quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Pioneirismo e diferencial


Coloco aqui algumas observações  que acredito muito interessantes do modo de fazer cachaça de Nando Chaves:

Foto : arquivo de Nando Chaves

Canavial

Utiliza majoritariamente cana própria. O que não produz é de vizinhos próximos que acabam cultivando a mesma variedade. Nando possui muito cuidado com sua matéria-prima. Em conversa com ele ao perceber que havia uma flor de cana no canavial (pendão) ele afirma: “...aquelas canas precisam ser cortadas pois ao produzir a flor, a energia toda do caule da planta é dirigida para manter a flor viva e com isso perde sacarose.
Sua variedade de cana fora adquirida através da universidade de Viçosa com um produtor de Cataguases. A variedade é originária da cidade de Coimbatore na Índia.



Moagem

Além da bucólica roda d’água o Engenho Boa Vista possui uma moenda elétrica para que nos períodos em que todas as dornas estiverem fermentando possa auxiliar a moagem da primeira que é mais lenta. Nando desenvolveu uma área de armazenamento de cana toda feita de bambus o que dá um visual rústico porém funcional e barato. O bagaço de cana é separado em secos (mais antigos) e úmidos (mais novos). Com isso controla a combustão do fogo para a fornalha.

Moinho de pedra onde prepara o fubá



Fermentação

Utiliza fermento caipira com milho criolo (não híbrido) plantado no meio do canavial. Com isso ele consegue fazer com que os micro-organismos que deseja no flavour (tanto leveduras como bactérias) estejam presentes no milho que vai fermentar o caldo. 
Um exemplo da relação de Nando com o meio ambiente é a observação em relação aos insetos que se manifestam “interessados” na fermentação. Segundo ele se tiver mosca varejeira ou pulgão de canavial rondando a área de fermentação é sinal de que o processo está acontecendo harmonicamente porém se ver alguma drosófila (mosquinha da banana) começa a se preocupar com a acidez do caldo. 
Algo que achei interessantíssimo é que ao se aproximar das dornas de fermentação para me mostrar o caldo abaixou o tom de voz pedindo para evitar falar próximo ao fermento até porque tinha perdido um pé de cuba há poucos dias.
Suas dornas de fermentação são caixas de aço inox encaixadas em tanques de alvenaria que era onde antigamente o caldo era fermentado.


Destilação

Utiliza um equipamento de fogo direto com capelo e serpentina. O modelo é sem deflegmador mas possui pratos internos no comprimento da coluna. Nando encomendou a coluna orientando a empresa construtora em relação ao modelo que queria, pois segundo ele tinha que ser do mesmo sistema do anterior. Quando lhe perguntei sobre destiladores ele disse: “...tenho algumas panelas e algumas colunas em um depósito aqui, não jogo nada fora..”
Aquecimento direto

Como já escrito, controla a temperatura da fornalha alimentando-a com diferentes tipos de bagaço. O mais seco será utilizado para levantar o início do fogo. Ao começar a destilar o coração utiliza um bagaço mais úmido que lhe permite controlar a temperatura e alambicar a fogo baixo. Isto nos dias atuais é cada vez mais raro com a maior utilização dos alambiques a vapor de caldeira onde o aquecimento é gradual e exige do alambiqueiro abrir e fechar os registros de alimentação de água e eventualmente mais bagaço ou lenha para a caldeira. Até pouco tempo Nando alambicava com uma panela sem termômetro e como teve que mudar de panela a empresa acabou adaptando um termômetro que ele diz ser até dispensável pelo tanto que conhecem o forno e o destilador. Com isso Nando afirma:
“...o cara pode ter feito curso de mestre alambiqueiro  no melhor curso existente e ser muito bom mas aqui ele precisa alambicar nos moldes do Séc. XVIII. Por isso se chegar alguém aqui querendo fazer o serviço de alambiqueiro, a primeira função que terá que fazer é carregar bagaço pois ali ele vai entender o consumo do forno...”
Segundo Nando, sua taxa de cobre é muito baixa porque alambica todo ano e ressalta a importância disso para que o cobre seja sempre baixo independente de filtro para este tipo de metal. Para este tipo de equipamento possui um rendimento muito bom onde tira 100lts por cada alambicada. A panela possui 600 lts de caldo.

Descanso
Sua cachaça antigamente repousava em uma cisterna subterrânea de pedra parafinada. Com a exigência do ministério da agricultura teve que adquirir dornas de aço inox para sua cachaça. Atualmente pensa em transformar o espaço da cisterna em uma área de armazenamento de tonéis de aço inox.
Não possui tonéis de madeira, mas isto não significa que não repouse sua cachaça, pois possui diferentes cachaças brancas todas separadas por safra .

Engarrafamento

Possui dois tipos de embalagem, uma garrafa de 670 ml onde vende a safra do ano anterior, sendo portanto sua cachaça mais nova e as de safras mais antigas nas garrafas reutilizadas de vinho de 750ml, com rótulo e contra-rótulo muito mais simples. Esta última também é vendida em garrafa de 670ml em um rótulo vermelho. A garrafa que a princípio seria mais barata, utiliza para a bebida mais nobre, agregando valor com lacre tradicionalmente metálico e rolha de cortiça. Um conceito tradicional a um produto tradicional. Sabiamente agrega valor. Como disse possui dos três rótulos um em embalagem de papel comum e outros dois com uma belíssima arte influenciada por Dona Cida Chaves autora do texto que apresenta a cachaça no contra-rótulo.

Distribuição

Cinco mil litros de sua produção são destinados a “Santo Grau” que se mostrou uma importante parceira neste processo de valorização de engenhos históricos. Nando contou-nos dos desafios de trabalhar com uma empresa que se tornou multi-nacional e hoje por exemplo consegue distribuir a  Santo grau Séc. XVIII em todos os free-shops de aeroportos do Brasil. Para ele isto seria impensável sozinho. O que é interessante é que a Santo grau consegue ter um produto conceitual, agregando valor e reconhecendo um lado cruscial para o universo da cachaça: a cultura. É importante citar o trabalho da Santo Grau pois distribuir cachaça em um país como o nosso com tantas questões de infra-estrutura é uma missão e tanto. Bom ver que a melhor negociação é aquela em que todos saem ganhando.

Para os produtores fica o exemplo  de que ter um cliente fixo com capacidade de distribuição pode ser uma boa solução para evitar cachaça "encalhada" em barril.

Aproximadamente quarenta e cinco mil litros são engarrafados e distribuídos  por Nando como Cachaça Séc. XVIII na região e para todo o país, outra grande responsabilidade.


 



A degustação

“ Pimenta que não arde, cachorro que não morde, cachaça que não é forte não resolve”

A cachaça Séc. XVIII talvez seja o melhor exemplo de cachaça rústica que tanto tenho abordado neste blog. Aroma adocicado lembrando cana colhida na hora, com o frescor de um dia de chuva. Sente-se um frescor vivo no aroma. No paladar a confirmação do doce com um ligeiro metálico que pode ser confundido com um mineral. Servida no copo já demonstra seu tradicionalismo em um lindo rosário. Coisa fina, coisa da antiga. Chama atenção a persistência destas borbulhas e a viscosidade viva que possui. Isto principalmente na cachaça mais nova.
No alambique as mais novas que experimentamos  foram a safra do ano (2015) e a que batizei como da “semana” (agosto de 2016). Todas estas referências se tornam mais amenas nas cachaças com mais tempo, mas sem que sumam , estão lá mostrando o trabalho do tempo, aperfeiçoando uma matriz que já começa muito bem.

Nando serviu-nos uma safra de 2014  espetacularmente doce, segundo ele reflexo de um ano de safra com pouquíssimas chuvas. Retro-gosto de cana e fundo de copo de cana lembrando o doce.

Ressalta-se que é uma cachaça simples (possui muito corpo) e este é seu maior atributo pois enquanto cachaça branca traz todas as referências que se procuram na imagem inconsciente da cachaça branca (cheiro de bagaço de cana ou cana, milho, doce,  frutas, erval, capim, fermento...). Ótimo exemplo de cachaça com graduação alcoólica alta e controle de acidez 47 e 48° GL.  

Aos que querem se aproximar mais das branquinhas recomendo um experiência: degustar a Século XVIII nova (rótulo azul) comparando-a com o exemplar de mais de dois anos (rótulo vermelho)  e com a Santo Grau Coronel Xavier Chaves. Uma experiência que rende muito aprendizado sobre padronização, graduação alcoólica, acidez e certamente a estética da cachaça branca.

Fundo de copo (acabando a degustação)

Nestes dias em que percebemos a força do mercado e “...da grana que ergue e destrói coisas belas... ( Caetano Veloso)” dá orgulho beber uma cachaça que não está nem um pouco interessada em seguir a moda ou a tendência dos habituais 38°, 39° no máximo 42°GL de graduação alcoólica.  Lembro que as cachaças de Salinas tinham geralmente no mínimo 45°GL e o que vemos hoje é a expansão das graduações baixas, salvo exceções de produtores que seguem a mesma linha tradicional que Nando Chaves ( a Havana/ Anísio Santiago/ Havaninha possuem 48°) ou a nova "Bruta" da cachaça Mil Montes de Faria Lemos- MG.

O Engenho Boa Vista também traz o debate acerca de alambiques históricos. Até que ponto é necessário que mudem sua produção? Até que ponto precisam se adequar ou a legislação é que tem que contemplar a trajetória destes, criando exceções? Imaginemos o quanto alambiques como o do Sr Anísio Santiago (Havana- Salinas), que não é secular, tiveram que se adequar? Será que algum dia aquela destilação com "tromba de elefante" pode vir a ser proibida alegando-se outros padrões de produção e consumo?   Temos vários alambiques com mais de cem anos  em operação e esta característica é uma importante forma de valorizar a unidade produtora e colocá-la como testemunho da mudança das formas de fazer cachaça. É importante refletir sobre isto neste momento em que padrões têm sido estabelecidos.

  Rústica Mesmo!

Gostou do estilão forte da Séc XVIII? Aos que gostam das graduações alcoólicas mais elevadas em cachaças brancas (sou fã) fica uma relação para estudo que acredito básica de se ter em casa:

Rainha- Bananal PB (aguardente)
Aroeirinha- Porto Firme MG
Vitorina Branca – Fortuna de Minas
Cachaça Cachoeira de Cachaça – Vassouras- RJ
Mil Montes “Bruta”- Faria Lemos- MG
Corisco- Paraty- RJ

 Saideira


 Nando possui um compromisso com seus clientes, com a reputação de sua família e com o próprio tempo pois representa a história prática de fazeres que remetem ao Séc. XVIII. Lembro que quando o produtor abaixa sua graduação alcoólica ele possui um maior rendimento em termos financeiros e por isso o custo benefício da cachaça Séc. XVIII a incluiu em um produto de comércio justo. Possui um preço totalmente compatível com sua história e com o trabalho dos envolvidos. 
Nando chaves orgulha-se de gerenciar o engenho há 25 anos e diz:
“...Thiago, desde que me entendo por gente, não houve um ano que não se fizesse cachaça neste engenho..”.
 Para quem sabe o trabalho de produzir cachaça isto é um título para poucos. 
Como diz o texto de dona Cida Chaves: “....o tempo pede paciência e humildade. Poucos litros de cada vez para a qualidade acima de tudo. Isto faz a diferença...”
  O tempo não se engana mesmo!

Agradecimentos


Fica o primeiro agradecimento ao gaúcho Moraes, pessoa fundamental para que eu tivesse a  breve experiência de produzir a cachaça Tio Anastácio em Saquarema- RJ. Desde que me entendo amigo de Moraes que ele fala do "Nandinho". A paixão por cavalos e cachorros além de um grande amigo comum ( o agrônomo Rondon) aproximou estas duas pessoas. Foi assim que fui à Séc. XVIII conhecendo muito de Nando e praticamente com uma carta de apresentação de Moraes.


A sr Rubem Chaves e Dona Cida Chaves. O primeiro, paciente, quieto, de sorriso discreto e super acolhedor, a segunda uma pessoa encantadora talentosa com quem conversamos muito sobre política, história, feminismo, arte e  literatura. Tivemos a honra de ser agraciados por Dona Cida com alguns de seus livros. Dona Cida, esteja certa de que meus alunos se encantaram com  a Sossô.
Livros de autoria de Cida Chaves


A Jaqueline Luz, companheira que sempre registra as fotos e vídeos. Amante  e conhecedora destes interiores brasileiros;

A Nando Chaves  que nos recebeu super bem com sua "levitação sem meditação" (procurem saber) e que além de dar uma aula sobre cachaça é capaz de contar grandes causos e histórias, de sua vida e sua região. É o garoto propaganda que nos faz procurar a cachaça do Nando por mais que tenham eles sete gerações de história com cachaça.

A você que acompanhou estes relatos um abraço forte como uma Séc. XVIII.

  Dedico este último vídeo a Dona Cida Chaves a quem fiquei devendo uma prosa de viola. Esta é a sua cozinha Dona Cida antes do café!



segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Segredos que aos poucos os laboratórios vão desvendando


Nando explica o porque da coluna com Capelo

Após sermos recebidos por Nando chaves, ali em seu escritório escutamos uma verdadeira aula de história da produção de cachaça no Brasil já que falou do período de profissionalização e modernização dos alambiques a partir da legislação que de fato regulamentou o produto embora tenha ajudado a fechar muitos engenhos. A maioria destes alambiques não tinham condições financeiras de atender às exigências, que muitas das vezes não consideravam a realidade dos produtores.
Rótulo tradicional. Safra 2003
 O produtor deu um exemplo muito prático: pelo ministério da agricultura teve que “telar” as dornas de fermentação para protegê-las de agentes externos. O que ocorre de fato é que com a elevação do volume do caldo na fase tumultuosa ( a fase mais agitada) este caldo fermentado acaba encostando na tela e deixando-a suja de caldo e favorecendo mais contaminações bacterianas do que se não houvesse tela alguma.









a "envelhecida"





Segundo Nando: “...desde a época de meu avô ouvia dizer que a bebida tinha que ser protegida da radiação solar. Por isso que várias bebidas são armazenadas em garrafas escuras. Quando falávamos isto em relação à cachaça tinha gente que falava que não tinha nada a ver por conta da graduação alcoólica. Outro dia recebi aqui no alambique uma pesquisadora que estava estudando justamente sobre a influência dos raios ultra-violeta no armazenamento da cachaça...”

Nando se mostrou atento às tendências do mercado como os blends e amadeiramentos intensos mas segundo ele há um equívoco: costuma-se associar  a alteração dos atributos sensoriais do produto cachaça somente à ação das madeiras, o que é correto em parte pois ainda que seja uma cachaça branca, esta se “acomoda” quimicamente com o passar do tempo. A prova disto é que diferente da maioria dos alambiques Nando possui somente cachaças brancas porém separadas por safra. Após degustar suas diferentes safras, todas brancas sem madeira alguma, percebemos claramente a diferença de uma safra para outra. E conseguimos sim perceber como o tempo interfere em uma bebida, mesmo que esta esteja descansando em um tonel de aço inox ou mesmo dentro da garrafa. Esta característica faz com que Nando possa provar o que durante muito tempo fora apenas uma hipótese. A acomodação química do destilado é constante, mais perceptível quanto mais novo, mesmo dentro da garrafa.


Rótulo da cachaça mais nova (um ano)



Entre o novo e o velho: o tempo

O mundo da cachaça têm mudado muito. Observamos alguns valores estéticos de outras bebidas sendo aplicados à cachaça e um destes conceitos é o do envelhecimento intenso em madeiras. Do ponto de vista sensorial é riquíssimo dialogar com a diversidade de madeiras que possuímos porém se pensarmos na perspectiva do produtor o glamour das caves e adegas pode se tornar opaco.

Quando um produtor menos experiente se lança no mercado da cachaça, um dos insumos vendidos como indispensáveis são os barris. É preciso porém que este produtor tenha uma experiência mínima com amadeiramentos. Quanto mais novo o barril geralmente mais tanino e mais difícil controlar o amadeiramento. Isto mesmo nas madeiras ditas "neutras" que na verdade não são neutras pois conferem menos amadeiramento ou por conta das características da madeira, pelo tempo de uso ou por conta do volume do tonel. Neutro mesmo só o vidro e o aço inox! Quando um produtor possui barris para armazenar cinquenta, cem mil litros ele está obrigado a produzir cachaça praticamente todo ano. A menos que não queira ou não precise vendê-la e deixa-la armazenada, do contrário terá que pensar no que fazer com esta cachaça amadeirada. Ainda que o armazenamento tenha o tempo como unidade de medida, o produtor precisa atentar para alguns cuidados como a evaporação do destilado nos barris, a temperatura da adega, a acidez conferida pelo armazenamento, o próprio sabor da bebida dentro do barril (algum barril pode apresentar alguma questão como broca, vazamento, contato da bebida com o aro), o padrão do produto final... Isto obriga o produtor a estar em constante controle dos barris. Obriga o produtor a conhecer cada barril, principalmente os fora de padrão (mais ou menos tanino).

Nando Chaves questiona porque utilizar uma matriz de qualidade tradicional (a cachaça branca) que possui seu público é economicamente mais vendável e transformá-la blend?
 “...meu avô,  que trabalhava com bebidas no interior de São Paulo, já fazia blend há muito tempo. Ele chamava de “receitas”. Ele tinha receita para cachaças aromatizadas e coloridas. Ele fazia cachaça da cor  e sabor que quisesse . Aqui fazemos cachaça sem vergonha de ser cachaça...”, portanto branquinha!

Nando expõe todas as autorizações e análises de seu produto
Nossa próxima postagem aborda os fatores de pioneirismo e diferenciais da Cachaça Séc. XVIII. Muito tempo de história, que nós humildemente vamos descobrindo e compartilhando neste blog.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

No Alambique

No Alambique
Engenho Boa Vista: rústico e original como sua cachaça


O engenho Boa Vista fica a seiscentos metros de distância da casa de Sr Rubens e Dna Cida Chaves. Quando chegamos no alambique Nando recebia um carregamento de garrafas, conferia nota fiscal, volume das encomendas, enfim já mostrava ali que atua em todas as posições do time “Séc XVIII”.

Ultimamente os alambiques têm tido uma tendência a serem parecidos, ou pelo menos previsíveis, nos projetos. Conceitos de eficiência, lucratividade e as exigências do MAPA fazem com que muitos alambiques tenham a mesma marca e modelos de moenda, dornas de fermentação/aço inox, e equipamentos de destilação da marca líder de mercado. Ali no engenho Boa Vista, tudo diferente. Lembrou-me muito alguns alambiques de Paraty há alguns anos atrás, tudo muito simples, funcionando e limpo como têm que ser. Uma pia com um motor para higienizar garrafas de vinho, testemunhando o que hoje chamam de sustentabilidade e que Nando já incorporou como prática há bom tempo. A área de envase separada por uma divisória de vidro colocada para se adaptar as exigências dos fiscais. Adaptação que notoriamente não estava no “projeto original ” até porque o original é do Século XVIII. Ali em seu escritório que é ao mesmo tempo um estoque e almoxarifado Nando começou nosso atendimento.
Área de Envase

O Começo

  Nando falou de sua relação com a Universidade Federal de Viçosa onde se formou em  Zootecnia e adquiriu boa parte dos conhecimentos que de alguma maneira são utilizados na relação de respeito que possui com o meio ambiente na produção de sua cachaça. O produtor está à frente do alambique desde 1989. Antes disso foi responsável por distribuir a cachaça nos bares da região e conta como a partir dali começou a observar os hábitos dos seus consumidores.

  “ ...cada bebedor têm uma mania pra beber cachaça, uns rodam, uns recitam poema, uns dão pro santo  antes de beber, outros oferecem pro santo depois de beber , uns contam causos, mas cada um têm uma mania...” Conta como esta fase foi importante para seu conhecimento e formação no mercado da cachaça. Passou a identificar tipos de consumidores e a partir daí traçou melhor o perfil de identidade que iria trabalhar na Séc. XVIII.
Antes de mostrar o alambique um assunto que chamou nossa atenção foi o da adequação à legislação. Segundo Nando, sua família sempre foi muito preocupada em preservar o patrimônio histórico do engenho mas a partir do momento que o MAPA (Ministério da Agricultura) começou a estabelecer uma relação de maior fiscalização aos alambiques,  eles enquanto produtores não tinham como ao mesmo tempo atender às exigências e preservar sua história. Segundo ele isto cobrou muita perseverança e paciência pois talvez até hoje nossa legislação não abra precedentes para estes casos específicos já que estamos falando de uma unidade produtora de quase trezentos anos.
Projeto do(a) Séc. XVIII

Uma destas adaptações foi a desativação da cisterna subterrânea onde armazenavam sua cachaça que se mantinha branca. O reservatório era escavado na pedra e suas paredes eram calafetadas com parafina. Tiveram que desativar a cisterna e substituir o armazenamento pelo aço inox. O armazenamento em cisternas já fora bastante comum assim como o hábito de enterrar barris para que embaixo da terra o líquido fosse melhor acondicionado. Segredos que os laboratórios foram se apropriando de alguma maneira já que hoje em dia as adegas têm sido feitas em locais úmidos e escuros tendo (às vezes subterrâneos) inclusive com adegas dotadas de medição de umidade e temperatura do ar, o que vez ou outra faz com que o produtor molhe seus barris e jogue água pelo chão da adega em épocas mais quentes ou lugares mais secos.
No próximo capítulo abordaremos os "segredos que aos poucos os laboratórios desvendam" do Engenho Boa Vista.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Primeiros Goles / A pré-produção


Prosa com Nando Chaves


Religiosamente, em suas reuniões, a Confraria de Cachaça Copo Furado do Rio de Janeiro (a primeira do Brasil-1994) pergunta a seus visitantes como foi sua primeira experiência com cachaça. Em vinte e dois anos de existência muitas histórias inusitadas foram registradas em suas atas que revelam sobretudo a relação de afeto que o brasileiro possui com a Cachaça. Rico patrimônio o dessas atas!
Assistindo o vídeo produzido pela Cachaça Santo Grau, você leitor entenderá o figuraça que é o Nando Chaves e perceberá que seus primeiros paços ou "goles" são a história de sua relação familiar com a bebida. Recomendo que assistam.




A Pré- Produção

A ideia inicial era conhecer o alambique em funcionamento. Ainda em abril fiz contato por telefone com Nando Chaves perguntando se saberia quando o engenho começaria a alambicar ao que me respondeu: “...isso depende de São Pedro...” . Entusiasmado explicara que um dos critérios para começar a preparar o fermento é o ponto de maturação da cana.Desta maneira, Nando aguarda a primeira geada para “começar os trabalhos”. A partir da geada a cana começa a atingir seu ponto de maturação já que a cana produz mais sacarose com a queda da temperatura e com a falta de recursos hídricos (a geada acontece com a chegada do inverno que é seco). Já neste momento pude perceber que se tratava de um produtor diferenciado, atento e respeitoso do tempo da terra. Mais que isso, ao citar “São Pedro” evidencia o diálogo tanto com a sabedoria popular de sua região quanto com o conhecimento técnico-científico.



Esta prosa é só para apresentar os preparativos para o período de safra. Embora o vídeo tenha sido feito já no alambique, na próxima postagem falaremos um pouco de como o produtor foi assumindo responsabilidades no trabalho com cachaça começando como distribuidor regional passando por todas as funções do engenho. Não percam!

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Século XVIII aí vamos nós.



No mês de agosto resolvemos uma dívida antiga com o universo da cachaça. Visitamos o Engenho Boa Vista que produz a cachaça Século XVIII  e a matriz da cachaça “ Santo Grau” de Coronel Xavier Chaves na região dos Campos das Vertentes- MG.
Ao procurarmos informações na internet e outras fontes encontraremos muita coisa a respeito desta cachaça a maioria falando de seu passado “inconfidente”. Trata-se de uma das cachaças mais emblemáticas do Brasil!
Esta postagem será feita como uma destilação em “batelada” (fracionada) para que o leitor iniciante ou experiente possa degustar cada informação aos poucos e viajar.

 E para começar nossa viagem fica a dica do vídeo institucional do “ Circuito Turístico Trilha dos Incondifentes” /tvlocal produtora, onde Nando Chaves apresenta a Séc. XVIII e o Engenho Boa Vista. Os motivos para acompanhar as próximas postagens ele fala e deixa bem claro. Então não perde tempo tenta arrumar uma Séc XVII porque sabor o computador ainda não passa.



Nas próximas postagens abordaremos o protagonismo de Nando Chaves na produção da Séc.XVIII, apontaremos como este produto ainda se destaca em um mercado tão concorrente e mostrar como a Séc. XVIII têm enfrentado os desafios de preservar seu patrimônio histórico e cultural em relação às exigências atuais de mercado e legislação (Ministério da Agricultura) afinal cachaça temos muitas porém com quase trezentos anos de história, essa é única, então não deixe de acompanhar.
  Agradecimento a Eduardo Rodrigues da Produtora Local que disponibilizou o vídeo. O mesmo encontra-se no You Tube.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

A Matriarca



No mês de fevereiro ganhei uma cachaça armazenada em uma madeira no mínimo inusitada: Jaqueira. Confesso que já tinha visto artesanato e movelaria com jaqueira mas tonel nesta madeira para mim foi uma agradável novidade e de tão curioso, no mês de maio aproveitei uma viagem a cidade de Teixeira de Freitas, na região do extremo sul da Bahia, para conferir de perto a produção desta cachaça.
Matriarca na vitrine do Restaurante Sinhô
   O contato com o alambique foi feito através do site divulgado na embalagem da garrafa, o que ainda é muito raro no universo da cachaça. Ter uma interface digital é algo que pode ajudar na divulgação e até distribuição das marcas de cachaça, porém esbarramos em uma questão básica que é a chegada da internet em nossas cidades e distritos. A outra questão é o uso desta ferramenta pelos produtores. Tenho visto muito material na internet produzido por degustadores, estudiosos e acadêmicos, mas os produtores, na sua maioria, ainda estão fora deste universo. A internet veio pra ficar e não dialogar com o universo digital não só não abre portas, como pode até mesmo fechar as já abertas. Fica a dica!
  Voltando a Matriarca, depois de deixar tudo agendado por email/telefone rumamos para Teixeira de Freitas- BA. No quesito comunicação nota 10 para a Matriarca!

  Ponto de partida em Teixeira de Freitas: o restaurante Sinhô, que é capitaneado por Maíra, uma das filhas de Beto Pinto, o produtor da cachaça. Aos que estiverem nesta cidade fica aqui a sugestão de conferir o cardápio feito com muita autenticidade e bom gosto, algo perceptível também na decoração do restaurante. Carnes diferenciadas como a do gado Wangus (cruzamento do nipônico Wagyu como o europeu Angus) e do Java-porco mostram que a gastronomia é algo levado a sério pela família.
  Aproximadamente quarenta minutos de rodovia entre florestas de eucaliptos e canaviais chegávamos na divisa de Caravelas com Medeiros Neto onde mais precisamente fica o alambique. Fomos recebidos pela Sr Lana, esposa de Beto, que junto com as filhas apresentou a sede da fazenda.
  A propriedade Cio da Terra possui como atividade principal a produção e extração de madeira renovável de eucalipto, cana para usinas de combustível e gado como o já citado Wangus. Beto nos contou a relação da região com produção de cachaça, a presença maioritária de produtores ainda informais e também a atividade de estrangeiros na região montando alambiques já preocupados com qualidade.
  A estrutura da Matriarca foi toda concebida a partir da referência mais próxima que possuem em relação à produção de cachaça: Salinas, que fica a 400 km de distância da cidade de Medeiros Neto. Beto bebeu tanto na fonte de Salinas que “importou” um tanoeiro de lá e dessa forma pode dar início a produção dos próprios tonéis utilizando um conceito que trouxera da experiência com o eucalipto: o das madeiras renováveis. Explicou-nos o tempo mínimo para crescimento e corte de espécies como Jequitibá, Imburana e Bálsamo e compartilhou a necessidade de se discutir a renovação de madeiras utilizadas para tanoaria. Tanto na cultura da cana quanto na cultura do eucalipto, as clonagens de laboratório permitem que variedades melhoradas sejam mais produtivas em menor tempo. Mas e no caso das madeiras para tonéis, isso seria possível? Sim, mas segundo Beto, ainda estamos engatinhando no que se refere a produção de mudas nativas clonadas.
Barris de jaqueira da Matriarca
   O projeto do alambique da Matriarca contou com a assessoria de Amazile Biagione Maia, talvez o nome mais recorrente e um dos mais competentes na assessoria técnica de alambiques. Amazile sempre foi uma entusiasta das madeiras nacionais. Beto refletiu que na região a jaqueira sempre foi madeira utilizada para tudo: movelaria, artesanato, construção civil. Como esta árvore costuma ser frondosa, é possível fazer largas ripas com ela. Contou-nos de fazer experiência com as árvores da jaca mole e dura e como esta madeira é rica em tanino. Segundo ele, os primeiros barris eram extremamente rápidos para dar cor e sabor aos destilados armazenados.
Adega da Matriarca

  Além da Jaqueira, Beto possui Imburana, Bálsamo e a prata (aço inox) para comercialização, mas possui também Jequitibá e Louro Canela para “Blendar” a cachaça. Quando pergunto que tipo de fermento utiliza, ele diz: “...agente sempre joga um pouco de amido no início...”. Um de seus objetivos no futuro é utilizar a levedura selecionada de seu próprio canavial. Segundo ele já possui uma centrifugadora para iniciar este processo, mas ainda precisa desenvolvê-lo junto com algum laboratório. 
  A estrutura da indústria é realmente monumental . Sua capacidade de produção é 500mil litros, isto mesmo, meio milhão de litros! Atualmente possuem aproximadamente 320 mil litros armazenados. Chamo a atenção de estar construindo uma fábrica de doces próximo ao alambique. A boa oferta de cana faz com que enverede por outras searas. Segundo ele, o alambique tem que estar próximo ao canavial para que a cana não “viaje” muito.

 A destilação é feita com aquecimento de caldeira, o que lhe confere maior rendimento, higiene e controle de temperatura durante o processo. Realmente um projeto muito bem feito. Quando lhe pergunto em que meses alambicam na região ele diz: “...nos meses sem a letra “r”...” segundo ele por serem mais frios.
 Chamo atenção ao fato de Beto Pinto ser um verdadeiro devoto da cachaça. Na sede de sua fazenda possui tudo que remeta a cultura da cachaça: plaquinhas, réplica de destilador e uma infinidade de rótulos de cachaça, alguns já raridades. Nota-se que as coleções e acervos pessoais são o primeiro passo de muitos produtores de cachaça que 

estabelecem antes de tudo, uma relação afetiva com o símbolo cachaça.
  Em relação aos produtos chamo atenção à sua cachaça prata que possui baixíssima acidez, referência doce tanto no olfato como paladar e um acético comum nas cachaças nordestinas. Uma bela Matriz!
  Como até agora só provei uma marca de cachaça em jaqueira , não posso compará-la com outra, mesmo assim faço aqui algumas observações:

Visual. O produto é translúcido e bem filtrado. Possui um dourado tendendo para o amarelo. Sem colarinho ou a permanência de borbulhas, apresenta viscosidade no rastro do copo que se desfaz rapidamente. Baixa oleosidade;

Aroma. Madeira úmida e folhas úmidas com um pouquinho de aniz encontrado algumas vezes no Bálsamo. A referência da cana fica em segundo plano porém de maneira harmônica (para meu paladar). O bouquet de uma forma geral não é muito ativo, o que intriga o degustador na identificação da madeira e gera a curiosidade de experimentar a cachaça no paladar.

Paladar. Há duas sensações que chamam atenção. Uma é a confirmação do aniz que pode-se confundir ligeiramente com um canela, e outra o “enxuto” que sugere cica de casca de frutas (como casca de goiaba ou cajá manga) também conhecido como nódoa. Esta última sensação sugere algo táctil mas não posso afirmar isto com exatidão. Minhas referências pessoais foram o cipó mil homens, e até mesmo a canela sassafrás, mas muito mais por um certo apimentado do que amadeiramento.

 Provei desta cachaça algumas vezes, não só estudando-a como simplesmente bebendo e outra observação que faço é que sua coloração sugere um amadeiramento intenso, o que não se confirma no paladar. Esta madeira realmente deve ser mais estudada por todos os atores do universo da cachaça.
Aos que estiverem em Teixeira de Freitas, os lugares mais indicados para a compra da Matriarca são o restaurante Sinhô, e o mercado municipal, onde a Matriarca conta com uma loja.

  Agradeço a Beto Pinto, sua esposa Lana e suas filhas pela recepção, acolhimento, atenção e carinho em nos mostrar tudo sobre a Matriarca que ao mesmo tempo pude perceber ser parte da história da família, já que o próprio nome da cachaça é uma referência à mãe de Beto Pinto e à região do descobrimento. Agradeço a Jaqueline Luz, Ananda Luz, Tarsila Luz Matraca e Marcus Matraca pela companhia, incentivo e pelos registros. Agradeço à lena, funcionária da Matriarca, que fez o primeiro e último atendimento passando informações adicionais para viabilizar a postagem. 

Ponta de Areia Ponto Final


Como não poderia ser diferente aproveito para falar um pouco de música e turismo. Aproveitamos a proximidade e conhecemos Prado, Alcobaça e Ponta de Areia, distrito de Caravelas. Esta última chama atenção pelo bucolismo. Parece que visitamos uma cidade mineira na Bahia e essa sensação é fácil de explicar já que a cidade de Ponta de Areia fora por muito tempo a última estação da antiga ferrovia Minas – Bahia. Esta ligação entre os dois estados ainda é muito forte e percebe-se traços culturais do norte de Minas no extremo sul da Bahia. Pena que as estradas de ferro sejam atualmente lembranças de um tempo passado. 
Prado

















Recomendo a visita a região, pelo valor histórico e pela beleza de suas paisagens. Fica aqui a reflexão sobre a viabilidade das estradas de ferro como atrativos turísticos em regiões como essa.


A propósito: Tarsila, o Milton também toca sanfoninha!

(Vídeo de L. martins, 19/07/2014 Ribeirão Preto)

quarta-feira, 15 de junho de 2016

"...Primeiro Chão na Bahia...'

Museu Casa do Rio Vermelho
Nossa próxima viagem é para a matriarca das terras brasileiras: Bahia.
Em dois  diferentes momentos pude conferir, neste primeiro semestre , algumas interessantes novidades neste estado. Posso dizer que não são poucas e para facilitar a leitura, os textos serão publicados  em partes como em um alambique em alusão as fases de produção da cachaça (moagem, fermentação, destilação e armazenamento). Espero que apreciem como uma boa cachaça, aliás acompanhados de uma boa pinga.

Bahia 1° Parte

No Rio Vermelho
Museu Casa do Rio Vermelho













No janeiro deste ano estive em Salvador e as dicas que compartilharei aqui são do universo da cachaça, da literatura e da música.
Acolhido por amigos moradores do bairro “Rio Vermelho", estive a poucos metros da Casa do Rio Vermelho e coloco esta como uma programação indispensável a quem visita a cidade.
A relação do Autor com o Candomblé
Trata-se da residência de Jorge Amado e Zélia Gattai que em uma parceria da família com a prefeitura de Salvador transformou-a em museu. O visitante em um primeiro momento pode achar salgada a entrada para a exposição mas pouco tempo depois desvendará ali verdadeiros  tesouros.
Cartas, fotos, depoimentos, vídeos, roupas,  revelam com maior profundidade  a vida e a obra do autor e o protagonismo de  Zélia, não apenas como companheira mas como autora e mulher à frente de seu tempo. A relação de Jorge e Zélia com a política e com o Candomblé são temas destacados pela curadoria da casa assim como a amizade com o artista Carybé. Um museu interativo, atual, com assinatura  do desinger Gringo Cardia. É uma visita fundamental para quem gosta de literatura, da Bahia, sua gente, sua música e sua história. Diria para quem gosta de cachaça também afinal de contas seja em personagens como Quincas Berro D'agua ou Gabriela (que batiza a cachaça temperada mais famosa do país), a bebida também está presente na obra de Jorge Amado.
a cama do casal servindo de tela de projeção
Em minha trajetória como músico, tive a oportunidade de participar de dois trabalhos abordando a obra de Jorge Amado: o CD  “Músicas para Saudar Jorge Amado” (2013) e o DVD (2015) com a Orquestra Revelia. Os trabalhos fazem uma abordagem musical de algumas  obras do escritor. Uma das faixas inclusive chama-se " No Rio Vermelho " (Luiz Potter) e homenageia a residência de Jorge e Zélia. A partir da visita a este museu foi inevitável lembrar dos companheiros de orquestra e da resignificação de sua obra a partir destes trabalhos.
 Fica a dica da Casa do Rio Vermelho para quem estiver em Salvador e do CD para quem quiser "escutar" Jorge  Amado.





Mercado do Rio Vermelho
No mercado do Rio Vermelho, com ares de mercado central como os de São Paulo ou o Cadeg do Rio de Janeiro, chamo a atenção para a organização e a oferta de produtos de altíssima qualidade. Dentre estes os que mais apreciei foram o café e a cachaça, não coincidentemente ambos originários, em sua maioria, da chapada diamantina.
As lojas possuem apelo turístico e justamente por isso sempre têm alguma cachaça como lembrancinha, na sua maioria marcas já conhecidas como Abaíra e Rio de Engenho. Chamo atenção para a cachaçaria Disfruit Cachaça e Cia. Uma boa variedade de rótulos bahianos que há quatro anos atrás simplesmente não encontrava nesta capital. Ressalto aqui a qualidade do atendimento da loja, assim como o fato de terem oferecido degustação de vários dos exemplares. No mundo da cachaça (assim como outros produtos), se o produto é bom, quem prova, aprova, compra e leva! Esta dica fica para os produtores quando remeterem suas garrafas para as lojas e distribuidoras.

Seleção Bahiana


Completando o time de novidades, sou presenteado pelo amigo Wagner (Niner Bikes) com uma garrafa produzida pela Serra das Almas da qual sou fã. O rótulo todo em inglês (para exportação) é sem dúvida alguma um dos mais bonitos que já vi, e olha que já vi foi rótulo! O nome bem sugestivo para uma cachaça da chapada diamantina: Abelha. É que a região possui largo histórico com produção de mel premiado em feiras e concursos por todo o país.
Rótulo da cachaça Abelha:impecável



Dos rótulos degustados devo chamar atenção para a  Paramirim  e a “Cachoeira do Buracão”. Esta última para os amantes de cachaça branca, uma cachaça cristalina, viscosa, atraente no olfato com referências florais misturadas à lembrança da matéria prima. No paladar uma agradável ardência típica de cachaça branca com a confirmação do floral. Enxuta na língua. Realmente uma boa novidade que certamente estará presente nos futuros rankings e premiações, podem anotar. 

Exercitando a degustação
 As cachaças do nordeste apresentam uma estética que precisa ser considerada com mais autenticidade por nós que somos do sudeste. Comparar uma boa cachaça branca do nordeste com uma boa do sudeste ou sul é um ótimo exercício para observar nuances que podem ser recorrentes em cachaças a partir de um recorte regional. Além disto serve para mostrar que  se no aroma os tons de frutado, ervas e legumes, cítricos e até acéticos são diferentes, imagine no paladar! Isto porque não temos um caldo de cana igual em todas as regiões do país. Com isto os processos de fermentação (sem falar no fator humano, destilação, madeiras...) se modificam. Mas e se tivéssemos um caldo de cana igual ao outro nas diferentes regiões do país? Tem muita gente pensando nisto.
 É polêmica a história de alguns pesquisadores e produtores em relação à pasteurização do caldo de cana para a produção de cachaça. Sabemos que ações como esta vêm acompanhadas de um pacote tecnológico que significa uso de leveduras selecionadas, destiladores com refluxo cada vez maiores (deflegmador), padronização com água desmineralizada dentre outras ações que visam maior qualidade e salubridade do produto sim, porém mais rendimento na produção. Tenho cá meus tradicionalismos em relação à pasteurização de caldo pois acredito que as bactérias são fundamentais ao flavor de qualquer produto fermentado mas para isso é importante que o produtor tenha os padrões de higiene respeitados e saiba buscar junto com seu agrônomo ou engenheiro químico responsável a melhor maneira de controlar fermentações indesejáveis (acética em excesso, butírica, levânica...). Acredito que este será um assunto protagonista do universo da cachaça em breve.

  A Chapada Diamantina
Cabe lembrar que a região da chapada diamantina  na Bahia é composta por várias cidades e é territorialmente muito grande. No caso da cachaça trata-se de uma dessas micro regiões brasileiras que se destacam pela quantidade de produtores e ultimamente pela qualidade. Fiquem atentos pois assim como o Brasil tem descoberto o brejo paraibano ouvirá falar cada vez mais da cachaça da Chapada Diamantina. Um rótulo fundamental para os amantes da cachaça é a Serra das Almas que possui um bom exemplar de envelhecimento em Garapeira e uma branquinha que é para mim uma das melhores do Brasil.
Serra das Almas: referência nordestina

No ano de 2012 em viagem à chapada diamantina (Vale do Capão, Vale do Pati, Zabelê/ Iraquara) tive a oportunidade de relatar neste blog um pouco do universo da cachaça em um pequeno pedaço desta região. “Abaíra ou Zabelê” , "Descobrindo Zabelê- Sr Daniel” são textos que podem ser conferidos aqui no blog com apenas um click. Confiram a riqueza de sua experiência com produção de cachaça, rapadura e destiladores (alambiques).

  Continuaremos nossa viagem na próxima postagem, desta vez na região do extremo sul da Bahia.