Por Thiago Pires
Temos observado
com bons olhos o momento pelo qual passa nossa bebida. Cada vez mais sendo
apreciada e reconhecida pelo seu sabor, valor e história. Em cada canto surgem
novos conhecedores, apreciadores e produtores tendo algo novo, ou não tão novo
em alguns casos, para falar sobre nosso destilado.
Uma discussão que não era possível há vinte
anos, e que é cada vez mais pertinente, é sobre a estética da cachaça. Ainda há
muita confusão por parte do público apreciador de cachaça e muito desta
confusão está relacionada à falta de conhecimento de todas as etapas do
processo de destilação. Outro motivo é a falta do que chamo de “repertório”,
que são referências para comparação e estabelecimento de conceitos.
Tenho percebido
que os processos de melhoria da qualidade da cachaça têm disseminado valores de
mercado que são importantíssimos. O selo do ministério da agricultura e em
alguns casos de uma certificadora, a apresentação em belas garrafas com rótulos
bonitos e com as informações básicas (procedência, graduação alcoólica, forma
de armazenamento, etc.) proporcionam mais confiabilidade ao consumidor.
Se por um lado
os valores de industrialização e mercado (padronização, controle de qualidade,
rastreabilidade, distribuição, etc.) possibilitam demarcar uma nova era do
produto, por outro lado tem proporcionado a planificação de parte de algumas
etapas do processo de produção e mesmo do produto final. Mas o que quero dizer
com isso?
Observo que
algumas cachaças com graduação alcoólica de pelo menos 45°Gl têm abaixado
drasticamente sua graduação chegando a adquirir 40° e até 39° Gl. Isto tem
ocorrido em locais em que historicamente a cachaça possuía graduações com mais
de 45°Gl. Lembro que por legislação a
graduação das aguardentes de cana para serem consideradas cachaça é dos 38° aos
48° Gl.
Conversando com
alambiqueiros de diferentes lugares percebemos, sobretudo com os mais velhos,
que a margem de corte das cachaças era feita habitualmente com uma graduação
alcoólica maior que a atual. Primeiro, por utilizarem a escala Cartier como
referência para a destilação geralmente em torno de 20° graus (o que
corresponde a 50 graus Gay Lussac). Segundo, pelo fato da estética da cachaça ter
sido bastante influenciada por características encontradas na primeira fração
do destilado (cachaça de cabeça).
É importante lembrar, do ponto de vista
histórico, que a cachaça de cabeça foi bastante consumida no país e
lamentavelmente em alguns lugares ainda é. Lendo o Dicionário Folclórico da cachaça, de Mário Souto Maior (Recife),
percebemos as inúmeras vezes em que a cachaça de cabeça é citada. Como
nordestino, o autor refere-se a este tipo de cachaça em receitas, batidas e
mesmo consumida pura. Independente das questões químicas que fariam com que os
mais prudentes não se aventurassem de cabeça nas “de cabeça”, vemos que esta
fração do destilado possui algumas características facilmente perceptíveis e
até desejáveis sensorialmente que influenciaram toda uma geração de bebedores,
principalmente no interior. O aroma é
ativo e muito adocicado o que de alguma maneira pode seduzir em uma análise
olfativa pouco criteriosa. Comumente possui colarinho (rosário) o que denuncia
o nível de viscosidade deste líquido. Mesmo assim nunca é demais lembrar que a
cachaça de cabeça é tecnicamente uma aguardente e é realmente muito prejudicial
à saúde, não pela concentração de álcool apenas, mas pela quantidade de álcoois
superiores e possíveis metais de arraste que pode conter sendo a primeira etapa
da destilação.
Encontramos no mercado cachaças com algumas
características que remetem a esta estética que comumente me refiro como sendo
a de cachaça “Rústica”. Segue uma lista
de algumas delas. Algumas mais conhecidas, outras menos, que valem por
compartilharem da estética mais forte em acidez e graduação alcoólica a qual me
refiro, onde o produtor preserva a referência da matéria prima e quando utiliza madeira, o faz muito mais
para diminuir a acidez do destilado do que para agregar sabor e aroma da
madeira ao de cana já presente na matriz pura (prata). Entre as brancas temos:
ü Séc
XVIII- Coronel Xavier Chaves- MG;
ü Vitorina-
Fortuna de Minas-MG;
ü Cachoeira
de Cachaça- Vassouras- RJ;
ü Embaia
Saia- Joaquim Felício-MG;
ü Aroeirinha-
Porto firme (Viçosa)- MG;
ü Nativa-
Barra do Piraí- RJ;
ü Corisco-
Paraty- RJ;
ü Maré
Cheia- Paraty- RJ
ü Engenho
D’ouro- Paraty (já saindo um pouco da estética sugerida)
ü Parapeúna
Branca- Valença- RJ
ü Rainha
(que é uma aguardente). Bananeiras- PB
Lembro que as
cachaças armazenadas que possuem esta estética, geralmente possuem seu descanso
em madeiras neutras (é o caso de algumas de Paraty) ou ainda que seja em
madeiras ativas, ficam repousadas por pouco tempo em dornas de grande volume e
geralmente bastante antigas. Entre as armazenadas ou envelhecidas temos, no
paladar e aroma:
ü Claudionor-
Januária-MG
ü Velha
Januária- Januária-MG
ü Cristalina
de Buenópolis ( se distanciando um pouco da estética sugerida)- Buenópolis-MG
ü Aracy-
São João Nepomuceno-MG
ü JE
produzida pela Fazenda da Conserva- Bemposta- Três Rios- RJ;
ü Colombina-
Alvinópolis- MG
É certo que
outras cachaças poderiam ser incluídas, mas no geral os produtores têm tomado
procedimentos de “acabamento” na cachaça, o que distancia o produto da estética
abordada. Para alguns uma melhora, para outros não necessariamente. Alguns
produtores lançam uma cachaça mais forte identificada como “para drink”, ou
“safra do ano” e para que tenham maior aceitação, abaixam a graduação alcoólica.
Lembro que a forma mais recorrente de
padronização da graduação alcoólica é feita através da diluição da cachaça com água
destilada, o que é tecnicamente permitido, e diminui a intensidade das
informações de olfato e paladar (por diminuir o álcool). Os produtores têm
feito isto pelos seguintes fatores:
a. A
padronização da graduação alcoólica é um daqueles valores de industrialização
citados anteriormente;
b. Há
uma aceitação e consumo maior no mercado de cachaças com graduações mais
baixas, principalmente pelo público que não é bebedor assíduo;
c. Os
processos de exportação possuem taxação sobre a quantidade de álcool do
produto, o que faz com que os produtores interessados em atingir o mercado
internacional façam a redução da graduação alcoólica;
d. O
produtor possui uma rentabilidade maior.
Como
apontei, não vejo com maus olhos as mudanças pelas quais tem passado a cachaça,
mas acredito ser importante que os produtores tenham pelo menos uma vaga ideia
do que desejam preservar em seu produto, do que pode melhorar e, portanto
mudar, e do que deve ser preservado. Alguns já se atentaram para isto
preservando as características de seu produto preocupados em atender o público
consumidor local.
É muito comum
bebermos uma cachaça regional vendida em garrafão que é muito diferente dos
exemplares que chegam às metrópoles. Em alguns casos trata-se de uma cachaça de
menor qualidade por estar muito distante do ponto de destilação considerado o coração,
mas às vezes encontramos verdadeiras joias.
A graduação
alcoólica faz parte da caracterização do produto. Em alguns casos possui uma
relação com o local onde é feito e com o público regional que prestigiou e
prestigia aquela cachaça. Dessa forma, se não prejudica a saúde do consumidor, o
gosto do mesmo, e está nos padrões laboratoriais estabelecidos, pode ser
entendida como algo a ser preservado. Afinal de contas o “Rústico” têm seu
valor, que na maioria das vezes confere algo cada vez mais raro: a autenticidade!
Qual foi o critério de escolha para a faixa de 38-48%? Foi um acordo entre os produtores? Qual o motivo disso? Se é permitida a venda de bebidas com até 54%, penso que seria melhor deixar esse valor como limite máximo.
ResponderExcluirThiago muito obrigado por sua visita.
ExcluirO critério foi estabelecido pelo MAPA( Ministério da agricultura e pecuária) ao definri os padrões de característica da bebida Cachaca. Leva em consideração estudos do próprio MAPA como a saude publica,e mesmo questões de rentabilidade aos produtores. Temos que considerar que ainda nao e consensual a graduação alcoólica de cabeca dos diversos tipos de destiladores, já que ha uma diversidade nos tipos e modelos de destilação bem como na forma de destilacão.
Em relação a graduação dos 54 GL como limite para aguardentes, ha uma tendência de se taxar mais a bebida de acordo com sua graduação alcoólica.
De wuakqual maneira para armazenamento é utilizada a graduação de 50 a 55 gl, com posterior diluição.
Espero ter ajudado.