quinta-feira, 10 de novembro de 2016

No Alambique

No Alambique
Engenho Boa Vista: rústico e original como sua cachaça


O engenho Boa Vista fica a seiscentos metros de distância da casa de Sr Rubens e Dna Cida Chaves. Quando chegamos no alambique Nando recebia um carregamento de garrafas, conferia nota fiscal, volume das encomendas, enfim já mostrava ali que atua em todas as posições do time “Séc XVIII”.

Ultimamente os alambiques têm tido uma tendência a serem parecidos, ou pelo menos previsíveis, nos projetos. Conceitos de eficiência, lucratividade e as exigências do MAPA fazem com que muitos alambiques tenham a mesma marca e modelos de moenda, dornas de fermentação/aço inox, e equipamentos de destilação da marca líder de mercado. Ali no engenho Boa Vista, tudo diferente. Lembrou-me muito alguns alambiques de Paraty há alguns anos atrás, tudo muito simples, funcionando e limpo como têm que ser. Uma pia com um motor para higienizar garrafas de vinho, testemunhando o que hoje chamam de sustentabilidade e que Nando já incorporou como prática há bom tempo. A área de envase separada por uma divisória de vidro colocada para se adaptar as exigências dos fiscais. Adaptação que notoriamente não estava no “projeto original ” até porque o original é do Século XVIII. Ali em seu escritório que é ao mesmo tempo um estoque e almoxarifado Nando começou nosso atendimento.
Área de Envase

O Começo

  Nando falou de sua relação com a Universidade Federal de Viçosa onde se formou em  Zootecnia e adquiriu boa parte dos conhecimentos que de alguma maneira são utilizados na relação de respeito que possui com o meio ambiente na produção de sua cachaça. O produtor está à frente do alambique desde 1989. Antes disso foi responsável por distribuir a cachaça nos bares da região e conta como a partir dali começou a observar os hábitos dos seus consumidores.

  “ ...cada bebedor têm uma mania pra beber cachaça, uns rodam, uns recitam poema, uns dão pro santo  antes de beber, outros oferecem pro santo depois de beber , uns contam causos, mas cada um têm uma mania...” Conta como esta fase foi importante para seu conhecimento e formação no mercado da cachaça. Passou a identificar tipos de consumidores e a partir daí traçou melhor o perfil de identidade que iria trabalhar na Séc. XVIII.
Antes de mostrar o alambique um assunto que chamou nossa atenção foi o da adequação à legislação. Segundo Nando, sua família sempre foi muito preocupada em preservar o patrimônio histórico do engenho mas a partir do momento que o MAPA (Ministério da Agricultura) começou a estabelecer uma relação de maior fiscalização aos alambiques,  eles enquanto produtores não tinham como ao mesmo tempo atender às exigências e preservar sua história. Segundo ele isto cobrou muita perseverança e paciência pois talvez até hoje nossa legislação não abra precedentes para estes casos específicos já que estamos falando de uma unidade produtora de quase trezentos anos.
Projeto do(a) Séc. XVIII

Uma destas adaptações foi a desativação da cisterna subterrânea onde armazenavam sua cachaça que se mantinha branca. O reservatório era escavado na pedra e suas paredes eram calafetadas com parafina. Tiveram que desativar a cisterna e substituir o armazenamento pelo aço inox. O armazenamento em cisternas já fora bastante comum assim como o hábito de enterrar barris para que embaixo da terra o líquido fosse melhor acondicionado. Segredos que os laboratórios foram se apropriando de alguma maneira já que hoje em dia as adegas têm sido feitas em locais úmidos e escuros tendo (às vezes subterrâneos) inclusive com adegas dotadas de medição de umidade e temperatura do ar, o que vez ou outra faz com que o produtor molhe seus barris e jogue água pelo chão da adega em épocas mais quentes ou lugares mais secos.
No próximo capítulo abordaremos os "segredos que aos poucos os laboratórios desvendam" do Engenho Boa Vista.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Primeiros Goles / A pré-produção


Prosa com Nando Chaves


Religiosamente, em suas reuniões, a Confraria de Cachaça Copo Furado do Rio de Janeiro (a primeira do Brasil-1994) pergunta a seus visitantes como foi sua primeira experiência com cachaça. Em vinte e dois anos de existência muitas histórias inusitadas foram registradas em suas atas que revelam sobretudo a relação de afeto que o brasileiro possui com a Cachaça. Rico patrimônio o dessas atas!
Assistindo o vídeo produzido pela Cachaça Santo Grau, você leitor entenderá o figuraça que é o Nando Chaves e perceberá que seus primeiros paços ou "goles" são a história de sua relação familiar com a bebida. Recomendo que assistam.




A Pré- Produção

A ideia inicial era conhecer o alambique em funcionamento. Ainda em abril fiz contato por telefone com Nando Chaves perguntando se saberia quando o engenho começaria a alambicar ao que me respondeu: “...isso depende de São Pedro...” . Entusiasmado explicara que um dos critérios para começar a preparar o fermento é o ponto de maturação da cana.Desta maneira, Nando aguarda a primeira geada para “começar os trabalhos”. A partir da geada a cana começa a atingir seu ponto de maturação já que a cana produz mais sacarose com a queda da temperatura e com a falta de recursos hídricos (a geada acontece com a chegada do inverno que é seco). Já neste momento pude perceber que se tratava de um produtor diferenciado, atento e respeitoso do tempo da terra. Mais que isso, ao citar “São Pedro” evidencia o diálogo tanto com a sabedoria popular de sua região quanto com o conhecimento técnico-científico.



Esta prosa é só para apresentar os preparativos para o período de safra. Embora o vídeo tenha sido feito já no alambique, na próxima postagem falaremos um pouco de como o produtor foi assumindo responsabilidades no trabalho com cachaça começando como distribuidor regional passando por todas as funções do engenho. Não percam!

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Século XVIII aí vamos nós.



No mês de agosto resolvemos uma dívida antiga com o universo da cachaça. Visitamos o Engenho Boa Vista que produz a cachaça Século XVIII  e a matriz da cachaça “ Santo Grau” de Coronel Xavier Chaves na região dos Campos das Vertentes- MG.
Ao procurarmos informações na internet e outras fontes encontraremos muita coisa a respeito desta cachaça a maioria falando de seu passado “inconfidente”. Trata-se de uma das cachaças mais emblemáticas do Brasil!
Esta postagem será feita como uma destilação em “batelada” (fracionada) para que o leitor iniciante ou experiente possa degustar cada informação aos poucos e viajar.

 E para começar nossa viagem fica a dica do vídeo institucional do “ Circuito Turístico Trilha dos Incondifentes” /tvlocal produtora, onde Nando Chaves apresenta a Séc. XVIII e o Engenho Boa Vista. Os motivos para acompanhar as próximas postagens ele fala e deixa bem claro. Então não perde tempo tenta arrumar uma Séc XVII porque sabor o computador ainda não passa.



Nas próximas postagens abordaremos o protagonismo de Nando Chaves na produção da Séc.XVIII, apontaremos como este produto ainda se destaca em um mercado tão concorrente e mostrar como a Séc. XVIII têm enfrentado os desafios de preservar seu patrimônio histórico e cultural em relação às exigências atuais de mercado e legislação (Ministério da Agricultura) afinal cachaça temos muitas porém com quase trezentos anos de história, essa é única, então não deixe de acompanhar.
  Agradecimento a Eduardo Rodrigues da Produtora Local que disponibilizou o vídeo. O mesmo encontra-se no You Tube.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

A Matriarca



No mês de fevereiro ganhei uma cachaça armazenada em uma madeira no mínimo inusitada: Jaqueira. Confesso que já tinha visto artesanato e movelaria com jaqueira mas tonel nesta madeira para mim foi uma agradável novidade e de tão curioso, no mês de maio aproveitei uma viagem a cidade de Teixeira de Freitas, na região do extremo sul da Bahia, para conferir de perto a produção desta cachaça.
Matriarca na vitrine do Restaurante Sinhô
   O contato com o alambique foi feito através do site divulgado na embalagem da garrafa, o que ainda é muito raro no universo da cachaça. Ter uma interface digital é algo que pode ajudar na divulgação e até distribuição das marcas de cachaça, porém esbarramos em uma questão básica que é a chegada da internet em nossas cidades e distritos. A outra questão é o uso desta ferramenta pelos produtores. Tenho visto muito material na internet produzido por degustadores, estudiosos e acadêmicos, mas os produtores, na sua maioria, ainda estão fora deste universo. A internet veio pra ficar e não dialogar com o universo digital não só não abre portas, como pode até mesmo fechar as já abertas. Fica a dica!
  Voltando a Matriarca, depois de deixar tudo agendado por email/telefone rumamos para Teixeira de Freitas- BA. No quesito comunicação nota 10 para a Matriarca!

  Ponto de partida em Teixeira de Freitas: o restaurante Sinhô, que é capitaneado por Maíra, uma das filhas de Beto Pinto, o produtor da cachaça. Aos que estiverem nesta cidade fica aqui a sugestão de conferir o cardápio feito com muita autenticidade e bom gosto, algo perceptível também na decoração do restaurante. Carnes diferenciadas como a do gado Wangus (cruzamento do nipônico Wagyu como o europeu Angus) e do Java-porco mostram que a gastronomia é algo levado a sério pela família.
  Aproximadamente quarenta minutos de rodovia entre florestas de eucaliptos e canaviais chegávamos na divisa de Caravelas com Medeiros Neto onde mais precisamente fica o alambique. Fomos recebidos pela Sr Lana, esposa de Beto, que junto com as filhas apresentou a sede da fazenda.
  A propriedade Cio da Terra possui como atividade principal a produção e extração de madeira renovável de eucalipto, cana para usinas de combustível e gado como o já citado Wangus. Beto nos contou a relação da região com produção de cachaça, a presença maioritária de produtores ainda informais e também a atividade de estrangeiros na região montando alambiques já preocupados com qualidade.
  A estrutura da Matriarca foi toda concebida a partir da referência mais próxima que possuem em relação à produção de cachaça: Salinas, que fica a 400 km de distância da cidade de Medeiros Neto. Beto bebeu tanto na fonte de Salinas que “importou” um tanoeiro de lá e dessa forma pode dar início a produção dos próprios tonéis utilizando um conceito que trouxera da experiência com o eucalipto: o das madeiras renováveis. Explicou-nos o tempo mínimo para crescimento e corte de espécies como Jequitibá, Imburana e Bálsamo e compartilhou a necessidade de se discutir a renovação de madeiras utilizadas para tanoaria. Tanto na cultura da cana quanto na cultura do eucalipto, as clonagens de laboratório permitem que variedades melhoradas sejam mais produtivas em menor tempo. Mas e no caso das madeiras para tonéis, isso seria possível? Sim, mas segundo Beto, ainda estamos engatinhando no que se refere a produção de mudas nativas clonadas.
Barris de jaqueira da Matriarca
   O projeto do alambique da Matriarca contou com a assessoria de Amazile Biagione Maia, talvez o nome mais recorrente e um dos mais competentes na assessoria técnica de alambiques. Amazile sempre foi uma entusiasta das madeiras nacionais. Beto refletiu que na região a jaqueira sempre foi madeira utilizada para tudo: movelaria, artesanato, construção civil. Como esta árvore costuma ser frondosa, é possível fazer largas ripas com ela. Contou-nos de fazer experiência com as árvores da jaca mole e dura e como esta madeira é rica em tanino. Segundo ele, os primeiros barris eram extremamente rápidos para dar cor e sabor aos destilados armazenados.
Adega da Matriarca

  Além da Jaqueira, Beto possui Imburana, Bálsamo e a prata (aço inox) para comercialização, mas possui também Jequitibá e Louro Canela para “Blendar” a cachaça. Quando pergunto que tipo de fermento utiliza, ele diz: “...agente sempre joga um pouco de amido no início...”. Um de seus objetivos no futuro é utilizar a levedura selecionada de seu próprio canavial. Segundo ele já possui uma centrifugadora para iniciar este processo, mas ainda precisa desenvolvê-lo junto com algum laboratório. 
  A estrutura da indústria é realmente monumental . Sua capacidade de produção é 500mil litros, isto mesmo, meio milhão de litros! Atualmente possuem aproximadamente 320 mil litros armazenados. Chamo a atenção de estar construindo uma fábrica de doces próximo ao alambique. A boa oferta de cana faz com que enverede por outras searas. Segundo ele, o alambique tem que estar próximo ao canavial para que a cana não “viaje” muito.

 A destilação é feita com aquecimento de caldeira, o que lhe confere maior rendimento, higiene e controle de temperatura durante o processo. Realmente um projeto muito bem feito. Quando lhe pergunto em que meses alambicam na região ele diz: “...nos meses sem a letra “r”...” segundo ele por serem mais frios.
 Chamo atenção ao fato de Beto Pinto ser um verdadeiro devoto da cachaça. Na sede de sua fazenda possui tudo que remeta a cultura da cachaça: plaquinhas, réplica de destilador e uma infinidade de rótulos de cachaça, alguns já raridades. Nota-se que as coleções e acervos pessoais são o primeiro passo de muitos produtores de cachaça que 

estabelecem antes de tudo, uma relação afetiva com o símbolo cachaça.
  Em relação aos produtos chamo atenção à sua cachaça prata que possui baixíssima acidez, referência doce tanto no olfato como paladar e um acético comum nas cachaças nordestinas. Uma bela Matriz!
  Como até agora só provei uma marca de cachaça em jaqueira , não posso compará-la com outra, mesmo assim faço aqui algumas observações:

Visual. O produto é translúcido e bem filtrado. Possui um dourado tendendo para o amarelo. Sem colarinho ou a permanência de borbulhas, apresenta viscosidade no rastro do copo que se desfaz rapidamente. Baixa oleosidade;

Aroma. Madeira úmida e folhas úmidas com um pouquinho de aniz encontrado algumas vezes no Bálsamo. A referência da cana fica em segundo plano porém de maneira harmônica (para meu paladar). O bouquet de uma forma geral não é muito ativo, o que intriga o degustador na identificação da madeira e gera a curiosidade de experimentar a cachaça no paladar.

Paladar. Há duas sensações que chamam atenção. Uma é a confirmação do aniz que pode-se confundir ligeiramente com um canela, e outra o “enxuto” que sugere cica de casca de frutas (como casca de goiaba ou cajá manga) também conhecido como nódoa. Esta última sensação sugere algo táctil mas não posso afirmar isto com exatidão. Minhas referências pessoais foram o cipó mil homens, e até mesmo a canela sassafrás, mas muito mais por um certo apimentado do que amadeiramento.

 Provei desta cachaça algumas vezes, não só estudando-a como simplesmente bebendo e outra observação que faço é que sua coloração sugere um amadeiramento intenso, o que não se confirma no paladar. Esta madeira realmente deve ser mais estudada por todos os atores do universo da cachaça.
Aos que estiverem em Teixeira de Freitas, os lugares mais indicados para a compra da Matriarca são o restaurante Sinhô, e o mercado municipal, onde a Matriarca conta com uma loja.

  Agradeço a Beto Pinto, sua esposa Lana e suas filhas pela recepção, acolhimento, atenção e carinho em nos mostrar tudo sobre a Matriarca que ao mesmo tempo pude perceber ser parte da história da família, já que o próprio nome da cachaça é uma referência à mãe de Beto Pinto e à região do descobrimento. Agradeço a Jaqueline Luz, Ananda Luz, Tarsila Luz Matraca e Marcus Matraca pela companhia, incentivo e pelos registros. Agradeço à lena, funcionária da Matriarca, que fez o primeiro e último atendimento passando informações adicionais para viabilizar a postagem. 

Ponta de Areia Ponto Final


Como não poderia ser diferente aproveito para falar um pouco de música e turismo. Aproveitamos a proximidade e conhecemos Prado, Alcobaça e Ponta de Areia, distrito de Caravelas. Esta última chama atenção pelo bucolismo. Parece que visitamos uma cidade mineira na Bahia e essa sensação é fácil de explicar já que a cidade de Ponta de Areia fora por muito tempo a última estação da antiga ferrovia Minas – Bahia. Esta ligação entre os dois estados ainda é muito forte e percebe-se traços culturais do norte de Minas no extremo sul da Bahia. Pena que as estradas de ferro sejam atualmente lembranças de um tempo passado. 
Prado

















Recomendo a visita a região, pelo valor histórico e pela beleza de suas paisagens. Fica aqui a reflexão sobre a viabilidade das estradas de ferro como atrativos turísticos em regiões como essa.


A propósito: Tarsila, o Milton também toca sanfoninha!

(Vídeo de L. martins, 19/07/2014 Ribeirão Preto)

quarta-feira, 15 de junho de 2016

"...Primeiro Chão na Bahia...'

Museu Casa do Rio Vermelho
Nossa próxima viagem é para a matriarca das terras brasileiras: Bahia.
Em dois  diferentes momentos pude conferir, neste primeiro semestre , algumas interessantes novidades neste estado. Posso dizer que não são poucas e para facilitar a leitura, os textos serão publicados  em partes como em um alambique em alusão as fases de produção da cachaça (moagem, fermentação, destilação e armazenamento). Espero que apreciem como uma boa cachaça, aliás acompanhados de uma boa pinga.

Bahia 1° Parte

No Rio Vermelho
Museu Casa do Rio Vermelho













No janeiro deste ano estive em Salvador e as dicas que compartilharei aqui são do universo da cachaça, da literatura e da música.
Acolhido por amigos moradores do bairro “Rio Vermelho", estive a poucos metros da Casa do Rio Vermelho e coloco esta como uma programação indispensável a quem visita a cidade.
A relação do Autor com o Candomblé
Trata-se da residência de Jorge Amado e Zélia Gattai que em uma parceria da família com a prefeitura de Salvador transformou-a em museu. O visitante em um primeiro momento pode achar salgada a entrada para a exposição mas pouco tempo depois desvendará ali verdadeiros  tesouros.
Cartas, fotos, depoimentos, vídeos, roupas,  revelam com maior profundidade  a vida e a obra do autor e o protagonismo de  Zélia, não apenas como companheira mas como autora e mulher à frente de seu tempo. A relação de Jorge e Zélia com a política e com o Candomblé são temas destacados pela curadoria da casa assim como a amizade com o artista Carybé. Um museu interativo, atual, com assinatura  do desinger Gringo Cardia. É uma visita fundamental para quem gosta de literatura, da Bahia, sua gente, sua música e sua história. Diria para quem gosta de cachaça também afinal de contas seja em personagens como Quincas Berro D'agua ou Gabriela (que batiza a cachaça temperada mais famosa do país), a bebida também está presente na obra de Jorge Amado.
a cama do casal servindo de tela de projeção
Em minha trajetória como músico, tive a oportunidade de participar de dois trabalhos abordando a obra de Jorge Amado: o CD  “Músicas para Saudar Jorge Amado” (2013) e o DVD (2015) com a Orquestra Revelia. Os trabalhos fazem uma abordagem musical de algumas  obras do escritor. Uma das faixas inclusive chama-se " No Rio Vermelho " (Luiz Potter) e homenageia a residência de Jorge e Zélia. A partir da visita a este museu foi inevitável lembrar dos companheiros de orquestra e da resignificação de sua obra a partir destes trabalhos.
 Fica a dica da Casa do Rio Vermelho para quem estiver em Salvador e do CD para quem quiser "escutar" Jorge  Amado.





Mercado do Rio Vermelho
No mercado do Rio Vermelho, com ares de mercado central como os de São Paulo ou o Cadeg do Rio de Janeiro, chamo a atenção para a organização e a oferta de produtos de altíssima qualidade. Dentre estes os que mais apreciei foram o café e a cachaça, não coincidentemente ambos originários, em sua maioria, da chapada diamantina.
As lojas possuem apelo turístico e justamente por isso sempre têm alguma cachaça como lembrancinha, na sua maioria marcas já conhecidas como Abaíra e Rio de Engenho. Chamo atenção para a cachaçaria Disfruit Cachaça e Cia. Uma boa variedade de rótulos bahianos que há quatro anos atrás simplesmente não encontrava nesta capital. Ressalto aqui a qualidade do atendimento da loja, assim como o fato de terem oferecido degustação de vários dos exemplares. No mundo da cachaça (assim como outros produtos), se o produto é bom, quem prova, aprova, compra e leva! Esta dica fica para os produtores quando remeterem suas garrafas para as lojas e distribuidoras.

Seleção Bahiana


Completando o time de novidades, sou presenteado pelo amigo Wagner (Niner Bikes) com uma garrafa produzida pela Serra das Almas da qual sou fã. O rótulo todo em inglês (para exportação) é sem dúvida alguma um dos mais bonitos que já vi, e olha que já vi foi rótulo! O nome bem sugestivo para uma cachaça da chapada diamantina: Abelha. É que a região possui largo histórico com produção de mel premiado em feiras e concursos por todo o país.
Rótulo da cachaça Abelha:impecável



Dos rótulos degustados devo chamar atenção para a  Paramirim  e a “Cachoeira do Buracão”. Esta última para os amantes de cachaça branca, uma cachaça cristalina, viscosa, atraente no olfato com referências florais misturadas à lembrança da matéria prima. No paladar uma agradável ardência típica de cachaça branca com a confirmação do floral. Enxuta na língua. Realmente uma boa novidade que certamente estará presente nos futuros rankings e premiações, podem anotar. 

Exercitando a degustação
 As cachaças do nordeste apresentam uma estética que precisa ser considerada com mais autenticidade por nós que somos do sudeste. Comparar uma boa cachaça branca do nordeste com uma boa do sudeste ou sul é um ótimo exercício para observar nuances que podem ser recorrentes em cachaças a partir de um recorte regional. Além disto serve para mostrar que  se no aroma os tons de frutado, ervas e legumes, cítricos e até acéticos são diferentes, imagine no paladar! Isto porque não temos um caldo de cana igual em todas as regiões do país. Com isto os processos de fermentação (sem falar no fator humano, destilação, madeiras...) se modificam. Mas e se tivéssemos um caldo de cana igual ao outro nas diferentes regiões do país? Tem muita gente pensando nisto.
 É polêmica a história de alguns pesquisadores e produtores em relação à pasteurização do caldo de cana para a produção de cachaça. Sabemos que ações como esta vêm acompanhadas de um pacote tecnológico que significa uso de leveduras selecionadas, destiladores com refluxo cada vez maiores (deflegmador), padronização com água desmineralizada dentre outras ações que visam maior qualidade e salubridade do produto sim, porém mais rendimento na produção. Tenho cá meus tradicionalismos em relação à pasteurização de caldo pois acredito que as bactérias são fundamentais ao flavor de qualquer produto fermentado mas para isso é importante que o produtor tenha os padrões de higiene respeitados e saiba buscar junto com seu agrônomo ou engenheiro químico responsável a melhor maneira de controlar fermentações indesejáveis (acética em excesso, butírica, levânica...). Acredito que este será um assunto protagonista do universo da cachaça em breve.

  A Chapada Diamantina
Cabe lembrar que a região da chapada diamantina  na Bahia é composta por várias cidades e é territorialmente muito grande. No caso da cachaça trata-se de uma dessas micro regiões brasileiras que se destacam pela quantidade de produtores e ultimamente pela qualidade. Fiquem atentos pois assim como o Brasil tem descoberto o brejo paraibano ouvirá falar cada vez mais da cachaça da Chapada Diamantina. Um rótulo fundamental para os amantes da cachaça é a Serra das Almas que possui um bom exemplar de envelhecimento em Garapeira e uma branquinha que é para mim uma das melhores do Brasil.
Serra das Almas: referência nordestina

No ano de 2012 em viagem à chapada diamantina (Vale do Capão, Vale do Pati, Zabelê/ Iraquara) tive a oportunidade de relatar neste blog um pouco do universo da cachaça em um pequeno pedaço desta região. “Abaíra ou Zabelê” , "Descobrindo Zabelê- Sr Daniel” são textos que podem ser conferidos aqui no blog com apenas um click. Confiram a riqueza de sua experiência com produção de cachaça, rapadura e destiladores (alambiques).

  Continuaremos nossa viagem na próxima postagem, desta vez na região do extremo sul da Bahia.

  

domingo, 20 de dezembro de 2015

"O bom Vaqueiro não perde a Viagem/Corrida"




Alguns passos que damos em nossas vidas nos levam para um acerto de contas de coisas das quais nos interessamos (às vezes inconscientemente) e pelas quais acabamos sendo porta-vozes de vozes roucas ou quase mudas.
Sempre me interessei pelo sertão brasileiro e isto têm se manifestado através da música (desde que me entendo por gente) e por alguns de seus símbolos como a cachaça. Estas, a música e a cachaça, têm sido ao mesmo tempo companheiras e motivo de viagens e o que têm se descortinado para mim é místico, real e ancestral. Acredito que após lerem esta matéria talvez compreendam isto.

A força do Sotaque

Ainda criança observava o sotaque de pessoas do interior, principalmente do nordeste brasileiro e achava muita semelhança na forma como falavam ao lidar com as pessoas e com o gado. “Ê  boi” e “ê rapá” são exemplares. Quando comecei estudar um pouco a cultura do Sul do Brasil observei este mesmo fenômeno. Expressões como “Fala vivente” ou “Fala índio velho” denunciavam a mesma origem do sotaque. A sonoridade das palavras acentuadas na primeira sílaba e expressões curtas demonstrando que para o trabalho com gado e cavalos há uma forma de emitir sons e ruídos que pode se confundir, mesmo em dois lugares tão distantes como o pampa e a caatinga.
Neste novembro estive na Mostra Sesc Cariri- CE para apresentar o “Baile Ambulante” com a corajosa e porque não dizer “cabra da peste” Fanfarrada, grupo de percussão e instrumentos de sopro onde deposito ar, som, tempo e vida junto com alguns companheiros. A partir desta oportunidade nasceu o relato das experiências vividas em Juazeiro, Crato, Barbalha, Nova Olinda e Assaré.

"Enjoazeiro"



A descida no aeroporto de Juazeiro do norte foi algo pra se esquecer devido às turbulências do vôo. Um episódio batizado de “Enjoazeiro”, algo que depois ficamos sabendo que deve-se à força dos ventos na região na parte da manhã. Os dois primeiros dias foram de trabalho junto com a equipe da Fanfarrada e nossa programação ficou muito por conta da agenda do festival. Ainda assim falando de lazer, pudemos conhecer o bar “Oásis” onde fica a nascente que abastece o Crato e que não decepciona a apresentação do nome. Água farta, piscina de água natural, cerveja a preço justo e um peixe frito inesquecível. Isto no meio de um calor que só quem passou do meio da Bahia rumando para o norte conhece.

A mostra  Sesc Cariri reúne artistas de diversas linguagens e regiões do país e além de proporcionar à população variedade de espetáculos, possibilita que artistas troquem experiências no que se refere a fazer arte nesse Brasil. Foi assim que mesmo sendo ambos do Rio, eu e o violonista Zé Paulo Becker, pela primeira vez, pudemos beber uma cerveja e conversar sobre produção cultural. Imagine, no Ceará!
Em relação às apresentações tocamos em duas praças, uma em Juazeiro e outra no Crato, tempo suficiente para perceber o acolhimento da população, a força de valores católicos e principalmente do nome Padre Cícero. Com todo respeito, Padre Cícero está para Juazeiro assim como São José de Ribamar está para o Maranhão e isto se percebe nos nomes de pessoas, lugares e estabelecimentos. De certa forma até na imagem símbolo da cidade. Juazeiro, cidade de comércio forte, Crato clima bucólico. Em ambas uma gente muito autêntica, fruto da importância histórica da região.

Fanfarrada em Juazeiro

Enquanto músicos gostaríamos de ter tocado em outros lugares na região independente da programação do Sesc e após o retorno da maioria do grupo da Fanfarrada percebo que espaços como como a cantina Zé Ferreira (Juazeiro) ou o bar do Naldinho (Crato), poderiam nos acolher por serem lugares de encontro do povo jovem da cidade, universitário (URCA- Universidade Regional do Cariri) e que me pareceu super aberto a novidades artísticas.

Vou pro Crato

Acervo do museu da ONG Beatos

 O interesse pela região era antigo e ao escutar músicas como “Eu vou pro Crato” pude entender melhor a relação de proximidade de Luiz Gonzaga com aquela cidade. Frases como: “... tomar banho de nascente na subida do lameiro tomo uns trago de aguardente...” passaram a fazer todo sentido depois desta viagem até porque inusitadamente acabei hospedado em uma casa no bairro do Lameiro, graças ao amigo Thiago Queiroz, saxofonista que além do nome,  teve em comum o desejo de alongar sua estadia no Cariri. 

O espírito do museu

Agradeço aqui mais uma vez a Dani da ONG Beatos que além de nos acolher em sua casa nos apresentou seu museu de tradições e valores culturais do Cariri. Em pouco tempo foi possível perceber a consistência de seu trabalho a favor da cultura local.


Respeita os Oito Baixos


Uma das apresentações que pudemos assistir na programação desta 17°mostra Cariri foi a de um sanfoneiro de oito baixos impressionante. Sr Chico Paes! A correria de tocar, deixar os instrumentos no hotel (onde ficamos hospedados no início) voltar para Juazeiro e depois ir para o largo da RFSA, no Crato, fez com que chegássemos já no fim de sua apresentação e curtíssemos apenas duas músicas e um acalorado pedido de bis, atendido com vigor para um senhor de noventa anos. Quem estava dividindo o palco com o Sr Chico Paes era Guilherme Mará, que eu já conhecia aqui do Rio. Posso dizer que de certa forma sempre acompanhei o trabalho de Mará através do Forróçacana, vez ou outra esbarrava com ele pelo bairro das laranjeiras aqui no Rio, mas nunca tive a oportunidade de trocar uma ideia com o cara. Vê-lo ali produzindo aquele senhor, farto de arte, com ares de utilidade pública me fez admirá-lo ainda mais, mesmo sem ainda ter tido uma prosa com o cara. Após a apresentação fomos conversar com Mará e Mirele sua esposa. Thiagô (como de fato é conhecido o Thiago Queiroz, a lenda carnavalesca) já os conhecia há muito tempo e isto foi importante para ali naquele momento definirmos o roteiro de um passeio pelo sertão do Cariri. Cariocamente, ou seja sem compromisso, cogitamos a possibilidade de ir a Nova Olinda na casa do Sr Espedito Seleiro, celebridade do mundo Cariri, famoso por seus trabalhos em couro e na sequência aproveitar para visitar mestre Chico Paes em Assaré, terra de outro grande mestre: O Patativa do Assaré.
 Alugamos um carro e no primeiro dia eu e Thiagô fomos à Barbalha, município próximo de juazeiro que fica na direção da serra do Araripe onde conhecemos o distrito de Caldas. Para não perder o hábito, decidi por aproveitar a oportunidade e visitar a unidade de produção da “Kariri com K”.

A Kariri com K

Na distribuição da Kariri com K
 Antes de ir ao Cariri já tinha estudado a tradição da produção canavieira na região. Historicamente a região sempre produziu cachaça porém com o processos de industrialização da década de cinquenta do século passado, os alambiques deram lugar às usinas. Os dois estados do nordeste que mais “industrializaram” sua produção de cachaça foram Pernambuco e Ceará e ainda hoje as duas maiores marcas de cachaça do nordeste ilustram a força desta industrialização: Ypióca-CE, Pitu- PE.

Em meio aos tonéis de Freijó da Kariri com K
A experiência na visita a alambiques faz com que já esperemos um cenário mais ou menos previsível em relação a uma unidade produtora de cachaça. A entrada geralmente uma porteira, já no caminho um canavial e ao fim a destilaria que pode ou não ficar próximo à sede da fazenda, ou escritório. Pois bem, no caso da “Kariri com K” na unidade de Barbalha o que vimos foi apenas o escritório. Eu e Thiagô fomos muito bem recebidos por um casal de funcionários. O rapaz contou-nos sua trajetória na empresa que ali naquele lugar era na verdade uma unidade padronizadora, engarrafadora e distribuidora de cachaça. Alambicar mesmo isto eles não faziam. Mas como a cachaça surgia ali? A cachaça vem de Pernambuco (fica realmente muito próximo) e ali é engarrafada. Perguntei de que cidade vinha a cachaça e o funcionário não soube responder. Resumindo: a kariri com K, pelo menos aquela de Barbalha que é a sede da empresa, é produzida em Pernambuco. Trata-se de uma cachaça de coluna muito antiga na região e que é distribuída para todo o nordeste, Rio de Janeiro e São Paulo.
Ao que sei atualmente a região produtora de cachaça de alambique do Ceará fica ao norte, na serra de Ibiapaba  e em municípios como Viçosa e Carnaubal. É o rumo do Piauí. Lá se produzem cachaças de alambique mais conhecidas como a “Rapariga” ou a “Guaramiranga” mas também produzem cachaça de alambiques sem registro. O que aqui no sudeste alguns chamam genericamente de “Cachaça de Minas” para designar a cachaça de alambique, no norte do Ceará eles chamam de cachaça da “Serra” ou simplesmente “Serrana”. Fica a dica.


Até o fechamento desta postagem tive conhecimento de um curso de produção canavieira no CENTEC de Barbalha (Instituto de ensinotecnológico) mas não obtive maiores informações de como está o projeto que foi construído com o intuito de reestabelecer a cultura canavieira na região. Oxalá tenhamos novidade no mundo da cachaça do Cariri. 


Após esta visita, rumamos para o Balneário de Caldas ainda em Barbalha. Uma área de mata atlântica muito bem preservada, com várias espécies de árvores identificadas e com uma nascente que intitulam a mais pura da região nordeste, além de algumas piscinas. A nascente fica em uma gruta e lembra a pureza das águas de São Lourenço- MG, com uma diferença: você pode banhar-se em suas águas. Lugar recomendadíssimo para os que forem no roteiro Juazeiro/Crato/Barbalha (Crajuba). Para quem gosta de árvores como eu, é uma oportunidade de ver exemplares como : “Frei Jorge”, também conhecido como Freijó madeira muito utilizada para armazenamento de cachaça no nordeste,  o Pau Branco, o  Louro e o Gitó. A estrutura e a organização do parque são um show a parte.


Assaré

No dia seguinte, já cedo partimos em comitiva para Assaré, eu, Thiagô, Mará, Mirele e Flor, a filha do casal. Mará na direção junto de sua esposa apresentava os lugares e compartilhava conosco a fantástica experiência de largar tudo no Rio de Janeiro e rumar para o nordeste levando a própria mudança em um Santana Quantum. Os desafios, o encantamento com a tranquilidade da população, as dificuldades e as mudanças do Rio de janeiro dos últimos anos e a força da política nas relações do interior nordestino.  Tivemos tempo até de escutar do casal o relato da dificuldade de manter uma dieta sem carne no nordeste.
Na verdade o que percebi é que os cariocas possuem muito da cultura nordestina a partir dos nordestinos. O meu caso é um exemplo, sou filho de maranhenses, possuo uma identificação com a cultura nordestina muito grande mas o que conhecemos do nordeste é ainda algo muito superficial porque na maioria dos casos estamos no nordeste por pequenos períodos e nosso aprofundamento sobre a região nunca é muito grande pois a referência de tempo, distância e mesmo outros valores, estão ligados a cidade grande e seu ritmo (no caso o sudeste). Minha identificação com Mará foi grande por perceber nele o interesse de ser um pouco o nordeste, muito mais do que estar no nordeste. Percebi o prazer dele em falar das cidades daquela região com se já fosse de lá e vez ou outra apresentava um lugar a partir de uma música, como se essa fosse o veículo e razão de estar ali. Pareceu-me a história de uma pessoa que gosta de música flamenca e vai morar no sul da Espanha, gosta de artes marciais e vai para o Japão. No caso dele o forró o levou para o Cariri.
Antes de chegarmos na casa do Sr Chico Paes  Mará explicou a relação que tem criado com o artista e o interesse de promover a obra do Sanfoneiro. Mará produziu o trabalho de outro grande poeta da Oito Baixos: Zé Calixto, este último residindo aqui no Rio. Foi muito rico perceber a história que têm construído com a Oito Baixos e seus representantes.




“Anima minha gente que chegou o sanfoneiro”

Chegamos na casa de Chico Paes, a esposa nos acolhe em uma sala simples que estampa com orgulho banners e painéis do artista da casa que não se encontrava naquele momento. Na sala  Mará começa a tocar sua oito baixos. Pego um Cavaquinho que Mará levara e começo a acompanhá-lo, em pouco tempo já estávamos mais próximos, desta vez fazendo música. Minutos depois chega Chico Paes na garupa de uma moto. Imagina, um senhor de noventa anos na garupa de uma moto! Sr Chico impressiona pela vitalidade e lucidez. A partir dali a conversa passou a ser o último show que fizera no Crato, seu retorno para Assaré e os planos. Fomos para o interior da casa, para a cozinha. Lembrei da casa de minha avó, onde a cozinha era sempre mais acolhedora que a sala. Mais um pouco vamos para a área no fundo da casa, quando seu Chico começa a tocar. Minha cabeça naquele momento vira um turbilhão de sentimentos. A agilidade de Sr Chico com o instrumento, a cena dele sentado na rede, remeteu-me a referências nordestinas como os senhores lá do Maranhão (Tio Joaquim no Brejo ou Tio Alcir em Codó).  Posso dizer que “levamos um som” com Sr Chico Paes que também é bom de prosa. Pergunto-lhe se chegou a conhecer o velho Januário (pai de Luiz Gonzaga). Diz que não, mas que seu pai sim e falava muito bem dele. “...O cabra era bom mesmo...”. Pergunto a Sr Chico se ainda compõe e ele mostra o “Rasga lata”, música que têm desenvolvido nos últimos dias.




 Sr Chico aprendera a tocar ainda criança, com o pai. Percebi que as relações de aprendizado da Oito Baixos se davam em outro momento a partir de laços familiares e que este instrumento apresentava a forma como os antigos se divertiam. Durante o dia: roça, vaqueiro, no fim do dia sanfoneiro. Além de Zé Calixto, Luiz Gonzaga e Januário outros sanfoneiros foram citados como Dominguinhos e por mais longe que estivesse: Borguetinho!

Do sul para o norte


Sempre fui fã de Borguetinho. A opção de fazer música instrumental regional o faz referência para muitos artistas e destes, talvez eu seja um. Até hoje também não encontrei alguém que falasse mal do indivíduo, e ali a quase três mil quilômetros de distância vi o quão longe pode chegar a generosidade de uma pessoa. Mará nos conta que em um determinado momento fizeram uma campanha para comprar um novo instrumento para Chico Paes. Diz que esta campanha tomou proporções tão grandes que chegou ao conhecimento de Borghetinho que enviou um instrumento para o sanfoneiro nordestino. Quando vi o instrumento me emocionei.
Abrindo um apêndice, no filme “ A linha fria do horizonte” dirigido por Luciano Coelho, artistas e pensadores  defendem o Pampa, como uma região autêntica com estética própria que muitas das vezes não é representada pela grande mídia. Eu, Thiago Pires convido qualquer cineasta interessado  a produzir “ A linha quente do Horizonte” porque a Caatinga, é outro lugar que não é representado pela grande mídia brasileira. Resquícios de valores ultrapassados da Europa associaram o calor à pobreza, como se menos oferta d’agua na caatinga fosse desequilíbrio, como se o bioma dos espinhos e cactos não fosse vivo. Essa cultura ultrapassada só não conseguiu falar mal das pessoas e do céu porque estes são inquestionavelmente belos. Total desconhecimento da Caatinga! A estética da Caatinga é própria ainda que menos presente no imaginário de muitos brasileiros. Isto acontece com a região norte também quando escutamos o termo  “Amazônia” de forma tão abrangente que muitas vezes não significa nada.



Quando vi a sanfoninha de Borguetinho, rústica, com um belíssimo trabalho de entalhe na madeira senti o sul muito próximo. O sul do amigo Moraes. Gaúcho de Arroio Grande- RS, e responsável por me apresentar, a partir da música, uma perspectiva muito interessante sobre a cultura campeira, nativista, criola. A relação com o cavalo Criolo no trabalho com o gado é uma temática recorrente na vida do gaúcho e junto disso aparecem tantos outros símbolos como as pajeadas, o mate e o couro. Conheci a obra do poeta Jaime Caetano Braun e encantei-me tanto que batizei minha experiência com cachaça em Saquarema – RJ, de “Tio Anastácio”, referência ao mítico personagem do poeta gaúcho.
A ponte que ligava o sul ao norte estava ali, concreta. A cultura do vaqueiro, o chapéu de couro e o chapéu campeiro, a gaita de ponto e a oito baixos estavam lado a lado como se a distância física fosse
um mero detalhe.

Um pouco de História


O Ceará é um estado que se constituiu a partir da cultura do vaqueiro. Os vaqueiros foram responsáveis por descobrir outras rotas de interiorização do Brasil e este êxodo dos vaqueiros na caatinga começa na Bahia e atravessa pelo interior do nordeste até o Piauí. É importante lembrar que o interior do Maranhão também absorveu bastante desta cultura principalmente perto do Parnaíba, porém quanto mais a oeste do Maranhão, mais encontramos a influência indígena da região norte, com a cultura da pesca e da extração. Traçar um elo entre o sul e o nordeste a partir da cultura do gado não é nada difícil e a Oito Baixos é um exemplo. Porque no sul durante muito tempo a rotina também foi essa: na manhã peão, gaudério, ginete, a noite sanfoneiro.
Há muito tempo já traçava relações entre os versos de Jaime Caetano Braun com o universo rural de Patativa do Assaré. Posso afirmar que é muito fácil achar similaridades no mundo rural descrito por ambos. Um falando do Pampa, o outro da Caatinga. Um no sul, outro no nordeste.
Saí da casa de Chico Paes alimentado de Oito baixos, sabendo um pouquinho mais de “Onde vem o Baião” até porque estávamos a menos de cinquenta quilômetros de Exu, cidade de Luiz Gonzaga.
Após um delicioso almoço caseiro seguimos viagem. Encontrar Sr Chico Paes foi um imenso aprendizado do ponto de vista musical, humano, geográfico e porque não dizer: sensorial. Marcante!

O Museu de Patativa

Placa numa rua de Assaré


Visitamos o museu dedicado a Patativa do Assaré. Já tinha lido muitos poemas do “Cante lá que eu Canto cá” ed. Vozes e já conhecia uma pitada de sua obra. O que me impressionou bastante foram depoimentos de que Patativa era capaz de elaborar um poema para uma pessoa, ficar muito tempo sem vê-la e ainda assim recordar-se do poema original, tudo de cabeça. Impressionante. No museu é possível comprar cds e livros também. Chamo atenção que em muitas esquinas da cidade de Assaré encontramos placas de identificação da rua com poemas de Patativa. É bom quando topamos com arte em cada esquina literalmente.

O Seleiro de lampião

 Nossa penúltima parada: Nova Olinda. Já tinha visitado esta cidade no terceiro dia de viagem com mais três companheiros de fanfarra. Na oportunidade fomos de van e estávamos reféns do tempo. Fomos à loja de Sr Espedito Seleiro que lá não estava. Nesta segunda ida, o artesão se encontrava com a família na calçada em frente a loja, a oficina funcionando e tudo com um ar mais “vivo” do que na primeira vez. Mará nos apresenta e começa a tocar na calçada, como se aquela sanfona fosse um cartão de visita, um presente.
Conversei com Espedito Seleiro. Procurava um chapéu de vaqueiro de aba larga. O que ele tinha lá  só tinha três dedos de aba. Ele me disse: “...moço já fiz muito disso aqui  mas agora não tenho não...” A partir dali começamos um bate papo em que não tive como não lembrar de meu avô, o velho Miro, esse gostava de contar história! Espedito tinha acabado de mandar um material para ser cenário do programa de Regina Casé. Disse que após o término do aluguel do material a atriz global comprou tudo. Comentei com ele: “..que bom que no final o senhor ainda saiu no lucro, como diz o ditado : O bom vaqueiro não perde a viagem” ao que ele me corrige: “ O bom vaqueiro não perde a corrida”. Conversamos sobre outros assuntos, conversamos até sobre Cachaça. Dissera que até hoje guarda uma garrafa de cachaça armazenada na imburana (Amburana Cearensis).

Capa da Sanfona de Chico Paes

 Cachaça de alambique que um amigo tinha lhe presenteado. Hoje segundo ele, os engenhos e os vaqueiros são poucos, mas existem.  Falamos sobre ciganos, sobre cobre. Explicou-me que a roupa de couro faz muito sentido para o vaqueiro pois ainda que ele se molhe e pegue sol no fim do dia sabe como cuidar da roupa. “...outro deixaria jogado e no dia seguinte não conseguiria entrar na roupa, de tão dura...” É isso mesmo, o couro endurece e o carinho com um pouco de banha, ajudam a suavizar e amolecer a pele.
Contou como seu pai tinha recebido a encomenda de elaborar uma alpargata para  o Coronel Virgulino, o Lampião, e sobre o pagamento em forma de uma Adaga “deste tamanho”  fala ele demonstrando com as mãos. 
 Na hora de ir,  Sr Espedito de uma forma muito comum às pessoas do interior fala: “...vê se vocês aparecem de novo...”.
Imagem no museu do couro ao lado da Casa de Espedito Seleiro
universo gaudério e cabloco unidos pelo couro


O trabalho de Espedito Seleiro é uma referência na arte em couro e a estética de seu trabalho traz o nordeste em cada entalhe, alto e baixo relevo. É recomendadíssimo conhecer sua oficina.
Ainda neste dia encerramos nosso estirão na fundação Casa Grande, outro lugar especial.

Fundação Casa Grande


Trata-se  de uma ONG fundada em 1992 que oferece atividades de complementação escolar através de seus laboratórios de conteúdo e produção. Objetivando a interdisciplinaridade, atuam na formação crítica dos jovens a partir da sensibilização pela arte.
Já tinha indo lá da primeira vez que estive em Nova Olinda. A produção da mostra incluiu o teatro existente na fundação como um palco para apresentação de companhias de teatro. O interessante é que os jovens da fundação montam o palco, pilotam o som, cuidam da iluminação e da parte da montagem do cenário. Enfim, surpreende ver uma galera de quinze anos ou até menos com este tipo de conhecimento de forma atuante. Quando vemos as fotos das celebridades que já visitaram a Fundação Casa Grande podemos perceber que aquele ali é um espaço obrigatório no roteiro de viagem principalmente de quem trabalha  com arte, cultura e educação. Na segunda ida, desta vez com Mará e família, encontramos com o pessoal da carroça de mamulengos e uma garotada animadíssima compartilhando brincadeiras e jogos coletivos. Quem brincou no fim das contas foi eu.

E Valeu o Boi

O Cariri é uma região que respira cultura. A cultura da Caatinga, do Cangaço, de manifestações como o reisado e os bacamarteiros. Para quem gosta de turismo cultural é um lugar indispensável para discutir a cultura nordestina. Para quem gosta de belezas naturais a região também oferece atrativos como  Geo Parques (não visitei) e outros cenários que ficam sempre mágicos com o pôr do sol daquela terra quente.
Encerro esta postagem agradecendo em nome da Fanfarrada à produção do Sesc Ceará, principalmente Chagas (Chagas Sales Nogueira Lima) e toda a equipe do Sesc. Agradeço também a  Thiagô, Geraldo Jr, Dani da Beatos, Mará, Mirele e Estrela.

  Esta Postagem é dedicada a meu Tio avô Alcir Campello (1928- 2015), meu elo familiar com os foles, e ao Sanfoneiro pernambucano Camarão (1940-2015).





terça-feira, 4 de agosto de 2015

"Tropeando" no Vale do Paraíba/Café

A divisão cultural segue outras lógicas quando comparamos com a divisão política dos territórios. O vale de um rio, uma chapada, um delta, são culturalmente mais abrangentes e fazem com que não sejamos capazes de delimitar onde começa ou termina um evento folclórico/cultural. Assim é com os sotaques, hábitos, brincadeiras de infância...
O vale do rio Paraíba do Sul contempla municípios e distritos distribuídos pelos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Se não bastasse o vale deste rio, temos ainda a Serra da Bocaina (São Paulo e Rio) e a Serra da Mantiqueira como elementos aglutinadores de uma cultura que ora é caipira/caiçara ora tropeira, ora uma mistura disto tudo. Temos as referências “menores” como leitos de afluentes e rios vicinais (Piabanha, Parapeúna, Rio Preto, Rio das Flores) ou a Serra Negra e a Serra do Funil.
  Esta apresentação toda é para defender a cultura tropeira, caipira/caiçara presente também no estado do Rio de Janeiro, mas que como outras culturas presentes no interior do estado perdeu o foco para manifestações atreladas à metrópole do Rio de Janeiro, que já foi capital do Estado do Brasil (1621-1815), colônia do Império português (1763 a 1815), capital da república dos estados unidos do Brasil de 1889 a 1960 quando da criação de Brasília. Guardadas as devidas proporções, é como se as comitivas, tropeadas/ muladas fossem as empresas de logística que distribuíam os diversos do interior. Chamo atenção o fato destes serem ainda ativos e especialmente aqui no estado do Rio de Janeiro estarem por exemplo responsáveis pela distribuição de boa parte do "Parmezão da Mantiqueira" que se come em Maromba, Mauá, Maringá de Minas e Rio. Aos que tiverem maior interesse vale a pena dar um confere neste vídeo https://www.youtube.com/watch?v=83H-EFspvzY 
Armazém Em Mont Serrart

  Seguindo caminho, aqui vai um resumo de uma viagem etílica que é dividida em duas partes. Rio x Juiz de Fora (MG), e em um outro momento Juiz de Fora x Rio das Flores, Valença x Rio Preto (MG)x Serra do Funil (MG).
Como estas localidades  estão muito próximas entre si é difícil delimitar onde termina o Rio de Janeiro e onde começa Minas, principalmente quando se passa por distritos como: Montserrart, Afonso Arinos, Manuel Duarte (todos distritos entre Levi Gasparian e Rio das Flores inseridos em antigas rotas da Estrada Real).
  
Rio x Juiz de fora/  Tradição Mineira

Em 13 de junho acompanhei a Confraria de Cachaça Copo Furado ao alambique da Tradição Mineira. Foi um ótimo reencontro com a Marlene (proprietária, alambiqueira) que falou um pouco sobre cooperativismo  e o desafio que é a organização das cachaças de Juiz de Fora e Zona da Mata mineira em torno de uma cooperativa.

Tonéis de Castanheira da Tradição Mineira
Além de nos apresentar as instalações e falar de sua rotina quando do período de destilação, Marlene e Bené (o esposo) conduziram a degustação de seus produtos. Saí do alambique com a confirmação do que suspeitava. A cachaça Tradição Mineira armazenada em tonéis de castanheira é simplesmente muito acima da média.  Este exemplar atesta que a castanheira é madeira que dia após dia conquista mais público a partir de alambiques como Flor do Vale- RS, Lira-PI, Sudoeste- PR. Mesmo com a prata e o carvalho sendo muito bons, a castanheira destoa positivamente por conferir autenticidade à linha de produtos deste alambique. Super recomendável! A outra confirmação que tive é de que o casal Bené e Marlene são pessoas simples e acolhedoras que sabem como ninguém unir a descontração (comum entre os cariocas) com a discrição (típicas dos mineiros) e que talvez aí tenhamos um pouco do que é a relação destas cidades tão próximas e afins (Rio/Juiz de Fora).







A Werneck



 Em 22 de julho segui, acompanhado do amigo e sócio Moraes, a rota da BR 040 com o objetivo de conhecer os alambiques das cachaças Werneck (Rio das Flores) e Santa Rosa (Valença) com destino final no Vale do Funil, vilarejo de Rio Preto- MG.  A escolha da Werneck foi por dois motivos: primeiro o fato de saber previamente que o projeto do alambique une-se ao da casa, tendo uma casa alambique ou alambique casa, únicos. O segundo motivo o posicionamento da Werneck como uma das melhores cachaças do Brasil apesar do pouco tempo de existência       (quase dez anos).
Do primeiro contato a concretização da visita, o proprietário Eli Werneck foi uma gentileza só. Elaborou a rota mais segura com todas as curvas e porteiras como ícones permitindo nossa chegada rápida e tranquila.
Organização padrão Werneck
O lugar é calmo como um lar deve ser e alguns detalhes demostram o carinho e cuidado do casal Werneck com tudo que os rodeia. Da “Brisa” na porta da casa (uma cadela Labrador) às pantufas que pede que calcemos para andar no alambique, nota-se zelo com o que se faz. A moagem fica bem distante da fermentação e o caldo chega às dornas através de canos que percorrem um trajeto razoável. Fermento selecionado, destiladores  Santa Efigênia, planilhas de relatório para cada destilação e muitas bombas elétricas  de transporte do destilado para diferentes momentos da produção(padronização, engarrafamento). Isso é só um pouco dos equipamentos que vemos. Chamo atenção ao cuidado que o Werneck possui com a água que utiliza para a padronização de seu produto. Filtros de todos os tipos (carvão ativado, resina Cátion/íon, deionizador de água e filtro por raios ultra-violeta). O padrão “Nasa” não é à toa já que a Werneck têm sido exportada para os Estados Unidos.
 Para quem pensa que não há stress,  Eli Werneck deixa claro como alguns procedimentos de regulamentação da cachaça  se mostram morosos e burocráticos como licenças e autorizações. Sobrou até para o selo do IPI que segundo ele seria bem mais prático se  fosse destacável e auto-colante e para os fornecedores de embalagens que tiram garrafas de catálogo sem considerar quantos produtores já possuem sua imagem atribuída à um modelo de garrafa.  Fica a sugestão de quem é produtor, alambiqueiro, vendedor, distribuidor...Eli Werneck joga nas onze posições com habilidade.
 Depois de degustar a branca (inox), o Jequitibá (minha predileta), o carvalho  e a Safira Régia conversamos sobre as novidades da Werneck. Vale o confere no vídeo onde no final ainda fico sabendo das visitas ilustres no campo da música ao alambique Werneck.
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A Santa Rosa



  A Santa Rosa é uma cachaça que junto da Chacrinha conta a história do município de Valença. Bem perto de Rio das Flores, foi muito fácil chegar no alambique embora não tivéssemos certeza se de fato conseguiríamos conhecer as instalações já que os contatos  do início da semana não conseguiam ser confirmados. Fomos atendidos por Fabiana que teve que dividir sua atenção com uma visita de família.  Aliás o clima familiar pôde ser percebido pelas crianças brincando na porta da propriedade e pela reunião de pessoas em torno de uma mesa que entendi ser a cozinha da família. Não conseguimos ter maiores informações da fazenda e neste sentido Fabiana se desculpou dizendo que não têm aberto para visitações pois estão trabalhando na restauração de algumas instalações da propriedade.
Tinham alambicado no dia anterior e o cheiro doce do fermento podia ser percebido fora da sala de fermentação. A roda d’agua junto a muita cana denunciava o tamanho do alambique. Trata-se de um alambique muito antigo e grande.
 As dornas de fermentação ativas e de aço inox com um fermento caipira à base de fubá, bem vigoroso. O destilador chama atenção por ser de cobre com uma panela que parece ou de inox ou de cobre estanhado. Um formato bem peculiar se compararmos com o que temos visto ultimamente. A serpentina, de aço inox. A adega, muito grande dividida ente tonéis de jequitibá e barris de carvalho de diferentes aparências e procedências (francês, escocês, americano). Um funcionário muito tímido, responsável pela moagem,  acompanhou nossa investida em meio aos barris e mesmo assim não conseguimos achar as imburanas. Mais algumas fotos, mas a impressão de que aquela visita poderia ser mais pessoal. Gostaria de ter conversado mais com os produtores/proprietários, e posso não ter dado sorte.
Exemplares do escritório da SR. A história nos rótulos
 É bom lembrar que a Santa Rosa é uma jóia, orgulho para a cidade. Tenho alguns exemplares guardados pois esta cachaça teve muita alteração de sabor de uns dez anos pra cá. Lembro ainda hoje quando o confrade Gilvan Chegure apresentou-a certa feita como sua cachaça de cabeceira(direto do túnel do tempo!). Na oportunidade a degustação feita em copo de Uísque, trazia ao olfato um cheiro de cana frutado e ao mesmo tempo amendoado muito agradável e sutil. Virei fã e com isso fui percebendo a mudança do produto, que para mim tem, em uma versão de 1litro com a apresentação  em garrafa “Cachaça do Brasil” com tampa verde, uma das melhores versões.
Infelizmente da linha de seis diferentes cachaças (Essence, Intense, Special, Splendid, Royal, Exclusive) só degustamos a Essence que adquiri. Ótima cachaça a preço honesto.
Daí, rumamos para Rio Preto-MG.

 No caminho de Valença a Rio Preto passamos por Pentagna e Parapeúna. Passamos na porta da fazenda Bela Vista onde o querido Rogério Ramos recebeu-me já por duas vezes. Muito bom ver a mesma plaquinha da fazenda. No centro de Parapeúna adquiri duas garrafas que o Rogério deixara ainda naquele dia.

A cachaça Tiririca

  Chegamos à comunidade do Funil à noite. O  acesso ao local é sinalizado por placas de pousadas que ao mesmo tempo vão indicando a  distância. A subida em estrada de barro requer tranquilidade e um carro alto. O “Land Roça” (minha Paraty 94) subiu numa boa salvo a zoada da correia do alternador que sempre chia com muita poeira. Neste dia eu e Moraes só queríamos comer e dormir, e foi isso que fizemos.
O dia seguinte (uma sexta) fora reservado para o descanço. Queria conhecer as belezas da Serra do Funil de que já tinha ouvido falar. Rio Preto é dividido de Lima Duarte e Ibitipoca por uma serra, ou seja conhecemos o outro lado de Ibitipoca. E que lado! As opções de cachoeiras são várias e em solidariedade ao joelho de Moraes resolvemos trocar a visita à cachoeira vermelha pela visita ao alambique do Sr José Roque, também conhecido como José do Sítio Tiririca. Fabrício, funcionário da pousada onde estávamos hospedados ao nos ver tocar sanfona e violão nos disse: “...vocês precisam conhecer meu sogro...”. Oito Km de carro em uma estrada tranquila que lembra muito os acessos de Lima Duarte à Ibitipoca.

  O Sr josé Roque é um raro exemplar de pessoa que montou o alambique de curioso e engenhoso que é. Produz hortaliças,mel, queijo, milho, cana, cachaça e fubá. Um exemplo . O milho e o fubá são processados em engenhos movidos à roda d’agua. O mesmo mecanismo que gira a moenda de cana, gira a mó de fubá. Conversei muito com Sr josé Roque sobre o alambique que ele foi me mostrando meticulosamente. Trocamos receita de fermento e percebi prontamente que Sr Tiririca fermenta sem utilizar sacarímetro e destila sem termômetro na panela, algo cada vez mais raro e que cobra mais atenção e habilidade do alambiqueiro. Contara que ele mesmo tinha diminuído o tamanho da panela do destilador para que pudesse fazer um produto com mais controle e maior qualidade. Ele mesmo fizera o forno e adaptara a serpentina.
Alambique montado por Sr Tiririca 
Sua cachaça impressiona pelo cheiro doce que ora lembra milho, ora cana e mesmo a branca é curiosamente muito suave.
Mó ou moinho de Fubá movido a água

 Depois de trocar muitas informações na cachaça, fomos trocar na música. Sr José Roque possui uma oitenta baixos (acordeom) e já foi responsável por "segurar" a sanfona de algumas folias de reis da serra do funil um baile facilmente. Tive ali uma manhã memorável. Água em fartura , queijo fresco, boa prosa e a vontade de voltar para conhecer tudo o que não conheci da serra do funil. Percebi que  o gosto de conhecer cachaças acompanha o gosto por conhecer as pessoas que fazem  a cachaça. Suas histórias e suas trajetórias. 
Identificação com Sr Tiririca: Cachaça e Música
Agradeço à toda a comunidade do Vale do Funil, em especial Cristiano da Pousada Mirante Santo Antônio. Ao amigo Moraes, gaudério inconfundívele ótima companhia de viagem e violão.
 Dedico este poema à todos os produtores de cachaça em especial à Eli Werneck, e Sr José Roque que me mostraram que nos extremos de dois alambiques totalmente diferentes se encontra algo em comum: o amor pela terra, a paixão por ver a mesma produzir e o carinho pela cachaça. Muito obrigado mestres.

“Fazemos cachaça quase que por vício
Dinheiro que é bom é coisa difícil,
Riqueza maior são os amigos.
Mas se a fé é um firme artifício,
Continuamos  acreditando
Mesmo com o tempo passando
Como se hoje fora só o início”

  Thiago Pires