rasgados assim que desabrocham. Ganhou a aposta quem acreditou que, a partiu daqueles dias, nada mais seria como antes…
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