A divisão cultural segue outras lógicas quando comparamos
com a divisão política dos territórios. O vale de um rio, uma chapada, um
delta, são culturalmente mais abrangentes e fazem com que não sejamos capazes
de delimitar onde começa ou termina um evento folclórico/cultural. Assim é com
os sotaques, hábitos, brincadeiras de infância...
O vale do rio Paraíba do Sul contempla municípios e
distritos distribuídos pelos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São
Paulo. Se não bastasse o vale deste rio, temos ainda a Serra da Bocaina (São
Paulo e Rio) e a Serra da Mantiqueira como elementos aglutinadores de uma
cultura que ora é caipira/caiçara ora tropeira, ora uma mistura disto tudo.
Temos as referências “menores” como leitos de afluentes e rios vicinais
(Piabanha, Parapeúna, Rio Preto, Rio das Flores) ou a Serra Negra e a Serra do
Funil.
Esta apresentação
toda é para defender a cultura tropeira, caipira/caiçara presente também no
estado do Rio de Janeiro, mas que como outras culturas presentes no interior do
estado perdeu o foco para manifestações atreladas à metrópole do Rio de Janeiro,
que já foi capital do Estado do Brasil (1621-1815), colônia do Império
português (1763 a 1815), capital da república dos estados unidos do Brasil de
1889 a 1960 quando da criação de Brasília. Guardadas as devidas proporções, é como se as comitivas, tropeadas/ muladas fossem as empresas de logística que distribuíam os diversos do interior. Chamo atenção o fato destes serem ainda ativos e especialmente aqui no estado do Rio de Janeiro estarem por exemplo responsáveis pela distribuição de boa parte do "Parmezão da Mantiqueira" que se come em Maromba, Mauá, Maringá de Minas e Rio. Aos que tiverem maior interesse vale a pena dar um confere neste vídeo https://www.youtube.com/watch?v=83H-EFspvzY
Armazém Em Mont Serrart |
Seguindo caminho, aqui vai um resumo de uma viagem etílica que é dividida em
duas partes. Rio x Juiz de Fora (MG), e em um outro momento Juiz de Fora x Rio das Flores, Valença x Rio Preto (MG)x Serra do Funil (MG).
Como estas localidades
estão muito próximas entre si é difícil delimitar onde termina o Rio de Janeiro e onde começa Minas, principalmente quando se passa por distritos
como: Montserrart, Afonso Arinos, Manuel Duarte (todos distritos entre Levi Gasparian
e Rio das Flores inseridos em antigas rotas da Estrada Real).
Rio x Juiz de fora/ Tradição Mineira
Em 13 de junho acompanhei a Confraria de Cachaça Copo Furado
ao alambique da Tradição Mineira. Foi um ótimo reencontro com a Marlene (proprietária, alambiqueira) que
falou um pouco sobre cooperativismo e o
desafio que é a organização das cachaças de Juiz de Fora e Zona da Mata mineira
em torno de uma cooperativa.
Tonéis de Castanheira da Tradição Mineira |
Além de nos apresentar as instalações e falar de
sua rotina quando do período de destilação, Marlene e Bené (o esposo)
conduziram a degustação de seus produtos. Saí do alambique com a confirmação do
que suspeitava. A cachaça Tradição Mineira armazenada em tonéis de castanheira
é simplesmente muito acima da média. Este exemplar atesta que a castanheira é
madeira que dia após dia conquista mais público a partir de alambiques como Flor do Vale- RS, Lira-PI,
Sudoeste- PR. Mesmo com a prata e o carvalho sendo muito bons, a castanheira destoa
positivamente por conferir autenticidade à linha de produtos deste alambique.
Super recomendável! A outra confirmação que tive é de que o casal Bené e
Marlene são pessoas simples e acolhedoras que sabem como ninguém unir a descontração
(comum entre os cariocas) com a discrição (típicas dos mineiros) e que talvez
aí tenhamos um pouco do que é a relação destas cidades tão próximas e afins
(Rio/Juiz de Fora).
A Werneck
Do primeiro contato a concretização da visita, o proprietário Eli Werneck foi uma gentileza só. Elaborou a rota mais segura com todas as curvas e porteiras como ícones permitindo nossa chegada rápida e tranquila.
Organização padrão Werneck |
Para quem pensa que
não há stress, Eli Werneck deixa claro
como alguns procedimentos de regulamentação da cachaça se mostram morosos e burocráticos como
licenças e autorizações. Sobrou até para o selo do IPI que segundo ele seria
bem mais prático se fosse destacável e
auto-colante e para os fornecedores de embalagens que tiram garrafas de catálogo sem considerar quantos produtores já possuem sua imagem atribuída à um modelo de garrafa. Fica a sugestão de quem é produtor, alambiqueiro, vendedor, distribuidor...Eli Werneck joga nas onze posições com habilidade.
Depois de degustar a
branca (inox), o Jequitibá (minha predileta), o carvalho e a Safira Régia conversamos sobre as
novidades da Werneck. Vale o confere no vídeo onde no final ainda fico sabendo das visitas ilustres no campo da música ao alambique Werneck.
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A Santa Rosa
A Santa Rosa é uma
cachaça que junto da Chacrinha conta a história do município de Valença. Bem
perto de Rio das Flores, foi muito fácil chegar no alambique embora não
tivéssemos certeza se de fato conseguiríamos conhecer as instalações já que os
contatos do início da semana não
conseguiam ser confirmados. Fomos atendidos por Fabiana que teve que dividir
sua atenção com uma visita de família.
Aliás o clima familiar pôde ser percebido pelas crianças brincando na
porta da propriedade e pela reunião de pessoas em torno de uma mesa que entendi
ser a cozinha da família. Não conseguimos ter maiores informações da fazenda e
neste sentido Fabiana se desculpou dizendo que não têm aberto para visitações
pois estão trabalhando na restauração de algumas instalações da propriedade.
Tinham alambicado no dia anterior e o cheiro doce do
fermento podia ser percebido fora da sala de fermentação. A roda d’agua junto a
muita cana denunciava o tamanho do alambique. Trata-se de um alambique muito
antigo e grande.
As dornas de fermentação ativas e de aço inox com um fermento
caipira à base de fubá, bem vigoroso. O destilador chama atenção por ser de
cobre com uma panela que parece ou de inox ou de cobre estanhado. Um formato
bem peculiar se compararmos com o que temos visto ultimamente. A serpentina, de
aço inox. A adega, muito grande dividida ente tonéis de jequitibá e barris de
carvalho de diferentes aparências e procedências (francês, escocês, americano).
Um funcionário muito tímido, responsável pela moagem, acompanhou nossa investida em meio aos barris
e mesmo assim não conseguimos achar as imburanas. Mais algumas fotos, mas a
impressão de que aquela visita poderia ser mais pessoal. Gostaria de ter
conversado mais com os produtores/proprietários, e posso não ter dado sorte.
Exemplares do escritório da SR. A história nos rótulos |
É bom lembrar que a
Santa Rosa é uma jóia, orgulho para a cidade. Tenho alguns exemplares guardados
pois esta cachaça teve muita alteração de sabor de uns dez anos pra cá. Lembro ainda hoje quando o confrade Gilvan Chegure apresentou-a certa feita como sua cachaça de cabeceira(direto
do túnel do tempo!). Na oportunidade a degustação feita em copo de Uísque,
trazia ao olfato um cheiro de cana frutado e ao mesmo tempo amendoado muito
agradável e sutil. Virei fã e com isso fui percebendo a mudança do produto, que
para mim tem, em uma versão de 1litro com a apresentação em garrafa “Cachaça do Brasil” com tampa
verde, uma das melhores versões.
Infelizmente da linha de seis diferentes cachaças (Essence,
Intense, Special, Splendid, Royal, Exclusive) só degustamos a Essence que
adquiri. Ótima cachaça a preço honesto.
Daí, rumamos para Rio Preto-MG.
No caminho de Valença
a Rio Preto passamos por Pentagna e Parapeúna. Passamos na porta da fazenda
Bela Vista onde o querido Rogério Ramos recebeu-me já por duas vezes. Muito bom
ver a mesma plaquinha da fazenda. No centro de Parapeúna adquiri duas garrafas
que o Rogério deixara ainda naquele dia.
A cachaça Tiririca
Chegamos à
comunidade do Funil à noite. O acesso ao
local é sinalizado por placas de pousadas que ao mesmo tempo vão indicando
a distância. A subida em estrada de
barro requer tranquilidade e um carro alto. O “Land Roça” (minha Paraty 94)
subiu numa boa salvo a zoada da correia do alternador que sempre chia com muita
poeira. Neste dia eu e Moraes só queríamos comer e dormir, e foi isso que
fizemos.
O dia seguinte (uma sexta) fora reservado para o descanço.
Queria conhecer as belezas da Serra do Funil de que já tinha ouvido falar. Rio
Preto é dividido de Lima Duarte e Ibitipoca por uma serra, ou seja conhecemos o
outro lado de Ibitipoca. E que lado! As opções de cachoeiras são várias e em
solidariedade ao joelho de Moraes resolvemos trocar a visita à cachoeira
vermelha pela visita ao alambique do Sr José Roque, também conhecido como José
do Sítio Tiririca. Fabrício, funcionário da pousada onde estávamos hospedados
ao nos ver tocar sanfona e violão nos disse: “...vocês precisam conhecer meu
sogro...”. Oito Km de carro em uma estrada tranquila que lembra muito os
acessos de Lima Duarte à Ibitipoca.
O Sr josé Roque é um
raro exemplar de pessoa que montou o alambique de curioso e engenhoso que é.
Produz hortaliças,mel, queijo, milho, cana, cachaça e fubá. Um exemplo . O
milho e o fubá são processados em engenhos movidos à roda d’agua. O mesmo
mecanismo que gira a moenda de cana, gira a mó de fubá. Conversei muito com Sr
josé Roque sobre o alambique que ele foi me mostrando meticulosamente. Trocamos
receita de fermento e percebi prontamente que Sr Tiririca fermenta sem utilizar
sacarímetro e destila sem termômetro na panela, algo cada vez mais raro e que
cobra mais atenção e habilidade do alambiqueiro. Contara que ele mesmo tinha diminuído
o tamanho da panela do destilador para que pudesse fazer um produto com mais
controle e maior qualidade. Ele mesmo fizera o forno e adaptara a serpentina.
Alambique montado por Sr Tiririca |
Mó ou moinho de Fubá movido a água |
Depois de trocar
muitas informações na cachaça, fomos trocar na música. Sr José Roque possui uma
oitenta baixos (acordeom) e já foi responsável por "segurar" a sanfona de algumas folias de reis da serra do funil um baile facilmente. Tive ali uma manhã
memorável. Água em fartura , queijo fresco, boa prosa e a vontade de voltar para
conhecer tudo o que não conheci da serra do funil. Percebi que o gosto de conhecer cachaças acompanha o gosto
por conhecer as pessoas que fazem a
cachaça. Suas histórias e suas trajetórias.
Identificação com Sr Tiririca: Cachaça e Música |
Agradeço à toda a comunidade do Vale do Funil, em especial Cristiano da Pousada Mirante Santo Antônio. Ao amigo Moraes, gaudério inconfundívele ótima companhia de viagem e violão.
Dedico este poema à todos os
produtores de cachaça em especial à Eli Werneck, e Sr José Roque que me mostraram
que nos extremos de dois alambiques totalmente diferentes se encontra algo em
comum: o amor pela terra, a paixão por ver a mesma produzir e o carinho pela
cachaça. Muito obrigado mestres.
“Fazemos cachaça
quase que por vício
Dinheiro que é bom
é coisa difícil,
Riqueza maior são os amigos.
Mas se a fé é um firme artifício,
Continuamos
acreditando
Mesmo com o tempo passando
Como se hoje fora só o início”
Thiago Pires
Parabéns por uma matéria tão bonita e elucidativa... Em sua próxima vinda por essas bandas com sua Land Roça dê uma quebrada por aqui para um abraço e bons papos !!!
ResponderExcluirAgradeço o convite e esteja certo de que voltarei por estas bandas. Esta região é muito especial. Abraço forte como cachaça!
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