quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Sobre Escolhas

Por Thiago Pires

Seres humanos fazem escolhas e não pense você leitor que ter dificuldade para tomar decisões é uma característica só sua ou mesmo algo recente. 

Desde os povos mais remotos em diferentes localidades do globo os oráculos de alguma maneira ajudavam os mais indecisos na tomada de decisão com um pouco mais de segurança. Nossa relação com as decisões se dá a partir de elementos como as relações sociais, preferências pessoais e por mais estranho que possa soar por questões do inconsciente.

Tendemos a escolher por aquilo que nos satisfaz e o que satisfaz cada um é algo que envolve muitos elementos. Fato é que errar ou acertar são axiomas que precisam ser considerados a partir da trajetória de cada indivíduo que está fazendo a escolha.

No universo da música escolhemos desde cedo. Porque esse instrumento e não aquele? Você já parou pra pensar porque gosta mais de um timbre (som) do que de outro? Que música ouvir, que música estudar? Já parou para refletir que herdamos preferências musicais de nossa família? Depois que nos aprofundamos mais com a música a escolha é constante! Este ou aquele acorde? Repete a primeira parte ou vai direto para a segunda seção?

Em relação à cachaça as escolhas não são incomuns. Mesmo com nossas preferências lidamos com uma variedade de elementos que nos oferecem possibilidades de escolhas das mais diversas. Branca ou amadeirada? Baixo amadeiramento ou amadeiramento mais intenso? Desta região ou daquela? Mais suave na graduação alcoólica ou mais espirituosa? Antes da refeição ou após, como um aperitivo? Uma caipirinha ou uma dose pura? Não falo nem do elemento bolso!

Os amigos mais próximos sabem que para ABRIR UMA GARRAFA DE CACHAÇA considero quatro elementos: o primeiro, a comida que será servida, o segundo, o clima com suas chuvas e nublados que oferecem grandes possibilidades de harmonização, tanto na música quanto na cachaça, o terceiro elemento é uma cachaça que preciso “estudar” porque recebi de algum produtor que quer saber minha opinião ou de um amigo que recomendou muito. O quarto é se o instante ou dia de abrir a garrafa possui caráter de celebração.

Respeito os que bebem aborrecidos, tristes. Eu não! 

Para abrir uma garrafa de cachaça há que se ter uma aura de celebração para que o dia possa ser considerado “especial”. Isto pode significar que a mais comum das quartas feiras pode ser eternizada com uma garrafa perdendo seu lacre para celebrar um feijão caseiro. A visita ou encontro com amigos que bebem cachaça também é um bom motivo para considerar o momento especial, afinal ao se tirar o líquido da garrafa e compartilhar com alguém, neste exato momento se cria um vínculo que pode perdurar por muito tempo na memória. Ali na garrafa ela é só o verbo, daquele que “ainda não se fez carne e não habitou-o”.

Depois de algum tempo fui convencido pelo amigo Paulo Vieira (o confrade Paulo Tapinuã) a não mais guardar garrafas. Diz ele com seu jeito honesto:
 “(...) p@rr@# então eu tenho um trabalho do caralh...$%@..o pra fazer essa cachaça pra você guardar? Faz o seguinte: bebe o líquido, enche a garrafa com água e bota na prateleira"(...)”.

 Influenciado pelo produtor da Tapinuã dos Reis ESCOLHI guardar somente os rótulos que possuem em sua superfície ou a assinatura do produtor ou a data com o motivo da garrafa ter sido aberta. Acho que foi uma boa escolha.

Magnífica
A primeira vez que visitei o alambique da Cachaça Magnífica o fiz depois de uma viagem de bicicleta onde saíra do Rio com o amigo Marcelo Repinaldo. No total, cento e trinta quilômetros pedalados, sendo os últimos vinte de subida da serra que liga a Miguel Pereira. Programa cansativo, mas pra quem gosta, de lavar a alma!

 Na fazenda do Anil fomos recebidos pelo Dimas que nos apresentou todas as magníficas instalações. Meu amigo saiu de lá convencido de que levaria uma Magnífica envelhecida no carvalho (na época, a que tinha o rótulo preto impresso na garrafa) e no final do dia após a janta, em frente à piscina silenciosa da pousada, eu e ele conversamos sobre a viagem ao sabor meio amargo, meio doce daquele carvalho que ele teimara ou ESCOLHERA abrir no mesmo dia, ali mesmo.
Da esquerda para a direita: Marcelo, eu ainda cabeludo e um Dimas iluminado


Depois vieram muitas outras viagens de bicicleta, várias delas incluindo visitas a alambiques com o mesmo amigo. Tenho certeza que junto do lacre retirado daquela garrafa acabamos selando uma grande amizade. 

Meu amigo teria completado cinquenta anos no último dia treze de agosto se não tivesse falecido em julho. Não pudemos escolher.

 Quando soube de seu falecimento liguei para seu irmão Márcio que me revelou que prometera presentear Marcelo, caso "se comportasse"  com uma cachaça: "aquela do Thiago".

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